RESENHA: ROMULO FRÓES – REI VADIO – AS CANÇÕES DE NELSON CAVAQUINHO

Encontra-se nos trabalhos de Romulo Froés uma sensação de obrigação, de que toda sua obra precisa ser realizada. Ele é alguém que consegue tirar de audições e gravações “ruidosas” aspectos verdadeiramente belos que categorizam sua música em um movimento contínuo entre tradição e experimentações. À medida que vamos ouvindo seu disco, compreendemos que talvez ele seja uma das pouquíssimas vozes contemporâneas que pode repaginar a obra de Nelson Cavaquinho sem ficar preso em discursos apenas saudosistas e reverenciais. Ele está dizendo pra seu público que a passagem em uma obra como a de Nelson Cavaquinho não deveria deixar nenhum ouvinte incólume.

Quando passamos pela obra de Cavaquinho e de Froés, sentimos que há uma ligação entre a produção não necessariamente limpa. Os discursos destes dois reverberam porque eles buscam sair da manipulação fácil tanto do produto final quanto do discurso estético. Teve crítico por aí que falou que a obra de Cavaquinho é irretocável, mas ele não reconhece, aparentemente, que Froés ainda que homenageando, quis dar um verdadeiro testemunho das transformações que as audições de Nelson influenciaram na sua obra e na sua perspectiva de “fazer música”.

Respeitar uma obra não é reinterpretá-la no mesmo esquema rítmico e ainda bem que Froés reconheceu que, quando as canções passam pelo seu filtro criativo, elas têm de corporificar seu aspecto sonoro. A distribuição de som dos instrumentos indicam pedaços instrumentais bem divergentes dos originais. Aí é o reconhecimento à altura que Romulo propõe: ele jamais quis se comparar ao Nelson e por isso todas as faixas de “Rei Vadio” têm uma característica firme, assinada pela criação própria de Froés.

Ouça na íntegra:

Se Romulo mantivesse as harmonias e os acompanhamentos, toda a sensação de “partida” que a obra de Cavaquinho afirmou dissolver-se-ia em mera cópia e referência. Um discurso artístico só é válido se ele cava na experiência e é num processo de ruminação sonora – as melodias, os toques do violão – que sentimos o diálogo forte entre obras tão distantes no plano temporal. Ao menos que tenha uma noção muito ortodoxa do que possa ser o samba (e aí vem um desmerecimento da obra em construção do Metá Metá e o último disco da Elza Soares, entre outros) a heresia de Froés é muito bem-vinda, com sua inclinação pra um jazz livre carnavalesco.

Considerando o ano em que estamos, reclamar dos ruídos apenas porque eles são ruidosos não é crítica, é achismo. E tudo bem achar que as violações de Romulo atrapalham o legado de Cavaquinho. Mas, a meu ver, ele explora aspectos não tão desenvolvidos na obra de Nelson e se debruça sobre eles com toda a imposição que seu gênio criativo certamente não deixaria de fora. Se pensarmos bem, “Rei Vadio” é uma jornada de atravessamento pelos espectros fantasmagóricos de Froés (os instrumentos distorcidos que entram e somem) pra originalidade intimista de Cavaquinho. Imitar o mestre muitos fariam. Mas descrever simbolicamente a audição e possíveis reinterpretações de tal obra é um trabalho árduo.

Nessa empreitada, ele tem parceria vocal com Dona Inah (“Eu E As Flores”), Ná Ozzétti (“Caminhando”) e Criolo (“Luz Negra”); e na cozinha, de Rodrigo Campos, Kiko Dinucci, Thiago França e Marcelo Cabral, entre outros.

Se alguém diz que este trabalho não agrada os fãs do Nelson Cavaquinho, estaria desconsiderando uma parcela grande de admiradores que aceitam de bom grado interferências contemporâneas. O coro original pode ressoar com a intervenção contemporânea, como mostrado nos últimos minutos simbólicos da última faixa. Nelson apresentava e Romulo apresenta música como obrigação: evidenciar, com ruídos ou melodias, tudo que consome nossos corpos.

Sobre o “rei vadio”, um texto de Fróes, que data de 2011: clique aqui.

01. Pode Sorrir
02. Aceito O Teu Adeus (Não Me Olhes Assim)
03. Notícia
04. Erva Daninha
05. Eu E As Flores
06. Cinza
07. Luto
08. Caminhando
09. Vou Partir
10. Rei Vagabundo
11. História De Um Valente
12. Mulher Sem Alma
13. Luz Negra
14. Juízo Final

NOTA: 7,0
Lançamento: 26 de fevereiro de 2016
Duração: 50 minutos e 58 segundos
Selo: Selo SESC
Produção: Romulo Fróes

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