Se tem uma coisa que me incomoda é alguém sentado em alguma verdade. Ninguém deveria defender verdade alguma quando nem a própria ciência se presta a isso. A ciência quando quer defender suas conclusões, praticamente implora pra que alguém consiga derrubar seus tratados e descobertas com novos tratados e descobertas meticulosamente testados e comprovados. É o contrário da religião, que abomina todos que desconfiam de suas verdades, dos seus dogmas. Religiões são baseadas em crenças, na imaginação de que aquilo que se abraça possa representar alguma espécie de caminho da verdade, mas que verdade mesmo só há uma, a daquela crença, nunca de outra religião.
As artes são um tanto como a ciência: são criadas pra escrutínio, não só do prazer e do gosto, e de críticos especializados ou leigos, mas do tempo, da história. Não há verdade absoluta, nem se busca isso.
Há quem diga que as artes são instrumentos de convencimento daqueles que não sabem argumentar em viva-voz. Frente a frente, nos debates da vida real, há pessoas que se acuam. Precisam pensar, refletir, raciocinar mais profundamente sobre o que dizer e como dizer. Criar é esse tempo. E durante esse tempo é possível refletir as próprias verdades da criação. Criar é um exercício de não-enfrentamento imediato, mas que inclui a coragem de enfrentar as consequências daquilo que não pode ser desfeito ou contra-argumentado.
Quem escreve o faz porque ao vivo, de frente a outras pessoas, talvez não tenha a habilidade de refutar ou desenvolver a linha de raciocínio que o momento exige – ok, não é regra, mas o tempo pra se escrever, um ato solitário, é o tempo em que se pode rever ideias e conceitos, pensar, ver as coisas de outra forma, antes de frasear e perceber que não era exatamente aquilo o que se queria formular.
Um disco como “A É Côncavo, B É Convexo”, instrumental e cheio de sutilezas (que só vão ser percebidas com muitas e muitas audições, de preferência solitárias), mostra que os curitibanos da ruído/mm, quatro anos depois do aplaudidíssimo “Rasura”, de 2014 (ouça aqui), não possuem muitas certezas. Ora baseado nas teclas (“Tesserato”), ora nas guitarras densas (“Antílope”), ora numa ligação com o Mogwai (“Ouroboros”), ora espacial (“Esporos”) o trabalho parece percorrer não as dúvidas, mas as possibilidades de outras verdades, outros pontos de vista. Não se parece exatamente com “Rasura”, nem com “Introdução À Cortina Do Sótão” (o primeiro disco, de 2011), talvez com exceção de “Jacó”, não porque devesse ou não devesse, mas justamente porque ao se buscar uma nova perspectiva se consegue visões diversas.
É aquela ruído/mm com uma exatidão milimétrica (maus pelo termo), com nada fora do lugar, imaginando-se os muitos momentos em que o sexteto se debruçou em cada nota, em cada passagem, em cada ajuste, pra que pudesse se comunicar da forma que queria se comunicar. Não há espaços pra improvisos, porque, como o ato solitário de escrever, precisa pensar, refletir, lapidar, estruturar.
O resultado ser bom ou ruim é tão carente do ouvinte (do interlocutor) que não importa. A forma e o conteúdo divergem. A forma pode agradar, mas não o conteúdo, e vice-versa, ou ambos podem desagradar ou agradar, depende de quem está do outro lado, de quem compra essa verdade, depende da força do convencimento dessas notas.
Se o a é côncavo e o b é convexo, tudo vai depender de como você vê e ouve.
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1. Niilismo
2. Volca
3. Antílope
4. Ouroboros
5. Tesserato
6. Esporos
7. Jacó
8. MMC
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NOTA: 9,0
Lançamento: 22 de novembro de 2018
Duração: 38 minutos e 06 segundos
Selo: Sinewave
Produção: Rodrigo Stradiotto