Confesso que sou um saudosista. Acho que todo mundo é, de certa forma. Músicos principalmente, creio. Quer dizer, músicos não podem ser simplesmente acusados disso, afinal eles estão usando “suas referências” na construção da arte própria e qualquer ligação pode ser atribuída a isso. Mas eu não tenho desculpa qualquer quanto a isso.
Há dois anos, chegou-me aos ouvidos o ótimo disco do Surf City, “Jekyll Island” (ouça aqui). O adjetivo foi construído a partir da proximidade do som do Surf City com o do The Thrills, um dos meus grupos preferidos. O Thrills na inatividade, coube ao Surf City saciar minha vontade de novidades deles.
O mesmo está acontecendo agora com o Salad Boys, coincidentemente neo-zelandês como o Surf City. Seu novo disco (o segundo), “This Is Glue”, preenche a lacuna que o REM deixou. O trabalho é praticamente um “disco perdido” do REM fase pré-“Out Of Time” (1991), especificamente entre o “Reckoning” (1984) e o “Document” (1987).
As guitarras, a bateria, as cordas (como em “Divided”), até mesmo o vocal de Joe Sampson mais grave que o de Michael Stipe, mas com a mesma inflexão, tudo remete ao REM.
Cada um pode discutir se tal reverência tão alongada e curvada faz o resultado ser míope ou uma espécie de idolatria exagerada. Ora, basta um exercício mínimo pra perceber que não há “inovação pura” na história da música jovem e popular. Todo mundo junta os pedaços do que ouviu durante a vida e tenta criar sua própria arte. Os ecos reverberam e é divertido ficar distinguindo essa ou aquela referência. O que importa é a relevância.
Os anos 2000 foram pródigos, principalmente no Brasil, em imitar (ou ecoar) o grunge e o lo-fi estadunidense. Muitos olharam mais pra trás, pro Television, pro pós-punk. Depende do que a audiência compra – é isso que determina se a onda cresce ou se vai ser uma marolinha criada por aficionados ou jornalistas ególatras.
Rejuvenescer o REM é algo até raro. Com a qualidade do Salad Boys parece-me algo inédito. Desde as primeiras linhas de “Blow Up” (atente-se pras guitarras da primeira metade) e “Hatred”, o ouvinte entra num túnel do tempo em direção à Athens dos anos 1980, com a impressão de que é um triunfo real da ciência.
A produção caseira – o disco foi gravado em vários lugares da sua cidade natal, Christchurch – dá uma deliciosa sensação de crudeza, de garagem (“Psych Slasher”, “Choking Sick”), ou de um REM amador (“Right Time”, “In Heaven”), ou de uma aprazível melancolia (“Exaltation”). Há ainda, pra mudar um tanto o foco, entretanto sem sair do olhar ao passado, uma aproximação com o Velvet Underground em “Scenic Route To Nowhere” (bem semelhante a “Sweet Jane”).
Ao final dos quase quarenta e cinco minutos de saudosismo, o Salad Boys destrói qualquer dúvida com relação ao revisionismo aplicado. Não é uma ferramenta inapropriada (alguém poderia falar ainda hoje que o próprio REM se apropria do Byrds, por exemplo?). Com toda a semelhança e mesmo com a adição dessa ou daquela camada de distorção, o Salad Boys ainda consegue fazer o que todo músico gostaria: tocar o ouvinte e deixar sua música grudada na memória.
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NOTA: 9,5
Lançamento: 19 de janeiro de 2018
Duração: 44 minutos e 50 segundos
Selo: Trouble In Mind
Produção: Joe Sampson