Uma baixo provocante, uma voz gutural, uma guitarra atuando como um serrote no cérebro e temos um resumo do que é o quinteto Sei Still, natural da Cidade do México, mas morando hoje em Berlim. Não que a capital alemã e a capital mexicana sejam assim tão diferentes no olhar raso: são cidades enormes, cosmopolitas, bonitas a seus modos, mas uma fica no coração da Europa rica e a outra na América Latina altamente desigual e violenta, e isso faz bastante diferença.
O que essa mudança traz de vantagem pro quinteto neste segundo disco, “El Refugio”, é basicamente o fato da banda estar agora no meio do continente que pode lhe dar mais oportunidades de viver da própria música. Mas tanto lá no Velho Continente, quanto na maior metrópole latina do planeta, o baixo segue provocante, a voz domina os graves, a guitarra serra nossos sentimentos e os movimentos circulares sonoros seguem os mesmos. As fronteiras foram destroçadas há tempos e só preconceitos poderiam se espantar com um kraut-post-punk tão envolvente vindo de qualquer lugar.
“El Refugio” não tem só essa mudança geográfica. O vocal é a primeira alteração percebida, mas há uma mistura bem encaixada do específico krautrock do primeiro disco (“Sei Still”, de 2020, ouça aqui) com o pós-punk reconhecido dos anos 1980, mais soturno e cavernoso que o usual, com “Extrarradio” como o melhor exemplo. Até as capas mostram uma nova direção.
A aliança entre os dois gêneros quase-gêmeos fez as canções ficarem mais curtas e palatáveis, menos circulares e mais acessíveis. O risco, entretanto, é desagradar admiradores de um ou de outro gênero, normalmente ouvidos bastante específicos e rabugentos.
Vai depender, claro, do bom humor do ouvinte. Se no primeiro trabalho, se ouvia muito de Stereolab, por exemplo, com certo frescor, neste, nem passa perto. Aqui, a escuridão prevalece.
Como lembra a apresentação do disco, “todo o monótono vocal sprechgesang de Lucas Martín (em espanhol por toda parte) dá às faixas um fascínio fantasmagórico e de mau presságio”, o que convenhamos é algo bastante saboroso. “A banda ainda tem seus momentos hipnóticos. Em momentos lentos como ‘Soldados Caidos’ e ‘El Peso De La Piel’, o Sei Still troca um desolado e lúgubre gótico pela etérea faixa-título, uma descida shoegaze endividada que traz o álbum pra um fim assombrosamente belo”.
Vender o produto é floreá-lo, então cabe especificamente uma comparação entre antes e depois, neste caso. Arte não é geladeira ou carro pra comparações rasas sobre funcionalidades. Eis, então, que voltamos pra mudança física da banda. Em tese, chegar na Alemanha do kraut levaria a um aprofundamento das raízes do primeiro disco. Mas o Sei Still mudou (não radicalmente) de direção, acrescentou isso e aquilo e conseguiu um disco diferente, numa distância como as duas cidades aparentemente tão díspares, mas que enfrentam problemas muitas vezes semelhantes.
Só que diferente não quer dizer exatamente excelente. É bom, é ousado e reverenciável, mas os riscos estão aí. O terceiro disco trará uma questão incômoda pra banda: e agora?
—
1. Extrarradio
2. Me Persigue
3. Exilio
4. Soldados Caídos
5. Solsticio
6. Las Puertas De La Noche
7. Hombre Animal
8. El Peso De La Piel
9. El Refugio
—
NOTA: 6,5
Lançamento: 26 de novembro de 2021
Duração: 37 minutos e 24 segundos
Selo: Fuzz Club
Produção: Pablo Thiermann e Sei Still