RESENHA: SWANS – THE SEER

DESTINO E JUSTIÇA: NUNCA É TARDE DEMAIS

A Justiça nunca falha. Como versa o dito popular, ela tarda, mas não falha. Em termos de sabedoria do povo, vale pra tudo que os homens não podem, não conseguem ou não tem sapiência pra conceder o devido destino em “Terra”, de modo que, enfim, “deus” ou o “universo”, ou como você queira chamar, encarregar-se-á de resolver a situação.

Por “destino”, porém, o homem que não se atenta à ciência, compreende como tudo aquilo que deu-se um fim, dizendo que “estava escrito”.

Não acredito nisso. Cada um faz seu destino, claro. Na persuasiva “teoria do caos”, qualquer alfinete ou bater de asas de uma borboleta podem mudar o curso das coisas, pelo simples fato de existirem, de acontecerem, de estarem aqui entre nós. Destino uma ova.

A minha Justiça eu faço todo dia, e sem querer parecer um rapper de discurso medíocre e óbvio, refiro-me a algumas justiças que posso resolver por conta própria, sem depender de seres sobrenaturais, rezas, juízes terrenos ou da aleatoriedade que a existência de alfinetes ou borboletas possam gerar. Na música, principalmente.

Tudo isso pra admitir que demorei muito pra entrar no mundo do Swans. A banda é de 1982 (o primeiro trabalho, homônimo, é um EP do mesmo ano; enquanto o primeiro disco cheio é “Filth”, de 1983) e só há pouco mais de cinco anos, com a banda já na longa hibernação que durou de 1998 a 2010, é que fui vasculhar os sentidos que ela causa em tanta gente. Ouvi com ressalva um bocado dos seus discos: “Cop”, de 1984; “Greed”, de 1986, “Children Of God”, 1987; “The Burning World”, de 1989; e “White Light From The Mouth Of Infinity”, 1991, que um bocado de gente tem como o melhor, embora eu saiba que isso varia bastante de fã pra fã.

Não ajudou muito a má impressão que o primeiro disco do retorno, “My Father Will Guide Me Up A Rope To The Sky”, de 2010, causou.

O caso é que nenhuma banda que faz tanto noise e passeia pelo industrial e drone por tanto tempo, angariando seguidores de respeito, pode ser desprezada. Afinal, não é uma música pra você sentar, ouvir e curtir como curte uma cerveja num dia quente de verão. Não é fácil, não é pop, não é pra todos.

Só que Michael Gira, o cérebro do Swans, é esperto o suficiente pra usar os tantos anos de experiência (ele tem quase 60 anos) a seu favor e a favor de sua obra. Se ele fosse um vidente prevendo seu destino, talvez tivesse escolhido começar por aqui, por esse novo trabalho, o décimo segundo da carreira, “The Seer”.

É, sem dúvidas um dos melhores discos do século (observe o superlativo), embora não vá cometer a besteira de dizer “o melhor da discografia”, porque esse é um assunto pra fãs mais íntimos, insisto. Certamente, “The Seer” é a melhor porta de entrada pra você fazer justiça com o Swans e entrar apaixonado no mundo da banda.

Porque, querendo ou não, “The Seer” é um disco pop, palatável, agradável em muitas partes. Senão, é só ouvir “Lunacy”, que abre o disco de forma épica (com participação especial da dupla Alan Sparhawk e Mimi Parker, do Low). Não é pop no sentido FM do termo. Ainda há demência, drones, post-rock, essa fórmula toda. Mas é claro que a ausência de ruídos, as cordas e o climão ajudam a atrair o ouvinte.

O diacho é que o Swans, a banda, não é pop. Mesmo fazendo um disco acessível, faz um disco que tem quase duas horas e nenhum disco pop tem quase duas horas. Nenhum disco pop possui um maratônico estrondo como a faixa-título, de mais de meia hora de duração, com sinos, guitarras, porradas e tudo o que você pode imaginar. Gira e companhia não são econômicos, vão até o limite de suas criações.

Ouça “The Seer”:

“Mother Of The World” começa com uma batida repetitiva pra bater cabeça, e indica como se portar dali em diante: altos e baixos, vai-e-vem, calmarias e estrondos, berros, melodias, coros, vocais empostados, tudo misturado. É uma música traiçoeira, ela ilude o ouvinte. É como o destino: o que se espera e se acostuma, de repente, pode mudar, virar outra coisa, deixar aquele início no passado, projetar um novo futuro. É a música da teoria do caos, uma aleatoriedade perfeita o suficiente pra não parecer aleatória.

Dividido em duas partes não equivalentes em duração, e num constante crescendo, é possível que o ouvinte se prenda mais na segunda parte. Ali estão realmente as obras mais contundentes do disco: “Song For A Warrior” (com a participação de Karen O, do Yeah Yeah Yeahs no vocal; e Bryce Goggin, responsável pela mixagem de “Crooked Rain, Crooked Rain”, do Pavement, no piano), uma música de duração “comum”, com menos de quatro minutos; “A Piece Of The Sky” (com Jarboe, por muito tempo integrante do Swans, nos vocais; Ben Frost; e os folkers da Akron/Family também nos vocais de apoio); e a ora insinuante, ora massacrante “The Apostate”, com vinte e três minutos de duração.

Ouça “The Apostate”:

Comigo, bastaram as primeiras músicas pra sacramentar minha ligação incondicional com o Swans. Agora, talvez eu vá ver com outros olhos o que já conhecia da obra do septeto estadunidense. Pede uma reavaliação. “The Seer” teve esse papel. O disco só não previu um futuro brilhante pra banda porque ele é o próprio futuro.

Então, o que o destino reserva pro Swans depende da proposta de Justiça de cada ouvinte. Só não vá demorar como eu demorei.

DISCO UM
01. Lunacy
02. Mother Of The World”
03. The Wolf
04. The Seer
05. The Seer Returns
06. 93 Ave. B Blues
07. The Daughter Brings The Water

DISCO DOIS
08. Song For A Warrior
09. Avatar
10. A Piece Of The Sky
11. The Apostate (clique aqui pra ver o vídeo)

NOTA: 9,5
Lançamento: 28 de agosto de 2012
Duração: 119 minutos e 15 segundos
Selo: Young God
Produção: Michael Gira

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Comentários

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7 comentários

  1. […] Teve brigas internas, com o guitarrista Nick Zimmer dizendo ao New York Times que ele e Karen O se odiavam (antes da gravação do terceiro disco) e que cada encontro era uma dificuldade só. Grava esporadicamente, se entende apenas profissionalmente. Individualmente, os integrantes movimentam-se muito bem, participando de altas rodas (como Karen O, na obra-prima do Swans, “The Seer”, de 2012). […]

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