RESENHA: SYDERAS – GRANUMUSICA

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Apresentações sobre a diversidade podem ser erráticas e não importa o que falam sobre o pós-modernismo, o fato é que as antigas bolhas de identidade mais parecem, agora, saturações estéticas, exercícios de nicho pra tentar estabelecer um elo significante com o mundo. Eu imagino olhar um cérebro através de um microscópico: diversas partes, cada vez mais setorizadas, movimentando-se em seus limites. Individuação infinita. Você tem essa sensação de estar na barreira do diverso, do pleno aprimoramento desses exercícios que podem ser pra todo mundo ou retóricos, no fim dá no mesmo, ouvindo Syderas.

Como uma espécie de curador (no sentido de curadoria) das subjetividades, Syderas estabelece um corpo discursivo ao colher sons erráticos e transformá-los no momentâneo essencial (aquele que configura o aqui e o agora).

Este lançamento de Syderas é composto por oito peças quase-fantasmas, espectros de uma época em que tudo tem de ser acelerado e condicionado; elas sabotam essa imagem falsa e reatam, em quase uma hora de duração, um tempo em que a música exprime seu ciclo, suspendendo a forma que ela tem sido consumida.

As faixas são um movimento em paralelo: elas aproximam diversas influências e as libertam de sua especificidade histórica. Elas são estudos em fixação, como se deslocam do abstrato e correspondem a um real justaposto a este mundo que tomamos como único.

“Granumusica” tem, em seu processo criativo, a necessidade de constantemente transfigurar elos, movendo-os no campo sonoro e ampliando as micro-funções de cada som. Tomado como um grande corpo instrumental, “Granumusica” se aprimora em seu próprio universo, como se víssemos um organismo simples desenvolver consciência de si e de suas possibilidades enquanto ser autônomo no mundo.

Impressionantemente, a manipulação sonora age como um corpo submarino, envolto em ecos que ela mesmo cria; ela é um reflexo de sua produção e é essa autoconsciência que a permite constantemente reelaborar os andamentos sonoros. Enquanto Syderas canaliza essas composições que se desenvolvem internamente, elas parecem extensões naturais de um outro tipo de consciência que não apenas humana, mas um ligeiro vislumbre de como funciona algo autônomo num universo instituído. Ambos os elementos técnicos e espirituais canalizam uma verdade que, de maneira alguma, poderia ser contestada: que esses sons são fenômenos, são manifestações incontestáveis de uma consciência que existe e está solta por aí.

O grande mérito pra essa transfiguração é a concisão. A apropriação de sons é exercida tão cuidadosamente que você sente que a música canalizada por Syderas também passou por seu plano de fundo musical, como se você sempre tivesse ouvido isso subjacente às músicas que você ouve todos os dias.

Há uma certa liberdade nisso: sons são libertados de sua narrativa convencional e interagem com o ouvinte em um plano tanto fantasmagórico quanto concreto. Ouça a faixa quatro: ela desce ao nível de quase-suspiros que trafegam por um infindável slow motion até, quando atinge uma espécie de fundo, emergir em pequenas ondas que ganham importância por causa de uma repetição reconhecível. De alguma forma, tais alusões escapam de como o algoritmo musical é guiado pra relatar como sons distorcidos e manipulados criam uma divisão fragmentária que estabelece outro modo de a música se relacionar com o tempo.

As implicações temporais e culturais são uma forma de fazer sons reaparecem em uma nova instância que reata possibilidades aquém dos categóricos modelos culturais. A mistura de gravações permite que a fidelidade se caracterize conforme o organismo básico é continuamente readaptado a um ecossistema. A harmonia quase descuidada, aos poucos, transforma-se em um novo arranjo que será matriz de novos arranjos: e um mundo novo se abre.

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NOTA: 9,0
Lançamento: 20 de março de 2020
Duração: 76 minutos e 12 segundos
Selo: Independente
Produção: Syderas

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