Muitas vezes a gente pode se perguntar por qual motivo alguém monta uma banda punk nos dias de hoje. Enquanto o pop, o ultrapop, o popnejo, o batidão e demais vertentes populares vão fazendo a cabeça dos jovens, por quaisquer motivos que sejam, tomando lugar das guitarras como arma pra se rebelar ou fincar lugar na sociedade, há lugares do planeta em que empunhar uma guitarra pode ser bastante perigoso.
Em 3 de fevereiro de 2021, cinco pessoas não-identificadas lançaram no Bandcamp o EPzinho “Taqbir”, mesmo nome da banda, que remete ao takbir, a celebração ou louvor, referindo-se ao Allahu Akbar (“Alá é grande”, ou, em semelhança, como um “graças a deus”, pros cristãos brasileiros).
A gravação enigmática chamou atenção de algumas publicações mundo afora, sendo a mais respeitada a The Quietus. O disco acabou ganhando uma versão “ocidentalizada”, com o título “Victory Belongs To That Fight For A Right Cause”, com as mesmas quatro faixas e os mesmos sete minutos de duração – sim, apenas sete minutos.
O título novo tem a ver com o conteúdo das músicas. O Taqbir canta em dariŷa, já que é de Tanger, no Marrocos – ou pelo menos um dos integrantes é, como dito nesta entrevista.
O relançamento é de 11 de junho, obra da etiqueta londrina La Vida Es Un Mus.
A vocalista não-identificada e que não mora em Tanger no momento diz que “a Caaba (o centro da Grande Mesquita de Meca) é a representação da autoridade no Islã e a meca – pra mim – é a representação do capitalismo. A Arábia Saudita ganha milhões de dólares graças aos peregrinos e todos nós sabemos pra onde vai esse dinheiro. Vai bombardear iemenitas, por exemplo. As instituições religiosas são construídas pela hipocrisia e tenho o direito de ser contra ela, como os brancos têm o direito de ser contra suas próprias instituições religiosas. O Islã não é diferente de outras religiões. É misógino, homofóbico, retrógrado, ponto final”.
Não surpreende que naquele momento da entrevista a vocalista não quisesse ser identificado. “Eu sou o único de Tanger. Mesmo que o Taqbir não esteja baseado lá, pra mim era importante não ser facilmente identificado não só pelo que a banda representa, mas também por motivos pessoais. Venho de uma família muito conservadora”, disse ela na mesma entrevista.
Se denota um perigo real pra essas pessoas empunhar a guitarra e gritar contra uma religião que tem lá seus fanáticos, como qualquer religião (no Brasil especialmente), o “sucesso” (entre a crítica bastante especializada) fez com que os integrantes tivessem que colocar a cara pra uma plateia, na sua estreia ao vivo, em Utrecht, na Holanda, no festival “Le Guess Who?”, que rolou de 10 a 13 de novembro. Estavam de máscaras, por conta da pandemia e por conta, dizem, da própria segurança.
As quatro faixas do EP foram descritas como “curtos vômitos de sentimento anti-religioso”. São peças “irreverentes, uma explosão descuidada de raiva em relação a um lugar opressor extremamente patriarcal (…). Um exemplo incrível do mundo musical primitivo e, esperançosamente, parte de uma nova onda de bandas taqwacore”. E ainda mexem com a imaginação, como a que fala do ser mitológico “Aisha Qandisha”.
A vitória pertence àqueles que lutam pela causa certa. O título do relançamento é um tanto perigoso, afinal qual é a “causa certa”? Certa pra quem? Pra esses cinco jovens é lutar contra a opressão e toda opressão, por definição, precisa ser combatida. Se for com guitarras barulhentas, melhor ainda. Se ela se confunde com a religião deles ou o fundamentalismo daqueles que compreendem de forma equivocada “escritos sagrados”, é um problema maior.
Certamente os sete minutos de “Taqbir” não vão mudar isso. Talvez não seja nem a arma mais eficaz. Mas que diverte, diverte.
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1. Sma3
2. Aisha Qandisha
3. Tfou 3lik
4. Al-Zuki Akbar
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NOTA: 9,0
Lançamento: 3 de fevereiro de 2021
Duração: 7 minutos e 28 segundos
Selo: La Vida Es Un Mus
Produção: Taqbir