Quando os irmãos Reid, ladeados por um Bobby Gillespie batendo em pé numa bateria de duas peças e por um Douglas Hart usufruindo da loucura com seu baixo escondido atrás de uma parede impenetrável de distorção, espantaram o mundo, com seus shows de quinze insanos e ensurdecedores minutos, lá pela primeira metade da década de 1980, houve quem perguntasse: o que pode vir a partir daí?
“Psychocandy”, o clássico ainda irretocável de 1985, é um daqueles discos a se colocar ao lado dos grandes que mudaram a história; e o mundo de repente tinha uma banda tão ou mais punk que o próprio punk jamais deu, mas com uma doçura abraçada do Velvet Underground, que não havia como catalogar, e tudo aquilo era explosivo e amável e irônico e chapado como pouco se via na música pop – porque, sim, aquilo era música pop (afinal, havia outras bandas mais explosivas e totalmente não-comerciais, não há como negar).
A lenda grita que se tratava de um acidente de percurso. A música que os irmãos Reid gostariam de fazer era um pop mais doce e brando. As toneladas de distorção vinham de uns pedais “quebrados” que eles “acidentalmente”, por serem baratos, haviam comprado. Era com aqueles pedais que eles tinham que se virar. Deu no que deu. Mas assim que a grana começou a entrar, os equipamentos puderam ser melhores e o som deu num “Darklands”, de 1987, que nem de longe se parece com “Psychocandy” em termos de barulho, mas é inevitável não se espantar mais uma vez: a beleza daquelas canções, a distribuição de “solos” improváveis, da ausência de refrões pegajosos, as melodias, a tristeza. O Jesus & Mary Chain tinha dando um olé na encruzilhada: ao invés de se repetir e fazer mais barulho, foi pelo caminho inverso, mantendo “só” a pureza das canções.
Se havia nova encruzilhada, o Jesus conseguiu contornar mais uma vez. “Automatic”, de 1989, não era uma banda, apenas os dois irmãos, um sintetizador e uma bateria eletrônica. Foi o maior sucesso comercial da carreira deles nos Esteites, o que gerou mais grana, mais drogas, mais insanidade, mais problemas.
Nesse ponto, já passando dos trinta anos de idade, com a cobrança batendo à porta, os irmãos tentaram dar uma resposta. Apesar dos esforços, procuraram se distanciar dos anos barulhentos e inconsequentes do início de carreira, justamente os anos cujas atitudes os colocaram no mapa da música jovem. “Honey’s Dead”, de 1992, foi uma maneira de dizer que o período de “Just Like Honey” havia morrido. Embora as canções tenham boas doses de distorção, a vibração dançante é mais presente e as letras, que nunca foram um forte da banda, mais ácidas (como já eram no disco anterior).
Nessa altura do campeonato, a MTV mandava no mundo e o grunge do Nirvana era a nova grande virada da música jovem, com camisas de flanela, contra as jaquetas de couro e óculos escuros noturnos da turma da Escócia. O Jesus & Mary Chain, de repente, mesmo entre a “audiência indie” estava deslocado. Paralelamente, os irmãos não se bicavam muito. Alguma coisa entre “Psychocandy” e aqui não havia saído como imaginado. Alguma coisa falhou.
O quinto disco, “Stoned & Dethroned”, no auge da febre britpop, não passou em branco por conta do auxílio de Hope Sandoval, do Mazzy Star, que voltaria ao derradeiro álbum, “Munki”, de 1998, quando Jim Reid e William Reid sequer se falavam e nem chegaram a gravar no mesmo estúdio ao mesmo tempo. Faziam de tudo pra não se encontrar.
A consequência: a banda acabou pra só voltar em 2007.
E “Damage And Joy”, o sétimo disco da banda, é o retrato dessa turbulenta história. Foi divertido, mas não sem escoriações. O que se ouve no seu conteúdo é aparentemente um momento de calmaria. A dupla de irmãos voltou a excursionar junta, a compor junta e a gravar junta, embora muitas vezes à distância – eles moram bem longe um do outro (Jim na Inglaterra e William ora nos Esteites ora na Tailândia).
O truque utilizado pra amenizar as coisas foi usar gente que eles curtem pra cantar com eles. Hope Sandoval, no sucesso “Sometimes Always”, havia mostrado o caminho, então, por que não? Em “Munki”, o ensaio foi acentuado, com a participação da irmã mais nova, Linda Reid, a Linda Fox ou, como ela gosta artisticamente de ser chamada, a Sister Vanilla, que também dá o ar da graça aqui, em “Los Feliz (Blues And Greens)” e “Can’t Stop The Rock”.
As vozes femininas deixam tudo mais leve, de fato. Sky Ferreira fecha o disco, com “Black And Blues”, enquanto Isobel Campbell (a própria, ex-Belle & Sebastian) vai de “Song For A Secret” e “The Two Of Us”. Bernadette Denning tenta reviver Hope Sandoval, duetando com Jim em “Always Sad”.
“Amputation”:
“All Things Must Pass”:
“Damage And Joy” tenta recolher os cacos daquela que é uma das grandes bandas da história. Soa como um apanhado de velhas canções e não trás nada de novo. O Jesus & Mary Chain se cansou ou esgotou sua capacidade de escapar de encruzilhadas criativas. Talvez já nem ligue pra isso. Talvez só pretenda fazer aquilo que queria fazer desde o princípio da carreira, com os equipamentos adequados: música pop descartável. Mas a música pop de hoje é outra, eles chegaram bem atrasados nessa. Não há mais grunge que não soe datado e insosso, não há britpop que faça alguém sonhar com tempos de outrora, não há shoegaze que não seja uma mera obra de saudosismo (né, My Bloody Valentine?). A bem da verdade, ninguém se apaixona mais por discos. É tudo rápido demais pra isso. “Damage And Joy” corre o risco de ser esquecido daqui a um ano.
Pega canções rodadas, como “Amputation” (originalmente lançado por Jim Reid em 2006 como “Dead End Kids”) e “All Things Must Pass” (originalmente lançada em 2008), recauchuta boas ideias (como “Always Sad”, “The Two Of Us” e “Song For A Secret”) e soa na maioria das vezes uma banda preguiçosa.
“Black And Blues”:
Por outro lado, com a idade (os irmãos beiram os cinquenta anos), suas letras ficaram mais divertidas. “I hate my brother and he hates me / That’s the way it’s supposed to be”, em “Facing Up To The Facts”, é pra colocar um ponto final nas suposições sobre a relação deles, embora “Los Feliz (Blues and Greens)” traga uma alfinetada de Jim em William: “God bless America / God bless the USA / God lives in America / In the land of the free / Wishing they were dead”.
Há mais: “I met a girl, she was crazy about me / The two of us are getting high / We don’t need drugs ‘cause we know how to fly”, no dueto com Campbell em “The Two Of Us”, abraça a maturidade. “I killed Kurt Cobain / I put the shot right through his brain /
And his wife gave me the drug / ‘Cause I’m a big, fat, lying slob”, em “Simian Split”, brinca com Courtney Love, mostrando que a ironia e a autocrítica ainda fazem parte do vocabulário de Jim e William.
E há canções deliciosas, como “Always Sad” e “Black And Blues”. Não era isso que eles queriam desde o princípio? Então, por incrível que pareça, “Damage And Joy” consegue encontrar um lugarzinho ao sol. Por não querer nada demais, a não ser aparar suas próprias arestas, é que é possível extrair algum valor desse apanhado de canções.
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NOTA: 6,5
Lançamento: 24 de março de 2017
Duração: 53 minutos e 01 segundos
Selo: Artificial Plastic Records
Produção: Martin Youth Glover e The Jesus & Mary Chain
Quero deixar claro que esta é uma crítica construtiva sobre uma crítica, mas só li merda nesta tua crítica, fiz uma compilação de pérolas infelizes:
“ausência de refrões pegajosos”
“e as letras, que nunca foram um forte da banda”
“Stoned & Dethroned”, no auge da febre britpop, não passou em branco por conta do auxílio de Hope Sandoval, do Mazzy Star”
“O truque utilizado pra amenizar as coisas foi usar gente que eles curtem pra cantar com eles.”
“O Jesus & Mary Chain se cansou ou esgotou sua capacidade de escapar de encruzilhadas criativas. ”
“soa na maioria das vezes uma banda preguiçosa.”
Talvez você esteja certo quando fala: “Mas a música pop de hoje é outra, eles chegaram bem atrasados nessa.”
Para nossa sorte eles chegaram atrasados, fique você com sua boa música pop de hoje!
Com as vênias, mas discordo absolutamente da resenha.
Você diz que “Damage And Joy” corre o risco de ser esquecido daqui a um ano”. Não, não e não!!!
Você não escutou suficientemente, cara. rs