Os lançamentos brasileiros em 2015 não surpreenderam apenas pela sua variedade (afinal, disso já sabíamos), mas pelos artistas mais notáveis saírem de sua zona de conforto e desafiarem convicções de suas próprias discografias. Em seu disco antecessor, o This Lonely Crowd já oscilava entre planos estáveis que eram “assaltados” por cortes bruscos, rifes que emergiam o ouvinte e versos como plano de fundo. Esse “espírito onírico” continua presente em “Meraki”, mas o radicalismo insinuado em “Möbius And The Healing Process” (de 2014) agora surge como “protesto” dentro da própria ambiência do novo disco. Não se trata, então, de ver se o limite do disco antecessor podia ser extrapolado, mas também se a própria construção afirmada nas três primeiras faixas do novo lançamento podia ser confrontada por uma espécie de “demência” que todo o peso posterior vem pra afirmar. São saltos que distinguem “transes”, são presenças que se forçam em uma massa bem harmonizada. Esse é o This Lonely Crowd saindo de sua “zona de conforto”. As afinações prodigiosas continuam ali, mas uma necessidade de experimentar habita a banda.
“Meraki” é concebido como um local em que todo o peso e lúdicos tão recorrentes no TLC são também apropriados pela “catarse” da gravação. Não há nada desse disco, apesar de toda essa invasão, que soe fora do lugar – há a coexistência explícita entre o peso e a influência das alas mais pesadas do metal em contraponto ao dream pop e ao shoegaze. Mas a nomeação desses gêneros serve apenas pra que o leitor tenha alguma ideia, os instrumentos em “Meraki” se dissolvem em distorções; há aquele barulho tão satisfatório da microfonia e de afinações que eu nem sei explicar.
A ênfase do TLC não está em criar “contrapontos” às próprias estruturas, mas criar uma massa sonora que emerge em múltiplas texturas que habitam um mesmo espaço. O volume é entendido como uma potência modificadora de sensações, de cortes que de fato manipulam o ouvinte.
A banda “ataca” por diversas frentes e às vezes opera com todos seus instrumentos pra isso (o som, a afinação, os ruídos). Há uma movimentação que varia em “Meraki”; ondas que catalisam sequências que deformam nossa percepção temporal; “Meraki” é um batismo do lugar do TLC.
Se no disco antecessor o TLC apelava pra uma poética em trânsito, “Meraki” é mais denso; o deslumbramento da poesia (a coisa que surge) está em um mundo mais intransitável, mais contaminado.
A ausência dos vocais reforça minha ideia inicial de um contraste com a própria discografia da banda. Mas falar só isso seria um ponto falho; em “Meraki”, os abismos coexistem entre as notas do baixo e os pedais da guitarra. O que separa mundos tão distintos, afinal? A resposta integra todos os espaços que os acordes distorcidos do TLC ocupam.
“Meraki” é, ao mesmo tempo, um contraponto e uma continuação de “Möbius And The Healing Process”. Os vocais foram excluídos, mas não é como se tivéssemos mais peso instrumental; há uma combinação que evidencia a transformação do conjunto. Meraki, a palavra, é um verbo sem tradução pro português, que define algo como “fazer ou aprender com paixão, com amor”. A This Lonely Crowd aprendeu seu ofício com o tempo. A arte, mais uma vez, está impecável e torna-se necessária à medida que compreendemos e ouvimos mais o disco; um bioma carregado de dualidades essenciais.
NOTA: 6,5
Lançamento: 2 de outubro de 2015
Duração: 44 minutos e 33 segundos
Selo: Sinewave
Produção: King Trushbeard