RESENHA: THOM YORKE – TOMORROW’S MODERN BOXES

O AMANHÃ QUE JÁ PASSOU

Nós vivemos numa época curiosa. Os avanços tecnológicos ocorrem numa velocidade imensa, mas curiosamente ainda nos agarramos a conquistas do passado. Os músicos vivem uma época de tanta independência e liberdade, quanto de incertezas. E as incertezas parecem pender a balança, de modo que até os figurões estão desconcertados.

O U2 se aliou a uma grande corporação que não tá nem aí pra música e lançou seu novo disco dando quinhentas milhões de cópias de graça. Era um brinde, não um disco. Uma atitude que não apontou caminhos, apenas irritou quem não queria o álbum.

Em 2007, o Radiohead lançou “In Rainbows” inaugurando pra grande massa a ideia do “pague quanto quiser”. Rendeu milhões pra banda (a cópia física vendeu em oito meses três milhões de cópias). Mas não foi uma revolução. Foi, no máximo, uma revoltinha ao sistemão de grandes gravadoras. Ao menos a ideia do pague-quanto-quiser se popularizou.

São ideias de artistas grandes que podem se arriscar. Se não der certo… Bem, não deu, bola pra frente, o bolso ainda tá bem cheio. Não serve pra artistas sem cacife. A eles, fica a selva cruel da incerteza, da tentativa-e-erro que os novos tempos oferecem.

É justamente por essa experiência retumbante à época que se esperava mais de Thom Yorke. Não que ele seja obrigado e pensar na melhor fórmula pro mercado – ele tem que pensar na melhor forma de vender a arte dele – mas criou-se uma expectativa.

E no lançamento do seu segundo disco solo, “Tomorrow’s Modern Boxes”, ele recorreu a um serviço que existe desde… 2001. De onze anos. Numa época de rápidos avanços tecnológicos, onze anos é uma eternidade. É o passado.

A impressão que fica é que oferecer uma plataforma de lançamento diferente (e não diferenciada) é uma boa estratégia de marketing. Em seis dias, a seis dólares no BitTorrent, Yorke vendeu um milhão de discos. Não foi um negócio ruim.

Thom Yorke diz que queria experimentar uma plataforma que os artistas menores pudessem usar também, legalmente, sem precisar de muito trabalho, de grandes corporações, em mais um recado direto aos serviços de streaming (sobre isso, ele tem razão, e vale ler aqui e aqui).

Bem, artistas pequenos já se viram como dá pra se virar sem essa ajuda, caro Yorke. O problema deles não está aí. Eles sabem que não vão vender tantos discos quanto se vendia no século passado. O Radiohead vai. Thom Yorke vai. Não importa qual plataforma usem, álbuns físicos do Radiohead e de Yorke sempre vão vender. O discurso, então, cheira mesmo a marketing.

O que isso tem a ver com o conteúdo em si? Bem, nada, mas dá uma pista. A escolha pelo BitTorrent aparentou certa pressa em definir algo “diferente”. O discurso de independência só dourou a pílula. Eis que dar “play” poderia dar ao ouvinte a mesma sensação: nenhum novo caminho, nenhuma inovação.

E é exatamente isso que o ouvinte vai encontrar em “Tommorow’s Modern Boxes”: o mais do mesmo da criação Yorkiana e de seu fiel companheiro Nigel Godrich, produtor do Radiohead e colaborador neste trabalho.

Não há nada de acachapante aqui, como virou praxe encontrar nos discos comandados por Thom Yorke (até mesmo no mal avaliado “The King Of Limbs”, último disco do Radiohead, de três anos atrás; e no “AMOK”, da superbanda Atoms For Peace).

Mas isso não quer dizer que seja ruim. Só não há rupturas (quando houve?). Pra isso, melhor se ater ao, veja só, aplicativo Polyfauna, esse sim apontando novos caminhos. A música do aplicativo é estranha, difícil, incômoda.

Aqui, a exemplo do primeiro disco solo de Yorke, “The Eraser”, de 2006, a música se apresenta como uma versão mais íntima do Radiohead, canções menos comerciais, mais introspectivas, mais solitárias.

Ouça na íntegra:

São boas, não se engane com o discurso acima. É preciso separar: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Se Thom Yorke não disse nada com o BitTorrent, plataforma de onze anos atrás, e também reciclou sua própria música, de seis anos atrás, ao menos ainda compõe com extrema felicidade e bom gosto.

Faz do que muita gente chama de “experimentalismo” algo bem palatável. Ouça as duas últimas, “Pink Section” e “Nose Grows Some”, experimentos de texturas e batidas. A última conta com o mesmo vocal gélido de sempre, não vai espantar ninguém. Antes delas, “There Is No Ice (For My Drink)”, título engraçadinho, piada interna, música instrumental, eletrônica pura, ecos de “Kid A” e “The King Of Limbs”, pode ganhar as pistas descoladinhas, pra dançar viajando, chapadão. Não tem o que dizer. Não precisa.

Lá no início, o disco começa abraçando o ouvinte, bem fácil de digerir, com “A Brain In A Bottle” e “Guess Again!”, duas músicas que pertencem ao ideário radioheadiano de batidas quebradas, barulhinhos, vocal desengonçado, texturas de graves pra preencher os vazios e refrão (“você acha que sua mente explode? / Adivinhe novamente!”).

“Interference” é bonita, sem batidas, fantasmagórica. Abre espaço pra melhor do disco, “The Mother Lode”. No começo, a música atrasa a batida, o que causa estranheza – e isso é bom. Depois, muda, como se misturasse “Interference” com as duas anteriores.

É curioso como a voz de Yorke, na receita que ele criou, é mais um instrumento. Seu murmurar vale mais do que a mensagem em si.

Mas “The Mother Lode” tem algo a dizer e diz muito sobre como Thom Yorke, apesar de ser um popstar, se sentia deslocado no passado das grandes gravadoras e se sente deslocado agora, no mundo de extrema velocidade de mudanças tecnológicas: “Outro palhaço pula da escada / A piscina é rasa, mas não importa / Como vai ser, como vai ser / (…) / Cadê os aplausos quando você precisa deles? (…) / Eu queria que as coisas fossem diferentes / Um filão, um filão / (…) / Você não pode ver uma saída pra isso / É uma piada, mas ninguém ouve”.

O artista está tateando, procurando a saída pro que não concorda na mixórdia que virou o (não-)mercado de hoje. Nessa busca da solução, o amanhã de Thom Yorke ainda não se desgrudou do presente nem do passado. E o tempo tá passando. Cada vez mais rápido.

NOTA: 7,5
Lançamento: 26 de setembro de 2014
Duração: 38 minutos e 13 segundos
Selo: Independente
Produção: Nigel Godrich

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Comentários

comentários

Um comentário

  1. Eu concordo mais com os elogios do que com as suas ponderações mais críticas – mas, entenda, não sou fã alucinado e de olhos fechados para os seus defeitos e uma certa repetição/estagnação de Thom Yorke.

    O disco não me decepcionou – e eu não estou com uma visão tão catastrofista de que o tempo está passando e a próxima revolução (será que deveria vir das mãos do Radiohead?) perderá o trem da história. São dinâmicas as viravoltas da música.

    Sei que não foi sua a proposta de que o Thom Yorke ou o Radiohead sejam obrigados a revolucionar a cena – mas sinto que uma boa parte dos blogs alternativos por aí apresenta sim essa demanda para eles. E, de verdade, não sei se é somente marketing a proposta de Thom Yorke – ele nunca chegou e disse “artistas jovens, sigam o meu caminho”. A sua mensagem tem a ver mesmo com os artistas maiores – que ficam de joelhos para o streaming e seus serviços.

    Acho que o lançamento do U2 confundiu toda a discussão que o Thom Yorke pensou em promover. Mas, minha opinião, achar que é só marketing não é o melhor caminho para enfrentar esse debate e o seu disco (acho que você não disse isso literalmente, mas seu texto fala tanto dessa questão vinculada ao marketing que passou essa impressão).

    O meu comentário, de fato, está confuso e fragmentário – sei que você também gostou do disco, mesmo que a sensação de mais do mesmo tenha ficado presente. Também sou da mesma opinião. E, devemos confessar, é um belo disco também – já que essa linguagem de seis anos atrás não é pobre ou ultrapassada e mostra, como você bem disse, um artista tateando para um futuro de reconstrução da canção (as coisas se misturam tanto que acabamos, eu e você, deixando o conteúdo do disco sempre para depois, não é?). Ouça bem alto – o noise estranho, com defeito, aparece aqui e ali, apesar de limpinho demais né (esse produtor, Nigel Godrich, limpa demais o que deveria ser mais quebrado e estriado, a música fica com rugas de expressão e logo vem o Botox).

    Peço desculpas, pessoal e Fernando, pelo extenso e confuso comentário. Não foi escrito para esclarecer algo e tudo mais. É uma conversa, pensamentos em voz alta. Gosto muito do site e dos seus textos. Um abraço.

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