HÁ UMA SAÍDA
Quando Gustavo Kuerten foi campeão de Roland Garros em 1997, acreditava-se numa tremenda conjunção de sorte e competência. Mas quando ele levou o bicampeonato e o tri, em 2000 e 2001, respectivamente, achava-se que o Brasil estava virando uma potência no tênis.
Poucos atletas com capacidade de brigar por medalhas surgiram na natação após a prata de Ricardo Prado, em 1984. Depois dele, só Gustavo Borges, Fernando Scherer e, hoje, só Cielo se mantém com essa possibilidade real pra Rio 2016. No tênis, ninguém surgiu após a aposentadoria de Guga.
Em ambos os casos, passados alguns anos, o Brasil se viu diante do óbvio: não era uma potência em nenhum dos dois esportes. Porque Brasil é o país do futebol, quiçá do vôlei – e acabou, fim de papo. Não servimos pra ser potência em mais nada.
Ouvindo o novo disco do Titãs, “Nheengatu”, o décimo quarto, lançado em 2014, cinco anos após o inócuo “Sacos Plásticos”, de 2009, torna-se inevitável lembrar que o brasileiro, em média, não é afeito a nada variante do que se identifica com os signos do rock’n’roll. Baixo, bateria e guitarras; rebeldia, chute no saco, contestação. Em suma, nada disso, há um bom par de anos, mexe mais com os brios do jovem brasileiro.
O rock não faz mais parte da música superpopular brasileira, como fez na década de 80, com os próprios Titãs e sua geração (Legião Urbana, Ira!, Capital Inicial); como fez na década de 90, com Raimundos; e na de 2000, com Los Hermanos, Charlie Brown Jr. e NX Zero. Todos esses casos, olhando com a distância do tempo, parecem ser Gugas, Cielos, Ricardos Prados em meio ao que realmente interessa ao bolso do brasileiro: axé, sertanejo, funk etc. – sem julgamento de mérito, ok?
O rock brasileiro não vende, não aparece em novela, não tem espaço em comerciais de tevê, não toca no rádio comercial, não lidera paradas de sucesso. Foi-se o tempo, e talvez, como Guga, não tenha passado de uma feliz conjunção de sorte e competência.
“Nheengatu” é, talvez, uma das únicas esperanças pra lembrar aqueles tempos de glória. O que é uma pena. Não que o disco do agora quarteto formado por Paulo Miklos, Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Bellotto, com o baterista Mario Fabre substituindo Charles Gavin, seja bom. Não é (embora não seja ruim por completo como se imagina quando essas ex-bandas em atividade tentam regurgitar o passado).
Mas é um nome grande da música nacional, com penetração na grande mídia, usando os signos do que conhecemos e nos acostumamos identificar como rock. Vocais gritados, bateria forte e guitarra pesada, a la “Titanomaquia”, o famigerado disco de 1993, produzido por Jack Endino, essa é a essência – mas, claro, não é só isso. O que importa é que como é Titãs, requer menos esforço de aceitação pro ouvido médio.
E a banda faz por onde: há potenciais sucessos em “Nheengatu”. São alguns poucos, mas eles estão aí. A ruim “Fardado”, com um dos piores refrões que o Titãs já fez, “Cadáver Sobre Cadáver”, “Flores Pra Ela”, “Não Pode” e, principalmente, “Quem São Os Animais?”, a melhor do disco.
Ouvindo com atenção e mente aberta, é possível identificar mais do que “Titanomaquia” aqui. Há a mistura feliz de reggae, pop e punk do clássico “Cabeça Dinossauro” (1986), e a “brasilidade” de “Õ Blésq Blom” (1989). Ou seja, não é só porrada, há o Titãs que ia ao Chacrinha (com as new wave “República Dos Bananas” e “Eu Me Sinto Bem”), há o Titãs-Nordestino (“Mensageiro Da Desgraça” e “Cadáver Sobre Cadáver”) e por aí vai.
O discurso incomoda mais do que a autorreciclagem: o Titãs resgata a verborragia que não cai bem nos dias apolíticos de hoje, onde se reclama de forma vazia, da boca pra fora, sem critério, aproximando-se da direita histérica atual.
Assim, as letras de “Nheengatu” parecem mais roteiro de um programa policialesco, tipo o do Datena. Grita contra a polícia (“Você também é explorado/Fardado/Você também é explorado – aqui!/Por que você não/abaixa essa arma/O meu direito é seu dever/Por que você não usa essa farda/Pra servir e pra proteger”), e também fala de pedofilia (“Pedofilia”), do crack (“Mensageiro Da Desgraça”), da violência (“Cadáver…”), do machismo e violência contra a mulher (“Fale Pra Ela”), censura (“Não Pode”)… Bem, deu pra entender.
Mazelas neste país e nesta sociedade não hão de faltar ao Titãs se eles continuarem seguindo essa trilha. Mas tudo é óbvio demais. Salva-se, claro, a letra de “Canalha”, de Walter Franco.
“Nheengatu” é a língua geral indígena, derivada do Tupi e criada pelos jesuítas. Pro Titãs, é uma fala desenfreada pra reclamações, uma babel de maldades humanas, um histerismo.
Mesmo assim, é um disco pelo qual se deve “torcer” a favor. Na babel musical brasileira, no topo da pirâmide, onde vive o superpopular, falta um pouco de guitarra, de “roquismos”. Ao contrário de disputar espaço com os funks-axés-sertanejos-bregas-forrós que dominam, deveria-se abrir um pequeno espaço pra desabrigada raiva, mesmo que posada, do rock’n’roll (por pior que esse termo possa parecer). Guitarras altas e barulhentas ainda podem acender uma fagulha num moleque qualquer, em algum lugar, e daí…
É aí que está a luz.
Ouça na íntegra:
Mais sobre o disco você pode ouvir nesta edição de O Resto É Ruído.
01. Fardado
02. Mensageiro Da Desgraça
03. República Dos Bananas
04. Fala, Renata
05. Cadáver Sobre Cadáver
06. Canalha (Walter Franco cover)
07. Pedofilia
08. Chegada Ao Brasil (Terra À Vista)
09. Eu Me Sinto Bem
10. Flores Para Ela
11. Não Pode
12. Senhor
13. Baião De Dois
14. Quem São Os Animais?
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NOTA: 6,0
Lançamento: 12 de maio de 2014
Duração: 37 minutos e 55 segundos
Selo: Som Livre
Produção: Rafael Ramos
Pelo o que eu li achei até alta a nota.