RESENHA: TRÊS GUARDA CHUVAS – CAIDÃO

Despedidas envolvem perda. Perder o trem. Não alcançar mais uma pessoa. Mas estar em trânsito é uma possibilidade de encontrar algo. Assim como compor e escrever possibilitam encontrar (ou até mesmo criar) uma reminiscência de algo que passou desapercebido. Talvez todos criem arte pra justificar uma reminiscência em algo que passou. Se o que você cria não faz parte de você, você pode se esforçar pra tentar ser estas justificativas que você mesmo, em instantes consoladores, esboçou algo que realmente importe.

Três Guarda Chuvas (assim mesmo, sem o hífen) delimita em espaços internos (“o cinza em mim”) espaços bonitos mas que, por alguma razão (ou justamente por nenhuma), parecem distantes, inalcançáveis. Em “Caidão”, é realizada a junção de momentos em que reconhece-se o Belo mas é impossível reconhecer uma ligação de ti com os objetos de possível afeto. Então, o trânsito citado no primeiro parágrafo é o que possibilita o acesso ao alheio (meio que pra parar de ser tão si-mesmo). Não se trata tanto sobre querer (o eu-lírico parece sempre não querer) mas sobre não negar a possibilidade de um dia desejar. Toda esta ansiedade chega constantemente ao limiar, a quase explodir. Volta-se ao trânsito novamente, às andanças e à invenção – pra poder, antes de tudo, suportar o peso de si mesmo.

Todas estas elucubrações podem parecer (e provavelmente são) muito malucas, mas são simplesmente confidências de alguém confuso. Sentir-se confuso constantemente confunde-se com “não se importar mais”, este é o terreno mais dolorido que as canções de “Caidão” caminham, entre projeções de uma possível redenção e uma realidade escura, sem esperanças.

Deixar o compromisso com o mundo, ou com o que inventa-se, é deixar qualquer possibilidade de ligação esvair. Como na faixa 8, que tem o mesmo nome do projeto, a chuva vai molhar e a vida vai continuar propiciando a “falta”, a “ausência”. No fim, se a chuva molhar, ela vai deixar o testemunho. É como se os signos externos ainda pudessem esboçar uma salvação. Sair de si mesmo. Novamente.

Talvez se a inconstância fosse vista com olhos menos dogmatizadores e no próprio elemento do inconstante fosse admitida a possibilidade de se molhar… A possibilidade de um vislumbre de ligação… Se quem vai deixa saudades e quem fica apenas resta sólido em meio ao transe contínuo, invariavelmente a movimentação vai começar. Não de um ponto específico. Não de uma origem determinada. Mas encontrar pontos de vida que dão corda e proporcionam um tumulto, um vão de existência. Quem não morreu tem a chance de viver algo e, até que se saiba precisamente o quê (se é que há), deve-se procurar.

1. Soco Em Ponta De Faca
2. Um Copo
3. Mapa
4. Inverno Vem, Você Não
5. Só Em Sól
6. Xunéli
7. Drenando
8. Três Guarda Chuvas
9. Partindo
10. Tá Tudo Bem

NOTA: 7,5
Lançamento: 7 de janeiro de 2017
Duração: 26 minutos e 08 segundos
Selo: Independente
Produção: Gabriel Wiltemburg

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