“Música é momento”. Ok, a despeito da frase objetiva, direta, forte e ampla de significados, Vitor Brauer é mais do que isso. A prova é o seu disco-solo “BR Garage”. Ou, mais do que isso, é o que ele escreve pra virar música.
Brauer é um poeta. Ponto final. Um poeta que faz música. Um poeta que declama em música. E um dos poetas, junto com Jair Naves, Matheus Borges (do Nosso Querido Figueiredo), Negro Leo e alguns outros mais, rappers especialmente, que compreendem o mundo e o Brasil que o resto só tuíta ou fotografa como pano de fundo pro Instagram.
Seu “disco-dançante” é um disco melancólico. As duas faixas de abertura, “Musica Momentum Est”, dão a dica. Mas se desdobra em um disco tão moderno quanto suas letras, vide o batidão sujo de “Pandemia” ou a tristeza de “Rio Doce”, tão retratos do atual quanto “O Futuro É Feminino”, de “Quarup” (vá aqui), da banda da qual é vocalista, a Lupe De Lupe.
Tão diverso e inquieto quanto os discos/mixtapes “cinematográficos” que lançou em carreira solo.
Uma mente que parece precisar falar, escrever, declamar, verbalizar a todo instante pra manter a sanidade. Uma pessoa que não consegue manter sentimentos pra si e, aparentemente, como as pessoas “normais” que não conseguem colocar no papel ideias e sensações, Brauer só vive e se sustenta assim.
O tal “disco-dançante”, ou “de música eletrônica”, é um mural de ritmos e batidas diversas (especialmente o charm, como em “Minecraft”) e frases-de-efeito-que-sobrevivem-perfeitamente-fora-do-contexto (“Estômago” é uma mina de grandes frases – “O esquecimento é um dispositivo de sanidade”).
“A culpa é feito sal / Você põe um pouco / Você põe um pouco / E esconde todo o amargo”, em “Índico”. Né?
Mas Brauer não é um mero frasista. Não é um guru de auto-ajuda, encaixando palavras como quebra-cabeças, cuja imagem final é bonita, faz sentido, mas não é uma obra de arte. Não é como os escritores-fantasmas das “Sabrinas” da vida, enchendo bancas de jornal com belas histórias de amor pra cocotas como jeito de ganhar dinheiro pra verdadeiras obras literárias. Brauer é isso aí, o que se ouve na sua série cinematográfica, na Lupe De Lupe e aqui, dançando na melancolia de enxergar um mundo torto.
Quando se ouve “BR Garage” e pensa na possibilidade de rigidez daquelas batidas, entende como palavras salvam.
A música é momento e significa momentos, histórias e sentimentos. Mas as palavras pregam como uma verdade adesiva na parede. Brauer não faz aqui como eu tentando explicar o quão eficaz ele é em explicar o mundo. Ele simplesmente viria aqui e explicaria. E ainda colocaria umas batidas aqui e acolá, quem sabe um ou outro instrumento anexo, e ainda faria dessa explicação música.
Ou seja, ele eterniza o momento e o transfere a outros momentos, como história – lembra como era naquela época? Pois é, as épocas que vivemos hoje são as épocas grafadas nas palavras de Brauer, e não só neste disco. Um feed de história do Brasil atual, pra entender a juventude, a pós-juventude (ou o “adulto imaturo”), a vida recém-descoberta com suas dificuldades e responsabilidades.
“Tento me lembrar o tempo todo / De lembrar que na verdade eu não sei de nada”, no (outro) charm desafinado “A Escuta”, depois da sublime canção pop e fácil “Empolgação”.
A gente vai aprendendo. O tempo todo. Ainda bem que existem poetas inquietos pra clarear as ideias de vez em quando. Pra deixar a visão de mundo mais nos eixos.
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01. Musica Momentum Est Parte I
02. Musica Momentum Est Parte II
03. Pandemia (com Shilton Roque)
04. Estômago
05. Lorenzetti
06. Índico
07. Empolgação (com fefel)
08. A Escuta
09. Rio Doce
10. Minecraft
11. Phebo
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NOTA: 9,5
Lançamento: 25 de junho de 2020
Duração: 51 minutos e 29 segundos
Selo: Geração Perdida de Minas Gerais
Produção: Vitor Brauer