RESENHA: VULGAR DÉBIL – A FLAUTA DE PÃ

A relação com “A Flauta De Pã” se desdobra duma maneira que os sons sobrepostos e os barulhos fantasmas de coisas (portas abrindo? alguém caminhando? alguém digitando?) dão o qualitativo de “evento” pro que se ouve no disco. Então, nossa concepção sobre o que está sendo ouvido (se na primeira faixa havia uma aglutinação perceptível, na segunda se tem uma dispersão pura) não consegue homogeneizar esta experiência. Nestes termos, em uma manipulação cujos efeitos são dissociados a priori, os limites são estendidos – elementos concretos, sons de pássaros, barulho industrial intermitente.

“A Flauta De Pã” é a ampliação conceitual que multiplica as possibilidades de cada elemento que, sozinho, não aparenta tanta interação. Estes efeitos além de causarem o desmantelamento de uma percepção única do que possa ser música, avisam o ouvinte que cada barulho tem sua unidade (reconhecível apenas na dispersão conjunta). Em outras palavras, Vulgar Débil apresenta multiplicidades em conjunto que trabalham em prol de um deslocamento, de uma – por que não? – repulsa. Vulgar Débil, mesmo quando satura o ouvinte (na faixa “III”, em que mesmo os sistemas de corte são sistemas repetitivos), afirma que o mesmo barulho não é ouvido da mesma forma. Deixando isso claro num procedimento em que a repetição e “elementos-surpresas” surgem pra captar um instante fugidio.

Certamente, alguém pode vir e perguntar se isto não é apenas um delírio. No entanto, de delirante no disco tem-se esta soma grande de elementos-fantasmas que se aglutinam da mesma forma que dispersam. Gritos como pano de fundo, uma constante e lenta retaliação, o que parece ser um diálogo – todos os fenômenos são capazes de promover avanços-e-recuos numa engrenagem difusa.

No entanto, não é como se os reflexos de “A Flauta De Pã” dialogassem apenas sobre a obra em questão. É uma não referência que situa um antigo deus pagão com processos manipulativos contemporâneos. São aparições incompletas convivendo com outras tão incompletas quanto (na faixa “V”, tem-se gemidos dum filme pornô enquanto o que era supostamente um prazer vai se fundindo com elementos de horror pra se transformar num caos), que redimensionam as outras e, consecutivamente, a experiência enquanto ouvinte.

Não há um “todo” em “A Flauta De Pã”, apenas elementos que completamente descaracterizam uma suposta unidade pra estabelecer afirmativamente sua presença em diálogo com outras potencias múltiplas. Se no último disco de Thiago Miazzo tinha-se uma performance questionadora (leia aqui), o que se tem aqui é outra performance de outra forma – que em elementos horrorosos e grotescos justificam pequenas formas de vida que não pressupõe absolutamente nada. Mas é justamente quando em contato com outras variações sonoras que se caracteriza respectivas individualidades.

Embora “A Flauta De Pã” seja uma performance não representativa de seus micro-organismos (insetos, sons manipulados, ecos, variações de volume), ele dá um espaço que eles anteriormente não teriam. E é em sua incompletude que eles podem se afirmar.

1. I.
2. II.
3. III.
4. IV.
5. V.
6. VI.

NOTA: 8,0
Lançamento: 18 de janeiro de 2017
Duração: 26 minutos e 59 segundos
Selo: Seminal Records
Produção: Vulgar Débil

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