Talvez a velocidade seja o único instrumento capaz de mostrar as coisas como são: movimentação e superficialidade puras, intransponíveis. Há um caminho que se abre quando ela se instala: é impossível negociar com o passado. A desorientação desse disco lembrou-me de alguns lances alucinantes de esportes, mas como se na arena esportiva houvesse luzes piscando incessantemente enquanto o evento transcorria. Nessas luzes eu me detenho, enquanto do casamento entre velocidade e iluminação brota uma nova maneira de experimentar o tempo enquanto concretude sobre-estimulada. A incipiência dessa exploração surge da brincadeira de justapor diversas bases de música eletrônica: elas parecem que se repetem, ainda assim não soam como os últimos cinco segundos ouvidos.
Eu ouvia as vozes que sempre começavam uma faixa e não chegavam a completar uma palavra sem que fossem interrompidas por interposições fonéticas, gaguejando tanto e tão irritantemente que a flexão instrumental queria superá-las. W00dy, desta maneira, sobrepõe um tempo próprio que estimula uma catarse temporal. W00dy mostrou-me que a complexidade dos entrecruzamentos é uma condição nascente de fluxos contínuos que, paradoxalmente, abrigam tanto a fragmentação como uma dançante sensação de inércia. Fluxos que me preencheram de desorientação, euforia e caos. Lendo os títulos das faixas, a negatividade que eles sugerem é talvez a infernal matéria-prima de transformar desespero em júbilo. Esse é o milagre da produtora! Seu trabalho me desafiou a aceitar a transmutação de uma energia, originalmente caótica, em uma diversão com a mesma carga bruta.
Eu fiquei em débito com o disco diversas vezes, porque a sensação de que tudo era imenso, e eu não estava sabendo aproveitar, perdurava. Um amigo me disse que ela estava fazendo o inverso de outros produtores musicais da mesma área: “eles parecem sempre tentando provar um ponto de obscurantismo, enquanto ela faz mesma coisa, só que duma maneira feliz”.
Eu gostaria de agradecer esse amigo, pois com esse leve comentário, ainda após a primeira vez que eu escutei o álbum, abriu um horizonte de interpretação do trabalho. São buracos que interrompem um ciclo caótico e redirecionam-no a uma pulsante energia viva. Sua natureza de intermediação constante interfere não apenas nas repetições, mas utiliza a velocidade como ferramenta discursiva. Nossa reação é a de encarar essa música como uma imponência física exigente. As passagens são performáticas, inundam o espaço de uma poderosa força motriz. A face se contorce, magnetizada por interferências hipnóticas.
Fora de nossa audição, surge um som multidirecional que se rebate entre quatros paredes pra preencher todo o espaço. Confusão, euforia e desorientação erguem-se como instrumentos de delírio. O que tudo isso significa?
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1. Catharsis
2. Assodissociate
3. Unloveable
4. Hell
5. Indecisive
6. Butt
7. Get Back
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NOTA: 9,0
Lançamento: 4 de setembro de 2018
Duração: 50 minutos e 38 segundos
Selo: Independente
Produção: W00dy