CONFUNDIR E ENCANTAR
“Esse disco não promete”, pensei, assim que vi as informações sobre “Valentina”, o oitavo disco do Wedding Present.
Quer dizer, parecia que nem a banda acreditava muito nesse material, o primeiro desde “El Rey”, de 2008, que já era fraco. Isso porque assim que o álbum foi lançado, em março, David Gedge anunciou que o grupo sairia em turnê pra tocar na íntegra… “Seamonsters”! Pra quem não tá inteirado, “Seamonsters” é o disco de 1991, lançado logo após os excepcionais “George Best” (1987) e “Bizarro” (1989).
Parece estranho – e é mesmo. Até porque “Valentina” se revela um baita disco viciante, com faixas lindas, soltas, divertidas pelo desprendimento e com poucos tropeços. É um disco melhor que “Seamonsters”.
A bateria inicial de “You’re Dead”, seguido do baixo, dá o recado: esse remete ao Wedding Present dos dois primeiros discos. E daquela época só Gedge sobrou. A segunda guitarra e piano ficam por conta de Graeme Ramsay; o baixo, com a desajeitada Pepe le Moko; e a bateria, com Charles Layton. Nem mesmo Steve Albini está aqui produzindo, como de costume. Não faz diferença porque é Gedge que leva tudo nas costas.
“You’re Dead” vai da calma ao vocal esgoelado a la Mark E. Smith, sem que você note. De repente, no meio da calmaria, uma guitarra avisa que “You Jane” começou. A fórmula que muita banda “indie” atual utiliza (herdada dos Smiths e da C86) está presente, mas se você prestar atenção, o que diferencia o Wedding Present, além da categoria com que monta as canções pop, são as letras.
Em “You Jane”, Gedge vibra ao cantar pro amor que o deixou: “I hope you find what you’re looking for / Do you even know what that is anymore? / I hope he’s really the one who / will make all your dreams come true / But if by some unexpected chance / this doesn’t turn out to be your fairy-tale romance / Just don’t come crying to me”. Ele acerta aqui e acertará outras vezes.
Ouça “You’re Dead”:
“You Jane”:
Embora pareça que ele sofre de dores adolescentes, a despeito dos seus 52 anos, a verdade é que ele se diverte, já não precisa mais sofrer por amor como os jovens (suas dores do coração devem ser mais profundas, embora não reverbere em nenhuma música por aqui). É assim também na balada pop “Meet Cute”, coroada com porradas trovoantes; em “The Girl From The DDR”, com Pepe Le Moko falando em alemão; e em “Mystery Date”, com Sayaka Amano declamando em japonês (!). Gedge canta pros adolescentes como poucos, sem parecer bobo, nem idiotizante.
Ao mesmo tempo, entrega obras pra sacolejar, como “524 Fidelio”, popíssima e deliciosa, e como “Beck A Bit… Stop”, um arroubo da fase Albini: baixo estalado e guitarras aceleradas (além do uso aclichezado do “stop” do título), e um final “climático”. Não compromete, embora destoe do resto do disco. “Stop Thief” parece querer continuar na toada, mas é só uma balada desconexa, previsível, a pior do disco; talvez junto com “Deer Caught In The Headlights”, metida a épica, mas que tem dois minutos finais acachapantes, na porrada e na sensibilidade (criação em parceria com o ex-baixista Terry de Castro).
O coração do disco está em “The Girl From The DDR”, uma das melhores, a tal que a baixista declama frases em alemão, que parece ser umas cinco músicas em uma. É pra confundir mesmo. Mas encantando.
Porque essa é a essência de “Valentina”: confundir e encantar. É um grande disco preterido pela própria banda em prol do passado. Um disco cuja inspiração está na história, na auto referência, com o frescor do presente. “Valentina” não promete nada de fato, como eu imaginei: parece ser uma obra necessária pra banda, daquelas que saem automaticamente, de iluminada inspiração, impossível de se prender no coração e mente do artista.
Não deixe a lógica da banda te confundir. Caia de amores por “Valentina”. Depois não venha chorar pra mim.
NOTA: 7,0
Lançamento: 19 de março de 2012
Duração: 41 minutos e 51 segundos
Selo: Scopitones
Produção: Andrew Scheps, The Wedding Present, Peter Deimel, David Odlum e Ulysses Noriega
Belo nome de disco
[…] Pra começar, tem Wedding Present, uma das grandes bandas de todos os tempos, mas que infelizmente ainda não teve sua sagração aqui no Brasil. Lançou nove discos, sendo dois deles essenciais, “George Best”, de 1987, a estreia; e “Bizarro”, de 1989; e o mais recente este ano, “Valentina”, cuja resenha você pode ler aqui. […]