POP PRA MADRUGADA
É justo dizer que ser pop não é demérito pra ninguém. É o objetivo de nove entre dez pessoas que compõem canções. O caso é que há músicas pop e músicas pop. Gaby Amarantos é pop. Calipso é pop. Ivete Sangalo é pop. Justin Bieber é pop. O Wild Nothing também é pop. Mas dá pra ver a diferença, certo?
Dá. Jack Tatum aparentemente sabe o que tá fazendo. O seu pop é sonhador, não tão lúdico; é contemplativo, não festivo. Ninguém se imagina dançando com um sorrisão na cara alguma faixa desse “Nocturne”. Porque esse é outro pop: aquele classudo, enigmático por vezes, elegante, melancólico, nostálgico.
Eu costumo chamar isso de “pop pra madrugada”. É pra ouvir sozinho, olhando pra escuridão, pensando na vida ou tentando dormir; ou ainda: pra trabalhar virando a noite.
É tão agradável, tão aprazível, que não dificulta a simpatia de nenhum ouvinte – pelo menos de nenhum que tenha um pingo de sensibilidade.
Ouça “Shadow”:
O Wild Nothing saiu de um dream pop usual em “Gemini”, seu disco de estreia de 2010, pra algo que podemos chamar de ousado. Esse “Nocturne” é talvez o disco que ele sempre quis fazer, mas que se começasse a carreira por ele é provável que ficasse fora dos holofotes que lhe interessavam. É um disco nostálgico, que evoca aquela plasticidade do synth-pop dos anos oitenta – e que nem todo mundo enxergava com bons olhos à época, eu me incluindo nessa.
O que mudou? Bem, a distância do tempo influencia positivamente nesses casos. Pode ser aquele lance de memória afetiva, uma forma de rechaçar tudo de ruim que se vê e ouve nos dias de hoje (num processo cíclico, o mesmo acontecerá quando essa geração olhar o revival dos anos 2010 mais a frente).
Se aqueles da minha geração, que viveram naquela época a cretinice de execrar tudo o que não era “college rock”, gótico, pós-punk ou mesmo punk, ouvissem uma música como “Paradise”, certamente colocariam-na no mesmo saco preto de lixo de um A-Ha, Duran Duran, Mr Mister, Talk Talk, coisas do tipo. Eu mesmo acho que já incorri nesse erro. E é o mesmo erro que o ouvinte pode ter quase na totalidade de “Nocturne”.
É possível que tal percepção pudesse existir nos anos oitenta por uma questão de imaturidade e falta de bagagem cultural – ou até mesmo de fúria jovem, aquela raiva na maioria das vezes despropositada.
Porque algumas daquelas bandas não eram de fato ruins, como o Duran Duran. E porque “Nocturne” é um bom disco, seja encaixado naquele período, seja agora. Só que agora é melhor ainda, porque olha pra época com admiração sincera, com reverência tal que não transparece oportunismo.
Faixas como “Shadow” continuam fora do alvo de olhares desconfiados. Faria bonito também em “Gemini”. Mas é exceção. Seus pares fazem de “Nocturne” um disco diferente do primeiro, apontando em outra direção. É como se Tatum, largando o dream pop dos anos noventa e focando sua admiração ainda mais longe no tempo, acreditasse que sua obra ficaria mais madura.
“Midnight Song” é tão noturna, que remete àquelas agradáveis madrugadas ao som da 89FM de São Paulo, ou da Fluminense FM do Rio (que nem operava a madrugada toda). Ela dá as boas-vindas ao disco todo e é isso que o ouvinte terá a partir de então, incluindo pérolas como “Through The Glass”, “Only Heather” (a mais animada), “Counting Days” e “The Blue Dress”.
Ouça “Through The Glass”:
Limpo, claro, elegante: esse é o disco que o Wild Nothing fez. Um disco que não vai envelhecer, porque já nasceu antigo – de uma maneira elogiosa.
E é aqui que mora seu maior problema – sem contar as letras pouco profundas: um disco que se formou dessa maneira, não teria pouco a acrescentar? A resposta disso, é claro, só com o tempo, só com muitas madrugadas.
NOTA: 7,5
Lançamento: 28 de agosto de 2012
Duração: 44 minutos e 16 segundos
Selo: Captured Tracks
Produção: Jack Tatum
[…] de Jack Tatum. “Paradise” é uma das melhores do ótimo segundo disco do Wild Nothing, “Nocturne”, certamente um dos melhores do […]
[…] O diretor Ryan Reichenfeld movimenta sua câmera em slow, num plano só, pra fazer uma graça pra “Only Heather”, a música mais “alegre” e “animada” de um dos melhores discos de 2012, “Nocturne”, do Wild Nothing. […]
[…] de lançar o ótimo “Nocturne”, em 2012, Jack Tatum aparece com esse EP chamado “Empty State”, de apenas sete canções, a ser […]
Só agora, quase dois anos depois da publicação, que vejo essa resenha, e nossa, é exatamente esse sentimento que tive ao ouvir esse disco: músicas para dormir e sonhar ou para trabalhar durante a madrugada- boa parte do meu TCC foi escrito sob os embalos de Nocturne e posso dizer que essas melodias doces, melancólicas e pops tornaram o trabalho menos árduo e de quebra, marcaram um período. Fico feliz de encontrar um bom texto sobre essa obra aqui no Floga-se.
Valeu, Roberta! Volta e meia trabalho de madrugada ao som desse disco tb.