RESENHA: XIMBRA – A MALDIÇÃO DESTA CIDADE CAIRÁ SOBRE NÓS

Lá pro meio dos anos 2000, descobri o que se convencionou chamar de emo. Em uma época em que o rock “viril” era a única coisa que eu relacionava com o gênero, saber de uma porção de bandas que falavam sobre fragilidades em relação ao mundo ao redor foi o tipo de exposição da qual eu precisava.

Ouvir “A Maldição Desta Cidade Cairá Sobre Nós” é como entrar em contato com um tipo de música que me deu apoio inúmeras vezes em uma adolescência difícil, mas também é a ampliação desses confrontos internos em uma macropolítica feroz, sendo refletida em uma cidade bruta que subjuga seus habitantes. Quando o vocal afirma “não é minha revolução se eu não posso dar o cu” (em “Quilombo Dos Palmares”), ele não apenas faz algumas referências explícitas às bandas que foram influências como – e isso é o principal – evidencia um desconforto latente com o conservadorismo estagnado de nossas cidades.

A relação amaldiçoada com a cidade em que vivem e como isso reflete em ansiedade, angústia e solidão parece ser o foco principal do Ximbra. “Sofrer e morrer em Maceió” (em “Às Vezes Morga”) é um fardo aleatoriamente atribuído em quem lá reside e a banda sabe bem de como isso pesa nos relacionamentos diários, distribuição de renda e relação com as comunidades dizimadas.

“A Maldição Desta Cidade Cairá Sobre Nós” longe de ser apenas uma constatação sobre a deterioração dos valores em um ambiente urbano, estende uma bandeira de quem não vai se render tão fácil. Através das histórias, é desenhado uma participação predominantemente física nos lugares citados (e esse contorno é impulsionado pelos instrumentais, que sempre estão variando e progredindo, raramente fazendo a mesma coisa uma canção toda), o que engaja o ouvinte no ambiente falido a ser transformado. Como é afirmado, “o capitalismo é antitropical” e através da descrição de uma cidade socialmente amaldiçoada que hinos de resistência podem surgir. Nessa encruzilhada de sentimentos ambíguos em relação à cidade, os gritos de confusão confundem-se com as certezas políticas e esse misto que guia a pessoa em meio a tantos problemas. No despertar de todas essas incertezas, as vozes que descrevem o inferno da cidade também reclamam pra si alguma autonomia.

A voz cheia de vontade do vocalista surge, meio fora do tom, através de guitarras distorcidas – como se advindo da dificuldade extrema cotidiana e o próprio ato de narrar essas histórias fosse o maior meio de resistência. “A Maldição Desta Cidade Cairá Sobre Nós” é um antro de desabafo, raiva, medo e desapontamento que parece ter sido escrito pela banda durante anos, tamanha a junção de alvos que os garotos miram. Como se o momento sagrado em que alguma voz lhes é dada (o tempo da audição do disco) praticamente não pudesse abrigar a quantidade de coisas que eles têm a dizer. Aqui, os meninos não querem deixar a expressão de toda uma vida vazar em superficialidades: eles têm muito a dizer em bem pouco tempo.

Como suas afirmações são brutais e sinceras, a assinatura da banda fica implícita em um gênero que com certeza ficou deveras saturado. O que vem das guitarras e das melodias e das letras é um desejo, cujo contorno não é precisamente definido, de atravessar esse mundo em busca de pequenas redenções. A primeira canção, “Abrir os Caminhos (Guerreiro)”, explicita: a partir de certa idade, é você versus o mundo – a realidade é apresentada, os brinquedos estão suspensos e as brincadeiras canceladas.

O contraste árduo entre idealizações juvenis e a realidade crua é apresentado durante todo o disco. Em vez de simplesmente engolir essas maldades, a banda reconhece a opressão do mundo e ainda assim realiza uma expressão genuína de enfrentamento. Ao mesmo tempo em que enfrentar requer muito, não há outra via possível pro Ximbra.

01. Abrir Os Caminhos (Guerreiro)
02. Quilombo Dos Palmares
03. Às Vezes Morga
04. Sambinha Massa
05. Capitalismo Antitropical
06. Parte Alta, Parte Baixa
07. 2016 (O Ano Em Que Tudo Acabou)
08. Pra Acabar A Festa
09. Depressão Maceioense
10. Alegria Leva Tempo

NOTA: 7,0
Lançamento: 19 de junho de 2017
Duração: 40 minutos e 33 segundos
Selo: Transtorninho Records, Solar Discos, Oxenti Records e Banana Records
Produção: Ximbra

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