Mosquitos são insetos que existem há dezenas de milhões de anos. São jurássicos. Sempre foram sugadores de líquidos como néctar, seiva e, claro, sangue. Mas por conta da seleção natural, eles evoluíram e conseguiram aperfeiçoar o modo como encontram suas presas. Os mosquitos da nossa era são como pequenos aviões de combate, equipados com sensores naturais pra identificar e rastrear quem receberá sua picada.
São sensores visuais, de calor e químicos que os auxiliam nessa busca. Um aperfeiçoamento da natureza de milhões e milhões de anos, que fez perpetuar e estabelecer a espécie na ferrenha luta da preservação no processo de evolução (identificado por Darwin).
Bem, nós, os seres humanos, claro, fizemos e fazemos isso também. Evoluímos como espécie pois temos habilidades que outros não possuem. O uso “inteligente” do cérebro é o nosso maior trunfo pra se perpetuar na Terra. Não só involuntariamente, como espécie, mas intencionalmente, desenvolvimento nossas habilidades a partir do conhecimento, o que inclui as formas de comunicação e, mais além, as maneiras de se expressar culturalmente.
Esse é o caso do quarto disco do Yeah Yeah Yeahs, “Mosquito”. A banda é um exemplo interessante de seleção natural dentro da música jovem. Sobreviveu ao furor do início do século, quando seus pares aclamados pela mídia como “salvadores do rock” – o Strokes, o Interpol, o TV On The Radio, por exemplo – surgiram e, com o passar do tempo, definharam numa mesmice ou sandice negativa. O Yeah Yeah Yeahs não definhou. Mas quase.
Teve brigas internas, com o guitarrista Nick Zimmer dizendo ao New York Times que ele e Karen O se odiavam (antes da gravação do terceiro disco) e que cada encontro era uma dificuldade só. Grava esporadicamente, se entende apenas profissionalmente. Individualmente, os integrantes movimentam-se muito bem, participando de altas rodas (como Karen O, na obra-prima do Swans, “The Seer”, de 2012).
Musicalmente falando, não há tanta relevância. Culturalmente idem. Mas seus discos conseguem agradar aquela parcela de consumidores que gostam de música palatável com um pouco de tutano, bom humor, ironia e, talvez, colhão. “It’s A Blitz!”, de 2009, foi um sucesso relativo de vendas, quase comparável ao da estreia, com “Fever To Tell”, de 2003, mas nunca uma unanimidade arrebatadora. “Mosquito” tem tudo pra superar os números anteriores.
Porque o Yeah Yeah Yeahs aprimorou seu sistema de identificação de presas. Sua música gruda. É irrequieta, mas é grudenta e pop. “Sacrilege” é pura provocação com as tentações mundanas, as mais carnais: “Apaixonada por um cara / caí Do céu / Auréola em volta da cabeça dele / Penas na cama / Em nossa cama, na nossa cama”. O coral gospel endossa: “É um sacrilégio, sacrilégio, sacrilégio,
Você diz”. Um acerto pra marcar a carreira do trio.
Vídeo oficial de “Sacrilege”:
“Subway” é meio Bjork, experimenta com os sons do subterrâneo. É uma música lenta, pra baixo, e deliciosa.
A faixa-título é uma piada estranha e provocativa, acelerada, com guitarras altas: “Mosquito sing, mosquito cry / Mosquito live, mosquito die / Mosquito drink most anything / Whatever’s left, mosquito scream / ‘I’ll suck your blood'”. É o bote. O Yeah Yeah Yeahs dá o bote divertindo o ouvinte e se divertindo. O trio vai sugar seu sangue.
Aí vem “Under The Earth” e o ouvinte já terá percebido que a banda usa um repertório mais amplo, um sistema mais evoluído pra atingir novas presas. A música namora com o dub, uma batida lenta ecoando… Pra depois largar isso de vez e atacar com a oitentista-cafona “Slave”, com as techopop, grudentas e dançantes “These Paths” e “Buried Alive” (com participação de Dr. Octagon e produção de James Murphy, do LCD Soundsystem), e com o tema vampiresco-sessão-da-tarde de “Area 52” e seu pique a la Ed Wood, totalmente sci-fi B: “Message came from outer space / Future of the human race (…) I wanna be an alien / Take me”.
Duas pérolas estão guardadas pro final: “Always” é daquelas canções lentas pra se ouvir de madrugada, sozinho; e “Despair” é amargurada e quase chorosa.
“Mosquito” tem muito da mão de Dave Sitek (do TV On The Radio e que produziu todos os trabalhos anteriores) e de Nick Launay (Nick Cave, PIL, Arcade Fire). Parece uma salada, mas não é. Ou, por outra: é, mas é uma salada colorida e bem dosada, como se a banda quisesse mostrar segurança com todas suas armas.
O disco, curiosamente, foi atacado em várias frentes pela crítica especializada lá fora. Os gringos viram mais confusão do que unidade ou ousadia. Viram um voo raso, um escorregão. Mas parece-me uma análise apenas prematura – ou preguiçosa. De cara, o disco realmente causa estranheza pelas passagens pouco digeríveis e experimentais (o final de “These Paths” é um bom exemplo, como se um enxame nos atacasse e ouvíssemos os voos e zumbidos e picadas através de teclados de sintetizador). Entretanto, é sim um disco pop e pra jovens. Não há aqui muito o que se pensar. É como um “Piranha”, um “Tubarão”, ou qualquer filme B de insetos assassinos ou catástrofes ou invasões alienígenas. É diversão passageira, mas com um pouco de ousadia, de estranheza, de tentativa de incomodar.
Pra digerir aos poucos, “Mosquito” vai mostrando lentamente que a convivência pode ser serena e divertida. O mosquito pode te picar, sugar uns mililitros de sangue, mas, beleza, ok, não dá pra lutar contra milhões deles e seus avançados sistemas naturais aprimorados. Na verdade, não dá pra lutar contra a evolução da natureza. O Yeah Yeah Yeahs mostrou aqui que é pra respeitar sua força criativa. A banda levou um bom bocado de anos pra chegar a esse resultado sensacional.
Darwin acertou de novo: só os mais aptos sobrevivem.
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NOTA: 8,0
Lançamento: 16 de abril de 2013
Duração: 47 minutos e 31 segundos
Selo: Interscope
Produção: Nick Launay e David Sitek
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