RESENHA: YVES TUMOR – SAFE IN THE HANDS OF LOVE

O trabalho de Yves Tumor (que é Sean Bowie) parece se erguer das profundezas confusas do mapeamento em gêneros musicais pra erradicar limites à audição. Claro, como nada mais soa “chocante” ou “experimental”, há de se evidenciar como o próprio processo de produção está complexo e, a partir dai (como fazem SOPHIE, Shygirl, Low etc.), arrastar o ouvinte pra sua imprecisa localização no horizonte sonoro. Em adição a essa impensável localização, as crônicas batidas eletrônicas não marcam nada, é como se elas ajudassem no contínuo processo de desestruturação. A composição desse disco suspendeu-me à medida que seu conteúdo não se revelava nunca. Oras, afinal, o que tinha nele senão as constantes reentradas, reintroduções…

Esses constantes convites formaram um portão de acesso do qual eu não quis sair. A incipiência deste projeto é também seu fim – não se está andando em círculos, simplesmente se está paralisado sendo atravessado pelos sons flutuantes num universo em constante metamorfose. Eu confesso que esperava outra coisa quando primeiro me deparei com as imagens “perturbadoras” que acompanhavam o lançamento. Sean Bowie, desta vez, interrompe seus trabalhos palpados em tristeza e pavor, em prol de uma arquitetura que tenta encontrar esperança ao construir um arcabouço no qual o artista pode ser completamente honesto.

Sean Bowie guiou-me através de uma busca por pedaços que pudessem preencher um todo, por minúcias que configurassem uma chave de acesso pra se adentrar no campo das possibilidades. Estar no mundo, pra ele, é uma forma de amor e segurança. Pra isso, no entanto, há de se levar em conta que sua discografia (nos mais variados projetos) é uma tentativa de retroceder e sair do campo em que o horror é a força motora. Eles (o amor e a segurança) são vastamente importantes pra alavancar e puxar o cantor das partes mais depressivas do próprio disco. Ouvir seus primeiros projetos acendeu em mim uma chama de destruição e fascinação com a abertura de uma possibilidade – este disco, ao contrário, é a confissão de quem se sente irreconhecível porque abandonou o horror. Apesar de ele abandonar algumas de suas marcas formais nítidas em antigos trabalhos, ele concorda que ainda há algo de vago e indeterminável em meio a qualquer tentativa de reconciliação.

O modelo de Bowie enfatiza, num rock abstrato, a distância evidente entre discurso e ambiência, como se fossem sistemas opostos, mas que, invariavelmente, terão de se reconciliar. Pra Bowie, especificamente neste projeto, a justaposição de partes feias são capazes de traçar uma verdade que se apresenta como beleza. “Recognizing The Enemy” chama a atenção pela força do questionamento perante as mudanças decorrentes do abandono do horror: “Você parece tão diferente / Você ama alguém / Dói muito”. No entanto, Bowie continua afirmando a crescente tirania de si. Não há desejo de interromper esse processo.

(Clique aqui pra ouvir o disco na íntegra)

Novamente, Bowie não consegue separar o horror do belo, mas parece entender que se trata, sobretudo, de como o discurso é tangido. Boiwe concorda com um retrato amplo de si mesmo ao, em seus consecutivos trabalhos, estender a diferença sonora a tal ponto que tudo seja semelhança oposta, afirmando e negando paralelamente. Yves Tumor, em seu âmbito, é produto de alguém cuja essência insaturável está sempre se modificando pra não se encaixotar numa modernidade de algoritmos. Apesar de Bowie construir uma espécie de mito sobre sua pessoa, em cada trabalho, ao longo dos últimos anos, ele faz questão de tentar erradicar os principais traços de seus projetos. Geralmente as origens são sobre isso mesmo: pequenos vestígios instaurando uma estrutura que se pode alterar a qualquer momento, com qualquer som.

01. Faith In Nothing Except In Salvation
02. Economy Of Freedom
03. Honesty
04. Noid
05. Licking An Orchid (com James K)
06. Lifetime
07. Hope In Suffering (Escaping Oblivion & Overcoming Powerlessness) (com Oxhy & Puce Mary)
08. Recognizing The Enemy
09. All The Love We Have Now
10. Let The Lioness In You Flow Freely

NOTA: 8,5
Lançamento: 5 de setembro de 2018
Duração: 42 minutos e 00 segundos
Selo: Warp Records
Produção: Yves Tumor

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