“Aqui estão os dois gêmeos de Gana”: assim Fela Kuti foi apresentado a Joseph e John Nyaku, em 1974. Os seguranças de Kuti que escoltaram os gêmeos até o mestre cumpriam apenas uma formalidade, porque Kuti havia chamado os dois pra Nigéria e os recebeu com reverência: “caros gêmeos, estamos honrados em recebê-los”.
Os irmãos Nyaku haviam formado anos antes a Basa Basa Soundz, em Acra, capital de Gana. A banda ainda tinha o guitarrista e vocalista Wallace F. Tay, o cantor e baixista Nii Ayitey II e o percursionista Amoah Azangeo. Joseph cantava e tocava percussão. John cantava e tocava baixo e flauta de bambu. Foi com essa formação que eles chamaram atenção na noite de Acra, junto com a banda-parceira Bunzu Soundz.
As duas bandas tocavam no mais prestigiado clube noturno de Acra, o Napoleon, cujo dono era Faisal Helwani. No começo era uma fusão de música agbadza com rock e kpanlogo. BasaBasa, tudo junto, como era no início, quer dizer “caos”, o que aparentemente era a intenção com mistura de sons à primeira impressão tão díspares.
Cantando em akan (que na verdade é um conjunto de línguas) e com o apoio de Helwani, logo o Basa Basa se tornou a banda mais interessante da região, atraindo atenção pra outras fronteiras.
Helwani se apressou em assinar um contrato de dois discos com os gêmeos. Mas pra gravar, eles tinham que sair do país, ir pra Nigéria. Gana não tinha estúdios com equipamentos suficientemente modernos pras ideias de Helwani e dos irmãos. Por isso, o Decca Studio, em Lagos, foi escolhido.
Lagos, a capital nigeriana, fica a pouco mais de quatrocentos quilômetros de Acra, mas se ainda hoje não é uma viagem tão fácil por terra, imagina-se naquela época. Pra chegar lá, é preciso atravessar dois pequenos e estreitos países, Togo e Benin. Mas a banda partiu e ficou hospedada no Empire Hotel, onde ficava o Afrika Shrine, de Fela Kuti. No dia seguinte, foram ao estúdio, sob a produção do próprio Kuti e de Helwani (que assinou o disco).
O trabalho saiu em 1975, com o nome de “BasaBasa Soundz”, pela Editions Makossa. O segundo disco, “Basa Basa Soundz”, saiu no ano seguinte, pela Afrodisia Record, com Fela Kuti tocando na faixa de abertura, “Dr Solotsu” (ouça aqui).
Com o sucesso, os pessoal do Basa Basa acabou tocando com King Sunny Adé, Miriam Makeba e muitos outros de renome internacional, além de servir de apoio a políticos e chefes de Estado nem sempre muito dignificantes.
Apesar da proximidade com Fela Kuti, um ativista político pra além de ser um dos grandes músicos de todos os tempos, que chegou a ser expulso da Nigéria e se exilar em Gana, com apoio de Helwani (vale lembrar que “Zombie”, seu disco de 1976, era uma porrada no governo de Olusegun Obasanjo), os irmãos Nyaku admitem que suas músicas não tinham nenhuma inclinação política.
“Naqueles dias, eu não me ligava muito em política”, admite Joseph Nyaku. “Achava que na música a gente devia apenas cantar o bem. Se você fizesse o bem, o bem voltaria pra você. Então, a gente fazia música que inspirasse as pessoas. Não tinha nada a ver com a igreja, mas a gente tocava o nosso spiritual, nossos ritmos africanos”.
Os Nyaku, durante todo o tempo que passaram na Nigéria, chegaram a presenciar a violenta repressão na República Kalakuta, quando morreu a mãe de Fela Kuti.
Apesar de toda a experiência – ou por conta dela – reside no terceiro e último disco do Basa Basa, “Together We Win”, lançado em 1979, uma enorme e profunda sensação de “experiência”. Produzido pelo louco Themba Matebese, do T-Fire (ouça uma amostra aqui), o disco apresenta oito faixas que mergulham na mistura de “ritmos africanos” (assim, entre aspas, por serem muitos e fora do escopo “comercial”) e música pop, rock, soul, disco, com sintetizadores, guitarras e uma produção esmerada.
As três bases de percussão produzem o explosivo elemento que ao mesmo tempo dilacera todos os outros instrumentos, une os sons e faz a cabeça girar e o corpo mexer.
Aqui, a base do Basa Basa (agora assinando acertadamente como BasaBasa Experience), formada pelos irmãos Nyaku e Wallace Tay, se une a Harry Nasser (percussão), Augustus Nortey (guitarra e vocal) e Amadu Tabajira (congas e bongôs). O resultado, como se ouve em “African Soul Power” (escrita por Matebese), é poderoso.
O disco ganhou duas importantes reedições. A primeira em 1983. A segunda em 2018, via o selo holandês Vintage Voudou, com um bem-cuidado trabalho artístico e rebatizado de “Homowo”, nome da música de abertura.
A atenção especial ao terceiro trabalho da banda se dá justamente pelo seu senso de profundidade temporal. Não é um trabalho que se limite a um período ou a um estilo. A incrível capacidade de suas músicas passarem por sons reconhecíveis pelos adestrados ouvidos do mainstream ao mesmo tempo em que joga a base de ritmos inusitados dá a “Together We Win”/”Homowo” uma característica muito própria, sem ser exatamente “experimental” ou de difícil compreensão. Ao contrário, é palatável e gostoso de ouvir.
Depois do disco e da forte crise que assolou o mundo no começo da década de 1980, que ajudou a enterrar qualquer vestígio de possibilidades comerciais pra música na Nigéria, os irmãos Nyaku foram pra Nova Iorque. Sem sucesso sequer pra montar uma banda, John acabou virando segurança e fotojornalista – e feliz da vida, como deixa claro nas poucas entrevistas e artigos em que aparece.
Pro lançamento da reedição 2018 (oficialmente em 13 de fevereiro), os Nyaku e Tay foram pra Holanda participar da festa.
Eles não vivem do passado. Até porque o som do BasaBasa Experience está numa linha do tempo tão a frente que o seu passado sequer ainda chegou pras outras pessoas.
1. Homowo
2. Konya
3. Black Light
4. African Soul Power
5. Together We Win
6. Love, Love, Love
7. African Soul Power (instrumental)
8. Shey An Kuri