Bill Jennings é uma figura singular. Canhoto, não sabia que existia guitarras pra canhotos e, então, tocava a sua como um destro, mas com as cordas trocadas, o que requeria uma execução invertida. Mas, claro, esse fato não é sua característica única. Jennings era, como foi definido, “um guitarrista com muito charme, grande simplicidade e relaxamento casual”.
Ele nasceu em Indianapolis, capital do estado de Indiana, em 1919. Não há muito mais conhecimento sobre seu passado, exceto com relação à música. O seu amor por ela e seu anseio por ela, que o levou ao seu primeiro uquelele aos quinze anos e, precocemente, ao seu primeiro engajamento profissional um ano depois.
Foi o uquelele que fez Bill tocar do jeito que passou a tocar a guitarra, como um “destro-invertido”. É que ele e seu irmão compraram o uquelele por um dólar e tiveram que dividi-lo: uma hora um tocava, outra hora era o outro. Só que seu irmão, além de mais velho, era destro e mais forte, de modo que Bill não teve saída a não ser se adaptar. E aprender. Autodidata, logo estava numa banda de uma rádio local, ganhando seu troco. O irmão destro ficou com o uquelele. Bill Jennings ficou com uma carreira.
Ele frequentemente tocava com a banda de Willie Jackson, que tinha dois parceiros pra toda a vida musical: Brother Jack McDuff, que tocava órgão como se estivesse invocando o coisa-ruim em plena missa, e Alvin Johnson, um baterista radical na introspecção, que se comunicava basicamente pelos pratos e caixas. Além deles, um terceiro nome fazia parte da banda: o baixista Wendell Marshall, um nome de maior envergadura, tendo tocado inclusive com Duke Ellington.
Com essa turma, logo Willie Jackson ficou a ver navios e o quarteto passou a gravar com outros nomes e material próprio. Apesar de ladeado por essas feras, Jennings se mostrou um perfeccionista e foi ardentemente chamado de “inovador”: “ele é um músico descomplicado, que está sempre tocando e suingando relaxadamente”, cravou as notas de capa de “Enough Said!”, o segundo disco que Jennings gravou, lançado em 1959, pela Prestige (o primeiro havia sido “Mood Indigo”, em 1956, pela King Records).
Apesar da sua ligação com o jazz, sua adoração por Charlie Parker, em “Enough Said!”, Jennings aparece blueseiro e capaz de mergulhos profundos na capacidade de sedução, muito graças ao trio ao seu lado – McDuff, Johnson e Marshall, uma banda incapaz de provocar imperfeições. Até B.B. King se rendeu a ele, especialmente com a pérola “Tough Gain”.
O disco foi gravado no Rudy VanGelder Studio, Englewood Cliffs, em Nova Iorque, apenas em um dia, 21 de agosto de 1959. O passeio do quarteto pela carreira de outros artistas, como músicos de estúdio, acabou fazendo com que esse único dia fosse um apanhado de referências. Entre canções próprias, há uma curiosa versão do clássico “Volare (Nel Blu Dipinto Di Blu)”, dos italianos Domenico Modugno e Franco Migliacci, cantada em toda e qualquer cantina nos quatro cantos do mundo e também conhecida como o primeiro disco premiado com um Grammy, em 1959 (foram dois Grammys: “canção do ano” e “gravação do ano”); e de “It Could Happen To You”, de Jimmy Van Heusen e Johnny Burke.
Por todo o disco, a sensação é de que a banda está aquecendo, ensaiando pra algo “maior”. Mas Bill Jennings e sua turma são suficientemente descolados da necessidade de alcançar qualquer ambição astuta. A escolha de dois clássicos pra serem desconstruídos por uma banda relaxada mostra que não foi um ato simples em busca de sucesso, mas um desafio auto-imposto pra dissecação e ampliação dos níveis dessas composições.
“Enough Said!” não alcançou sucesso comercial, pois. Tanto que ganhou um relançamento apenas, em 1970, pela própria Prestige, e mais nada, nem mesmo após a reavaliação pela qual sua obra passou nos anos 1990 (ele morreu em 29 de novembro de 1978, aos 59 anos).
Entretanto, não é uma obra de difícil acesso. Enquanto Bill Jennings e Brother Jack McDuff seguiram lançando (poucos) discos juntos, o último em 1972, “Enough Said!” foi ganhando um certo prestígio virtual e está também nas mais conhecidas plataformas digitais. Não é um disco escondido pelo esquecimento do tempo. Mas é um disco que assim como seu autor precisa ser revisitado e redescoberto. Uma obra tão singular quanto o próprio Jennings.
Lado A
1. Enough Said
2. Tough Gain
3. Volare
Lado B
4. Dark Eyes
5. It Could Happen To You
6. Blue Jams
7. Dig Uncle Will