Michel Magne foi indicado ao Oscar de melhor trilha sonora adaptada em 1963 por “Gigot”, de Gene Kelly. Perdeu (pra “The Music Man”, dirigido por Morton DaCosta), mas ele fez uma boa carreira no cinema e no teatro, estadunidense inclusive.
Cinco anos antes do filme ser lançado, voltando a 1957, Michel Magne, francês nascido em 1930 na cidade de Lisieux, no estado de Calvados, colocava sua juventude pra funcionar no primeiro disco, “Musique Tachiste”.
O título tem ligação com o movimento tachista, nascido na pintura abstrata francesa, na década anterior e popularizado por Michel Tapié. O termo vem de “tache” – ou “mancha”, em francês.
A música tachista de Michel Magne é um exercício experimental de quase tudo o que lhe agradava no momento da gravação, como o jazz e as big bands, e o que podia experimentar em estúdio, com as tecnologias que tinha à mão, de modo que acabou tateando o que mais tarde viria a ser conhecido como industrial, noise e experimentalismo.
Na essência, os exercícios se parecem com algum tipo de rascunho de trilha sonora – de filmes de vários gêneros, como “Meta Mecanique Saccadee”, que lembra um filme de terror; “Pointes De Feu Amorties Au Dolosal”, com seus gemidos e sussurros, que vão da agonia do suspense ao erótico; enquanto “Larmes En Sol Pleureur” fica no dramalhão de época.
Pode-se dizer que “Musique Tachiste” é o embrião do profissional e musicista que Magne se tornaria diante da necessidade das artes visuais e teatrais.
A parte final do disco, com “Concertino Triple” e seus três movimentos, “Rire”, “Priere” e “Amour”, rende-se à veia jazzística do autor, e não há nada de muito excepcional em relação à “música torta”, embora o terço final seja uma balbúrdia aguda de instrumentos, sendo o clímax proposto ao disco.
Ouça “Memoire D’Un Trou”:
Magne, na época do lançamento do disco, já era um respeitado pioneiro na experimentação sonora pra filmes, e reconhecido como músico de jazz moderno na França. A crítica, corroborada pelo próprio autor, chama o trabalho de meio manifesto, meio pantomina, o que não deixa de ser verdade. O artista abre o leque de possibilidades e faz de “Musique Tachiste” um portfólio de suas possibilidades como músico.
No disco, conta com a participação de futuros colaboradores, como o pianista franco-argelino Martial Solal e o arranjador Jean-Claude Vannier, além de Artie Kaplan no saxofone e o também pianista Paul Castanier na trilogia jazzistica.
O álbum foi gravado no French Strawberry Studio do hoje conhecido Château d’Hérouville, onde até o Pink Floyd (“Obscured By Clouds”, de 1972), David Bowie (“Pin Ups”, de 1973; “Low”, de 1977), Iggy Pop (“The Idiot”, de 1977) e vários outros já gravaram. O castelo fica no Vale de Oise, perto de Paris, e foi construído em 1740.
Na capa do disco, Magne avisa: “perfeição é naturalmente a minha primeira prerrogativa – sem compromisso”. Muitos críticos, hoje, após uma série de relançamentos, acham que ele chegou lá.
Michel Magne se suicidou aos 54 anos, em 1984, justamente no Vale do Oise, encerrando uma carreira que teve como seu último trabalho a trilha pro quarto filme da série erótica “Emmanuelle”. A depressão causada pela venda do Château d’Hérouville (necessária por causa da sua falência financeira pessoal) levou Magne à decisão fatal.
O castelo onde Chopin passou um período da sua vida e onde Magne construiu um dos mais importantes estúdios da história da música pop viu o estúdio ser desativado em 1985, pra ficar, então, só na memória. O estúdio fez fama e se tornou ainda mais importante do que seu criador. A importância de Magne, infelizmente, é apenas uma pequena mancha nos anais da música.
Mas seu disco de música tachista está aí pra tentar dirimir essa injustiça.
Ouça “Self Service”:
E ouça um minuto de cada música aqui:
1. Memoire D’Un Trou
2. Self Service
3. Carillon Dans L’Eau Bouillante
4. Meta Mecanique Saccadee
5. Pointes De Feu Amorties Au Dolosal
6. Larmes En Sol Pleureur
7. Concertino Triple – 1st Mouvement (Rire)
8. Concertino Triple – 2nd Mouvement (Priere)
9. Concertino Triple – 3rd Mouvement (Amour)