No panfleto simples, havia os dizeres:
“‘Pythagoron™’ é uma nova invenção que vai te deixar ligado com o som”.
“O que é ‘Pythagoron™’? Pythagoron™ é uma nova técnica de produção sonora: seus tons e ritmos eletronicamente controlados parecem ondular e mudar em simetrias infinitamente variadas. Na verdade, os tons ressoam com as ondas do cérebro pra produzir um estado de profunda loucura quando você os ouve”.
“‘Pythagoron™’ soa ou causa sensações conhecidas? Não, ‘Pythagoron™’ é verdadeiramente único”.
“Como consigo o ‘Pythagoron™’? Durante seu desenvolvimento, achamos que o som do ‘Pythagoron™’ seria caro e pra poucos – vindo de uma máquina sob medida feita a partir das exigências individuais de cada um. E enquanto ‘Pythagoron™’ era produzido nos equipamentos eletrônicos, achamos um programa que funcionaria pra todos. Este programa está gravado, masterizado e prensado nos mais altos padrões, e disponível pro público em geral num disco LP estéreo”.
“É legalizado? Hoje é tão legalizado comprar e ter seu próprio disco ‘Pythagoron™’ como ter qualquer outro. Sugerimos que você consiga seu disco agora”.
E, após essa apresentação em forma de pergunta-e-resposta, o panfleto termina com o endereço da caixa postal onde você pode comprar seu disco, por apenas, em 1977, nove dólares e noventa e cinco centavos, de uma tal de Pythagoron Inc.
“Pythagoron™” tem essa descrição acima. E o som que entrega é justamente o que vende: hipnótico, doido, chapado, envolvente, profundo.
O disco é obra de um mistério. Quem seria a Pythagoron Inc.? A caixa postal já extinta, com endereço de Nova Iorque (P.O. Box 2123 Grand Central Station, New York, NY, 10017), tinha como real dono o USCO, um coletivo multimídia criado por Gerd Stern e Michael Callahan no meio dos anos 1960, influenciado pelas ideias de Marshall McLuhan, cujas obras hoje estão compiladas na Intermedia Foundation.
Mas pouco se sabe realmente sobre quem compôs, gravou, produziu, mixou, tocou e intencionou fazer tal obra. “Pythagoron™” está creditado na capa a Pythagoron Inc. 1977. Mas não há mais nenhuma informação. As duas únicas faixas do disco, cada uma ocupando um lado inteiro do LP, não possem títulos, nem distinções entre uma e outra.
As “canções” são exercícios de modulação sonora e pulsação rítmica, usando componentes eletrônicos e até uma bateria eletrônica. Tudo é manipulado e processado. São drones na essência, cada canção com vinte e um minutos. De fato, músicas pra tomar drogas, pra se ouvir tomando drogas ou músicas feitas com drogas pra se ouvir tomando drogas (como bem disse algumas vezes o Spacemen 3 e o Spiritualized, de quem o Pythagoron Inc. pode cobrar certa ascendência – e de onde Jason Pierce deve ter “se inspirado” pra compor a capa-bula de “Ladies And Gentlemen We Are Floating In The Space”, o clássico de 1997).
Talvez nem mesmo os mais fissurados por drone entendem muito bem o propósito do disco, que mostra pouca variação nos seus quarenta minutos. Mas a ideia é causar sensações pelas modulações. Não há aparentemente nenhum intuito de inovar musicalmente.
O coletivo USCO tinha ambições “maiores” e a música não estava entre elas. Tanto que no site oficial, na Intermedia Foundation, o disco nem é citado (uma teoria válida é que o USCO não tem a ver com o disco – e o mistério se amplia). A arte gráfica (altamente psicodélica), visuais e a poesia eram os carros-chefe do grupo.
Mas “Pythagoron™” ficou como o registro único da experiência sonora de alguém ali do grupo, embora não se saiba quem e aparentemente não haja muito esforço pra se desvendar tal mistério. Mas é um disco ainda fácil de encontrar (basta dar uma procurada simples na sua ferramenta de busca preferida). No YouTube, é possível ouvi-lo na íntegra, como se vê abaixo.
Uma versão em CD-R foi lançada em 2006 e está à venda no meio do impressionante catálogo da Mimaroglu Music Sales (você certamente deveria se perder nesse catálogo, com tanta coisa bacana).
“Untitled (1)”
“Untitled (2)”
LADO A
1. Untitled
LADO B
2. Untitled
[…] Esse talvez seja um dos discos mais viajantes e insanos que ouvi num bom tempo (ok, os do VICTIM! são mais insanos, mas em outra esfera). E olha que eu faço questão de ouvir “coisas estranhas”. É um experimento sensorial que talvez, em termos de música jovem e pop atualmente, o Füxa consiga fazer, ou, pode ser, está mais pra doideiras como essa. […]