REVISITANDO: SONIC BOOM – SPECTRUM (1990)

Noah Lennox, do Panda Bear, disse que “Spectrum”, o disco de Sonic Boom, é um dos seus preferidos: “nunca encontrei ninguém como Sonic Boom, ele procura seus próprios caminhos pra experimentar com som – e sinto que ele torna os sons mais vivos de um jeito que eu seria incapaz de fazer sozinho”.

Lennox é um desses rapazes de uma nova geração (nasceu em 1978) que se viu profundamente influenciado por Peter Kember, o Sonic Boom. Kember completa ao final de 2015 cinquenta anos. A distância de treze anos entre os dois já não faz tanta diferença em termos de vivência que dê base à criatividade. “Tomboy”, o aclamado disco de 2011 do Panda Bear, foi co-produzido pelo Sonic Boom e a parceria deu tão certo que ela se repetiu em “Panda Bear Meets The Grim Reaper”, o sucessor, de 2015.

Outra contribuição de Boom é “Congratulations”, o trabalho que o MGMT lançou em 2010.

Sonic Boom/Peter Kember já foi um doidão insaciável, mas era bastante prolífico por volta do final da década de 1980, e foi isso que fez nascer “Spectrum”, o seu único disco tido como “solo”.

Nessa época, sua banda principal era o Spacemen 3 – o Spacemen 3 – ao lado de Jason Pierce.

Quando “Spectrum” foi gravado, o Spacemen 3 ainda existia, mas estava a poucos meses de chegar a um fim, graças a desentendimentos entre Pierce e Kember. O desmoronamento se tornou irreversível quando Kember acusou Pierce de plagiá-lo com “Hypnotized”, que seria o grande hit (número um na Inglaterra) do quarto e último disco da banda, “Recurring”, de 1991.

Antes de ruir e logo após o término das gravações de “Playing With Fire”, o genial terceiro disco lançado em fevereiro de 1989, Kember avisou ao resto do grupo que tinha músicas o suficiente pra não só o quarto disco do Spacemen 3 como pra um solo.

A Silverstone Records propôs um acordo pra lançar o trabalho e todos deram sinal verde pra ele, desde que pudesse terminar antes da turnê primavera-verão daquele ano, pra divulgar “Playing With Fire”, afinal naqueles tempos a banda era alvo de todos os amores da imprensa britânica.

Kember cumpriu. E, curiosamente, cumpriu com a ajuda dos membros da banda, incluindo Jason Pierce, que deu uma força no disco. Will Carruthers (baixo) e Makr Refoy (guitarra), que no ano seguinte se juntariam a Pierce pra formar o Spiritualized, estão no disco; além de Josephine Wiggs (Breeders), tocando violoncelo; Pat Fish (The Jazz Butcher), no saxofone; e Phil Parfitt (The Perfect Disaster), na guitarra. Carruthers ainda assina a co-produção.

Era praticamente um disco do Spacemen 3, o leitor poderá observar. Não, se levarmos em conta que a parceria Kember/Pierce nunca havia sido tão sólida, e que no “Playing With Fore”, eles resolveram finalmente deixar claro quem era autor de cada música. Não queriam se misturar.

Os dois sempre foram parceiros distantes e Kember parecia achar que era mais eficiente que Pierce, de modo que “Spectrum” era um disco de Peter Kember/Sonic Boom com uma leve contribuição silenciosa, não-opinativa, de Jason Pierce, e não um disco de Peter Kember em conjunto com Jason Pierce. Os problemas enfrentados durante as gravações de “Recurring” – que resultaram na criação do Spiritualized – resumem bem como funcionava esse relógio.

“Spectrum” teve uma recepção bem morna. São apenas sete músicas. Duas delas nem foram escritas por Sonic Boom – “Lonely Avenue”, uma releitura de uma canção interpretada por Ray Charles em 1956 e escrita por Doc Pomus; e “Rock’n’Roll Is Killing My Life”, icônica música dos garageiros do Suicide.

Compare “Lonely Avenue” aqui:

O primeiro single, “Angel”, de quase oito minutos, tem a aura do Spacemen 3, é viajante, é quase declamada (uma das marcas registradas da banda), tem um andamento lento, espiritual, reverência forte ao Velvet Underground e um crescendo característico das canções do grupo. Mesmo assim, não agradou. E era compreensível: o hype era pro Spacemen 3! Os jornalistas e novos fãs queriam músicas do Spacemen 3.

O single foi lançado no meio do furacão das gravações de “Recurring”, em outubro de 1989. O disco cheio chegou às lojas em fevereiro de 1990.

Pra não acirrar mais as coisas e o empresário Gerald Palmer não perder mais dinheiro na produção de “Recurring”, Pierce, Carruthers e Refoy resolveram esconder que estavam gravando e ensaiando como Spiritualized. O famoso single “Anyway That You Want Me”, versão do Troggs que o próprio Spacemen 3 ensaiava sempre, só foi sair em junho de 1990.

Até hoje, Kember e Pierce não se falam. Passada a tormenta dos tempos da juventude, Kember afirma que no começo do século tentou contato com o ex-parceiro musical e não obeteve resposta. Deu entrevista dizendo que seria bem vinda uma reunião e Pierce desconversa, não está interessado. Nem quando o Coachella tentou reuni-los, à base de uma boa grana, cativou Pierce. O Spiritualized vai bem, obrigado.

Mas isso não impediu uma apresentação do Spacemen 3 em julho de 2010. Pierce foi convidado, mas não deu as caras. Kember, William Carruthers, Jon Mattock e Mark Refoy estavam lá e executaram três músicas. A intenção era nobre: uma homenagem ao primeiro baterista do Spacemen 3, Natty Brooker, que à época sofria de câncer terminal. Ele morreu em 2014.

Apesar de todo o clima, “Spectrum” é um ótimo disco, especialmente pra fãs do Spacemen 3. Todos os elementos estão lá: os sintetizadores vibrando (“Pretty Baby”), as guitarras rasgando (“You’re The One”), o soul leve (“Help Me Please”), a sujeira da garagem.

É curioso notar que algumas músicas aqui poderiam estar ou num disco do Spacemen 3 ou do Spiritualized. E nem é preciso muito esforço.

Porém, pra Kember, apesar da recepção morna, “Spectrum”, foi um alívio que demorou pra ser sentido. Isolado após o fim da banda, ele criou o Spectrum, grupo que seguiria em frente com as experimentações de “Spectrum” e do Spacemen 3. Lançou trabalhos memoráveis, em EP e LP, incluindo o ótimo “Highs, Lows And Heavenly Blows”, de 1992. E criou outro projeto, mais experimental, Experimental Audio Research (E.A.R.), com o qual seguiu com tanto afinco quanto.

O intuito é “penetrar na mente” dos ouvintes, proporcionar outros níveis de percepção. E ele continuou assim, com esse ideal, como nos tempos de Spacemen 3: “se a plateia gostasse da gente, tocávamos por uns quarenta minutos. Se a plateia não gostasse, a gente tocava por umas duas horas”.

Ouça o disco na íntegra:

Lado A
1. Help Me Please
2. Lonely Avenue (Doc Pomus/Ray Charles cover)
3. Angel

LADO B
1. Rock’n’Roll Is Killing My Life (Suicide cover)
2. You’re The One
3. Pretty Baby
4. If I Should Die

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