Um disco apenas e o Steppeulvene (literalmente, “Steppenwolf”, em dinamarquês – sim, como a famosa banda estadunidense, também tirou seu nome do romance de Hermann Hesse) foi por um bom tempo um ícone do reock’n’roll na Dinamarca.
“Hip”, o disco único, lançado em 1967, cantado em dinamarquês, nem é tão sensacional em termos de inovação – longe disso, na verdade – mas ele carrega a carga toda de insatisfação, rebeldia e, no mesmo balaio, amor e descobertas daqueles tempos em que os hippies dominavam o ideário cultural.
Um desses hippies, Eik Skaløe, era um doidão fã de Bob Dylan, que queria escrever como o ídolo, mas com a cara de seu país, com o cotidiano do seu povo.
Na escola de música de Købmagergade, conheceu o guitarrista Stig Møller, apaixonado por música psicodélica e garage rock. Stig conta como se deu o encontro, em entrevista realizada em 1990: “ele veio até minha classe e toquei uma canção chamada ‘Angie’, que tinha aprendido há pouco, então ele dançou como um doido. Eu fui expulso e de repente eu era um hippie, a partir do momento que viramos Steppeulvene”.
Søren Seirup (baixo) e Preben Devantier (bateria) completaram o grupo, no começo de 1967. Søren conheceu Eik fumando um baseado. Eik o convidou a entrar na banda e logo estavam ensaiando e prontos pra gravar um disco.
Segundo Stig, “por 600 coroas, nós tínhamos uma nova banda. Emprestamos um estúdio de ensaio e num dia tocamos todas as músicas que tínhamos; daí fomos ao estúdio Metronome e gravamos tudo de uma vez – assim surgiu nosso ‘Hip'”.
Ao vivo, a banda era raivosa. E solta. Solta pelas toneladas de maconha que todos fumavam e álcool que ingeriam. Eik era chamado por alguns jornais locais como o “chefe hippie” daquela geração dinamarquesa. Logo a banda estava abrindo pro Pink Floyd numa apresentação local.
Num show em Ålborg, a banda foi presa, “pra averiguação”, já que o uso de entorpecentes por seus membros era algo bastante divulgado pelos jornais. A polícia, claro, foi pra cima. Mas ao contrário da brasileira, sem descer o cacete e até, vendo que os rapazes só queriam curtir, sem causar problemas, liberou-os pra seguir em frente. Menos Eik, que era procurado por um roubo anos atrás.
Com um disco nas mãos e uma boa fama de rebeldes-bons-moços antenados com o que se fazia no resto da Europa e Esteites, o Steppeulvene tinha tudo pra perdurar como ídolos da sua geração.
As oito músicas de “Hip” pegaram o público, com letras de amor-livre e drogas. O grande hit foi “Itsi-Bitsi”, que fala sobre a viagem ao Nepal (ao Oriente) que Eik tinha em mente em realizar desde antes de montar a banda – viagem que ele fez pra nunca mais voltar, assim que saiu da cadeia.
Ao ser solto, a banda já estava numa encruzilhada, com os shows cancelados e não muito bem vista pelas casas de espetáculos, em vista do rápido histórico com drogas.
A desculpa de Eik é modesta: “tem sido bem legal excursionar e tals, mas eu não sou bom nisso. Eu simplesmente não sou músico. Escrevo letras, e além disso não sou um bom cantor e não ajudo no desenvolvimento do grupo”.
De moto, com um amigo, saiu até o Afeganistão e a Turquia. Queria chagar ao Nepal. Concordou com os outros três que continuaria escrevendo e mandando letras pro Steppeulvene seguir com Stig como vocalista. Mas, obviamente, sem a figura ímpar de Eik, não rolou. A banda acabou.
Søren Seirup e Preben Devantier montaram uma nova banda, que não engrenou. Stig não se tornou músico profissional, mas gravou alguns singles-solo.
Eik chega até o Nepal no primeiro semestre de 1968, pouco mais de um ano depois da banda começar. Vai pra Cabul, capital do Afeganistão. De lá envia avisos de que não está bem. Pega uma braba disenteria. Amigos falam que ele tem ímpetos suicidas. Vai pra Índia, mas na fronteira com o Paquistão, inexplicavelmente, em 15 de outubro de 1968, leva ao cabo suas ideias e se mata.
Na canção “0-0-0”, que lembra um bocado “My Generation”, do The Who (lançada em 1965), ele clama que a ambulância apareça com uma seringa e depois com um carro fúnebre. “Disque 0-0-0 por ajuda”, ele canta com ímpeto, mas a ajuda é o próprio fim.
O Steppeulvene ficou como registro fugaz de uma geração, num país fora do eixo, impactado pelos ventos febris de amor e drogas vindos dos Esteites e da Inglaterra. Eik Skaløe era o símbolo máximo; “Hip”, a declaração musical.
Hoje, vê-se que foi uma estripulia passageira de uma mente intrigante e cativante, mas uma estripulia que tocou profundamente os jovens que presenciaram aquele furacão.
O disco é relativamente fácil de se achar (há edições em LP e em CD). Abaixo, você pode ouvir na íntegra, pelo YouTube.
Em 2003, foi lançado um registro ao vivo, chamado “Live 2002”, numa reunião em Ålborg.
LADO A
1. Dunhammeraften
2. Itsi-Bitsi
3. Til Nashet
4. Jensen
LADO B
1. 0-0-0
2. Lykkens Pamfil
3. Kvinde Kom Ud
4. Kun For Forrykte