Quando John Cage fez seus mirabolantes experimentos musicais no final da primeira metade do século XX, uma certeza pairava no ar: aquilo iria causar estragos na mentes mais variadas e no mundo inteiro.
Causou em várias, entre elas a de Jurgis Ma?i?nas, um lituano maluquete que acabou criando o movimento Fluxus (mudou-se pros Esteites e assumiu o nome de George Maciunas).
O Fluxus era anti-arte, usava estéticas anti-comerciais, e realizou apresentações nos Esteites, na Europa e no Japão, com gente como o próprio Cage, Yoko Ono, Wolf Vostell, Marcel Duchamp e outros.
Entre eles, Takehisa Kosugi.
O violinista japonês se formou aos 24 anos na Universidade de Artes de Tóquio, em 1962, e já nos últimos anos de estudo tocava no Ongaku, um ensemble de sete integrantes. Fundou também o Taj Mahal Travellers, octeto que existiu de 1969 a 1975, cujo segundo disco, “July 15, 1972”, gravado ao vivo no Sogetsu Hall, em Tóquio, é um marco da música experimental japonesa.
Takehisa Kosugi com seu Taj Mahal Travellers
As atividades musicais de Kosugi não se limitavam ao acetato como fim. Musicou peças de dança (ele é residente do Merce Cunningham Dance Company desde 1977), maluquices do Fluxus, exposições de arte, instalações e afins. Kosugi é o que se pode chamar de viciado em trabalho.
Como artista solo, experimentou o uso do violino ao extremo, construindo uma câmera de reverberação própria e trabalhando eletronicamente o processamento de alguns sons. Seu primeiro disco nessa fase é “Catch Wave”, considerado um clássico do experimentalismo japonês.
O disco tem apenas duas músicas, totalizando quarenta e nove minutos. É a realização final de um exercício que começou em 1967, com a instalação “Catch-Wave”; e em 1971, com “Catch-Wave ’71”.
A obra começa com “Mano Dharma ’74”, de vinte e seis minutos e meio, onde Kosugi oferece espirais eletrônicas hipnóticas, alucinantes, nauseantes em alguns momentos. É uma loucura psicodélica, por vezes gótica, bastante sombria (como no trecho que assinala “os ventos gélidos de um Japão invernal”), mas ainda assim uma experiência palatável de música torta.
Ouça:
A improvisação é livre, assim como em “Wave Code #E-1”, de vinte e dois minutos e meio. A música começa com a manipulação de alguma expressão vocal que causa calafrios. Mas logo a canção se aloca no mesmo patamar da anterior, em termos de experimentação e oscilações sonoras propositadamente repetitivas.
“Catch Wave” foi lançado originalmente em 1975, em LP, com uma faixa de cada lado, via CBS japonesa, pra se ter a ideia da curiosa credibilidade que Kosugi já estampava à época. O disco não vendeu quase nada, mas a fama de Kosugi foi aumentando com o passar dos anos, principalmente na Europa e nos Esteites, o que fez a obra ganhar algum status cult.
Em 2002, o álbum foi reeditado pra CD, pela Showboat, mas apenas no Japão, que é o que aparece volta e meia nas prateleiras das lojas do mundo inteiro. Outra reedição em CD surgiu em 2007, via World Psychedelia, mas a mais recente é um vinil de 180 gramas lançado pela distribuidora inglesa Phoenix, em 2011. Acontece que é um relançamento não-autorizado. Entretanto, o mundo inteiro pode comemorar o acesso a essa obra, já que o iTunes colocou à venda uma versão remasterizada.
Takehisa Kosugi apareceu no “SYR 4: Goodbye 20th Century”, disco da série experimental do Sonic Youth e continuou bastante ativo até o final da década de 1990. Seus trabalhos de improvisação são os mais impressionantes e os que mais valem o mergulho, junto com a obra do cultuado Taj Mahal Travellers.
Kosugi é um nome bastante conhecido pra quem se liga em música torta, mas quem não conhece ainda as loucuras desse japonês, “Catch Wave” é uma boa maneira de começar a surfar pela obra dele.
LADO A
1. Mano-Dharma ’74
LADO B
2. Wave Code #E-1