O Rock In Rio é o maior festival da América Latina e um dos maiores do mundo. É gigante e, se pudesse – estou especulando, claro -, talvez fosse ainda maior. Talvez não seja, e continuo especulando, porque custa muito caro ser desse tamanho. São sete dias de evento. É um risco financeiro grande.
Ou nem tanto, como veremos.
Eis o motivo pelo qual sua escalação prima pelo saudosismo e por nomes claramente populares, como Elton John, Kate Perry, Rihanna, Metallica, Queen, Rod Stewart, e A-ha (o mesmo caminho que o Lollapalooza vem seguindo). Se você ainda não viu a escalação, clique aqui. Perceba que há nomes que estiveram lá na primeira edição, em 1985 (a desculpa é que o festival completa trinta anos), mas também há nomes que fogem do comum, como Mastodon, Alice Caymmi, Royal Blood, e outros interessantes, como Faith No More e Queens Of The Stone Age. É um evento eclético, porque quanto mais gente alcançar, melhor.
E eis o motivo do imbróglio que a organizadora do festival, Rock World, está tendo com o Ministério da Cultura.
Há de se questionar o porquê de um evento desse tamanho conseguir aprovar uma linha de incentivo pela Lei Rouanet de 18,3 milhões de reais, mas o fato é que conseguiu, a despeito de trocentos outros projetos que não chegam nem a ser aprovados, quanto mais nessa quantia.
Uma desculpa que o Ministério pode dar é que o Rock In Rio tem importância pro calendário turístico da cidade do Rio de Janeiro. Se o Lollapalooza 2015 teve um impacto econômico pra cidade de São Paulo de 93 milhões de reais – o impacto da edição de 2014 foi de 60 milhões – o Rock In Rio injetou na economia carioca quase um bilhão de reais com sua edição mais recente, a de 2013. Um bi. Mesmo se houver exagero da organização na divulgação desses números, ainda assim, 18,3 milhões de reais em isenção de impostos parece um bom investimento.
Por outro lado, o parecer negativo de um analista do MinC (sobre o projeto de captação de 2013) provavelmente está mais perto da razão, “tendo em vista que o referido projeto possui condições próprias pra se apoiar em sua própria estrutura, buscando aporte financeiro de forma espontânea a partir do apelo que a marca Rock in Rio imprime no mundo inteiro”.
Apesar da lucidez do analista, o projeto acabou, enfim, sendo aprovado por demais analistas. Estaria o MinC, mais uma vez, confundindo “cultura” com “diversão”? Pois bem, sobre o que deveria mudar na Lei Rouanet, há esse bom artigo pra você ler.
Vale lembrar que ter aprovado 18,3 milhões não quer dizer que o governo vá colocar na mão da Rock World R$ 18,3 milhões. É só uma autorização pra que as empresas que patrocinem o festival tenham isenção de impostos – além de visibilidade pra marca.
Por enquanto, até o último dia de março, apenas três empresas haviam investido no Rock In Rio pela lei de incentivo fiscal: o Correio, com R$ 2.040.000,00; a Colgate, com R$ 1.500.000,00; e a Sky, com R$ 500.000,00. O total até aqui é de R$ 4.040.000,00. Ainda faltam, R$ 14.260.000,00. É certo que o festival vai arrecadar algo bem próximo a esse valor.
Isso porque em 2013, o MinC liberou a captação de R$ 11.795.501,00 e o Rock In Rio captou R$ 9.650.000,00, ou 81,81% do valor autorizado. Se a taxa de captação se mantiver em 2015, dos R$ 18.300.000,00 autorizados, o Rock In Rio teria R$ 14.971.230,00 arrecadados com a Lei Rouanet.
O orçamento do evento em 2011 foi de R$ 95 milhões. O de 2013 foi de cerca de R$ 135 milhões. O de 2015 está orçado em R$ 180 milhões (um valor que pode subir, por conta do dólar). Em três edições, o orçamento subiu quase 100%. A inflação acumulada de 1º de janeiro de 2011 a 28 de fevereiro de 2015 é de 30,18%. O dólar em 3 de janeiro de 2011 estava a R$ 1,65. Em 28 de fevereiro de 2015, R$ 2,86. Um aumento de 74,54%.
Se o orçamento subiu mais do que a inflação e mais do que a cotação do dólar, o que explica o embate que a organizadora Rock World está tendo com o MinC?
De acordo com o Ministério, como informa a Folha de São Paulo, ao apresentar o projeto pra aproveitar os benefícios da Lei Rouanet, a organizadora estipulou um valor de ingresso de R$ 260,00, com meia-entrada a R$ 130,00.
Entretanto, na pré-venda, o festival esgotou a comercialização de 100 mil ingressos… a R$ 320,00. É um ágio de 23,07%.
A organização informa que vendeu 45% desses 100 mil ingressos como meia-entrada. Então, temos 45 mil a R$ 160,00 e 55 mil a R$ 320,00, excetuando-se promoções e gratuidades. O total dessa pré-venda é de R$ 24.800.000,00, ou 13,78% do custo do festival. Só com o ágio, o Rock In Rio ganhou R$ 4.650.000, ou 2,58% do custo total do evento.
Restou uma carga de 495 mil ingressos (o Rock In Rio trabalha com 85 mil ingressos por dia). Nessa fase, o Rock In Rio foi mais longe no desrespeito ao projeto apresentado ao Ministério da Cultura: aumentou o preço pra R$ 350,00 a inteira e R$ 175,00 a meia. É um ágio de 34,61% com relação ao preço original.
Se a média de 45% de meia-entradas for mantida pra venda normal e todos os ingressos forem vendidos, sem contar promoções e gratuidades, teremos os seguintes números: 222.750 ingressos vendidos a R$ 175,00 e 272.250, a R$ 350,00. Total? R$ 134.268.750,00, ou 74,59% do orçado. Só de ágio são R$ 34.526.250,00, ou 19,18% do orçamento total.
Então, temos 595 mil ingressos que renderiam assim: uma pré-venda com R$ 24.800.000,00 e uma venda com R$ 134.268.750,00, totalizando R$ 159.068.750,00, ou 88,37% do orçado.
Atente-se ao ágio: são R$ 4.650.000 na pré-venda e R$ 34.526.250,00 na venda, dando R$ 39.176.250,00, ou 21,76% do orçado.
Ou seja, a organização conseguiu abater mais de um quinto do seu orçamento total desrespeitando ao projeto original com o MinC.
Mas isso não é preocupante pra organização do festival, afinal, ela segue com esses valores e dá de ombros à determinação oficial. E mesmo assim, poderá conseguir R$ 14.971.230,00 com a Lei Rouanet, como vimos acima.
Algo estranho nessa matemática toda é perceber que só de ágio, R$ 39 milhões, o Rock In Rio consegue R$ 21 milhões a mais do que o Ministério da Cultura liberou de captação (R$ 18,3 milhões). Por que insistir em usar a Lei Rouanet, já que sem ela, a organização poderia ficar livre de amarras pra exercer os valores que acha cabíveis?
— ATUALIZANDO —
No dia 7 de abril de 2015, o Rock In Rio anunciou que abriu mão da grana do incentivo a Lei Rouanet, ou seja, dos possíveis R$ 18.300.000,00 máximos autorizados, de modo que nossa suposição acima se fez lógica e, agora, realidade.
Leia a matéria sobre essa resolução aqui.
— ATUALIZADO —
Unindo patrocínio pela Lei Rouanet e venda de ingressos (com ágio), o Rock In Rio poderá ter em mãos R$ 174.039.980,00, ou 96,69% do orçado pro festival. Sem o ágio, o festival teria em mãos R$ 134.863.730,00, ou 74,92% do total orçado.
Com o ágio, faltam apenas 3,31% dos custos pra serem cobertos, ou R$ 5.960.020,00. Ainda é muito, muito dinheiro.
Parece que deveríamos dar razão ao festival em bater de frente com o Ministério da Cultura e aplicar esse ágio, afinal a Rock World não é uma entidade beneficente que visa dar shows internacionais e diversão pra todos os brasileiros sem ganhar nada. Mas veremos que não há motivo.
Em 2013, só de patrocínios fora da abrangência da Lei Rouanet, o Rock In Rio captou com 70 marcas mais de R$ 135 milhões. São exatos 100% do valor orçado. Se a eficiência de negociação e atração de parceiros continuar a mesma, o Rock In Rio conseguiria mais R$ 180 milhões. Podemos ser modestos e levar em conta que há um fantasma de crise que afugenta os investimentos. Então, conte que a eficiência será menor esse ano e o festival arrecade o mesmo de 2013, R$ 135 milhões. Ainda é muito dinheiro.
Temos aqui um superávit de R$ 129.039.980,00 (com a atualização de 7 de abril de 2015, são menos R$ 14.971.230,00 da Lei Rouanet, o que dá R$ 114.068.750,00). Já virou um bom negócio, não? Mas não para por aí. Ainda há venda de produtos licenciados pelo festival, direitos de transmissão pra TV e outros acordos menores.
Tirando eventualidades, além de impostos, prêmios e afins, que diminuem um tanto esse superávit, não se pode dizer que o Rock In Rio seja um mau negócio.