ROTEIROS DA BLOGOSFERA: RAIPER E VAIBER – EP. IV

São Paulo. Sol. Tempo quente. Rua movimentada, de calçada estreita. Vaiber veste calça jeans propositalmente surrada, óculos de aro preto, camisa levemente desarrumada e caminha teclando no celular.

CENA 1 (dia – externa)
Vaiber esbarra em algumas pessoas e murmura algumas desculpas. Num dos esbarrões ouve alguém chamando-o, tirando o transe do celular.

Pessoa (satisfeita por encontrar Vaiber): Vaiber! Você é o Vaiber!

Vaiber, que continuava andando, parou ao ouvir seu nome e fitou desconfiado a pessoa que o chamava.

Vaiber (relutante): Errr… Eu te conheço?

A pessoa vai em sua direção, já com uma das mãos estendidas, pra cumprimentá-lo. A pessoa veste calça jeans bem ajeitada, camisa social e tem uma bolsa masculina transversal ao corpo. Os cabelos são engomados.

Pessoa: Acho que você não me conhece, não (diz, segurando a mão de Vaiber, forçando o cumprimento) Sou da banda Tal. A gente lê seu site direto e é superfã, te segue nas redes socais todas.
Vaiber: Banda Tal?
Pessoa: É… O nome da banda é Tal.
Vaiber: Eu deveria conhecer?
Pessoa (sem perder a postura confiante): Cara, a gente tá meio começando agora, mas já tem um cedê super elogiado pela crítica especializada, calibrou?
Vaiber (ainda sem entender direito): Calibrou?
Pessoa: Calibrou, cara… (abrindo um sorriso) Peço desculpas, é uma gíria moderna do pessoal do trabalho. Quis dizer “entendeu” (solta a mão de Vaiber e faz aspas imaginárias).
Vaiber: Ah, sim… Calibrou… Mas, ó, cara, tô atrasado e, desculpaí, mas não tô lembrado da Banda Tal.
Pessoa: Então… É porque acho que você não recebeu nosso disco (mete a mão na bolsa e tira um CD pra entregar a Vaiber). Fica com esse. Ouve com carinho e resenha lá no site de vocês. Vai ser uma honra.
Vaiber: Mas e se eu não gostar?
Pessoa: Cara, é impossível. Baita som, que vai bombar em todo lado, inclusive na MTV, nas festas, nas baladas. Mistura a batida gostosa do Los Hermanos com um pouco de dance music pras elouquecer as pistas, calibra?
Vaiber (com olhar assustado): Calibro… Calibro, sim… (breve pausa, enquanto analisa a capa e o CD em mãos) Então, tá, vou dar uma ouvida.

A pessoa começa a caminhar sorridente e acena com uma das mãos, com a contundência de um político em campanha.

CENA 2 (dia – interna)
Ônibus não lotado. Trânsito do lado de fora. Vaiber está sentado no banco da janela. Liga pra Raiper.

Vaiber: Alô, Raiper! Você não acredita! Acho que conheci um dos caras mais coxinhas do mundo, tipo um Dave Matthews ou um Luciano Huck que toca numa banda.
Raiper (voz telefone): De que banda?
Vaiber: Uma tal de Tal, já ouviu falar?
Raiper (voz telefone): Tanto quanto uma música boa do Friendly Fires: nunca.
Vaiber: Precisava ver que cara mala! Deu um cedê pra gente ouvir e resenhar. Topa descer o sarrafo nesse som mequetrefe que ele deve fazer?
Raiper (voz telefone): Claro. Sempre.

CENA 3 (cartaz – black)

Lettering: Horas depois…

CENA 4 (dia – interna)
Quarto de Raiper. Janela quase fechada, alguns raios de sol passam. Ele liga pra Vaiber.

Raiper: Vaiber, ouvi essa merda e… é uma merda! Som de coxinhas pra coxinhas. Tipo, em indie parties deve até fazer sucesso, sabe? É como o Foster The People.
Vaiber (voz telefone): Tá explicado. É música de pleiba descolado pra filhinho de papai descolado.
Raiper: Vai ser fácil zoar esse maluco, né, Vaiber? (risada maligna e, então, uma pausa) Vaiber? Vaiber… taí?
Vaiber (voz telefone): Tô, tô… É que… Você não vai acreditar.
Raiper (ansioso): O quê? O quê?
Vaiber: (voz telefone): O disco da Banda Tal acabou de ser resenhado pela Pitchfork e pela Spin. E os dois sites deram notas boas, nove e oito (enquanto Vaiber fala, Raiper fica pasmo, de boca aberta).
Raiper: Porra, véi, liga pro cara, então! Vamos fazer uma entrevista com ele agora! Tô escrevendo agora mesmo uma resenha linda sobre esse discaço!
Vaiber: (voz telefone): Pode deixar. Você vê? O destino está a nosso favor. O Deus dos Cliques está do nosso lado.

Fade lento pra black.

FIM
Sobem créditos.

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