Diz-se por aí que em cima do palco a banda mostra seu verdadeiro talento, prova a eficácia de suas músicas gravadas em estúdio. Não engulo muito essa. O estúdio é revelador de talento, mesmo que a tecnologia e bons produtores deem uma mão. E há alguns fatores que precisam ser adicionados à equação, e um deles é o emocional.
Imagine que banda apostou todas as fichas num trabalho sofrido, dolorido, parido com esforço hercúleo, como o Single Parents apostou em “Unrest”. O primeiro disco dos paulistanos passou por um financiamento coletivo, pouca grana, idas aos Esteites, produtor gringo, quase nenhum apoio da mídia “grande” e muita dedicação.
Fazer um show “oficial” de lançamento, colocar à prova aqueles meses e meses de trabalho, diante de um público aberto, composto não só de amigos e familiares (como é comum no Brasil, em shows como esse), abala qualquer sistema nervoso. O pessoal do Single Parents devia estar nervoso.
O “problema” vai se agravando conforme os shows anteriores vão acabando (tocaram antes a Twin Pines e o gringo-produtor Roger Paul Mason). Lá fora, a chuva impedia que a bem localizada Associação Osaka, a 50 metros da estação Vila Mariana do Metrô, recebesse mais público. Podia ser um alívio, mas, oras, quanto mais gente melhor. Havia cerca de 200 pessoas no local. Um público bastante razoável. O nervosismo tendia a aumentar.
Nesse quadro geral, pareceu-me visível o impacto da banda em cima do palco. Originalmente um trio, o Single Parents já havia incorporado o guitarrista Erick Alves, mas nesse show, Roger Paul Mason assumiu outra guitarra e alguns vocais de apoio. Era um quinteto. Mas, talvez por conta do nervosismo, esse acréscimo pouco adiantou.
A banda estava claramente trabalhando dentro do padrão, procurando errar o mínimo possível, ser o mais fiel ao disco, entregar ao público sua excelência. Ótimo. Mas é exatamente aqui que o fator nervosismo me pareceu mais nocivo. Porque há uma escolha a ser feita: ou você ousa ou você não ousa.
O Single Parents é uma baita banda, acima da média daquilo que se acostumou chamar de “indie nacional”. Tem peso, boas referências, afinações diferenciadas (em homenagem ao Sonic Youth, como Fernando Dotta, guitarrista e vocalista, deixou bem claro a certa altura do show), músicas inspiradas, mas ontem, ali, diante de público, faltou ousadia.
Com todo o arsenal a seu favor, a banda poderia pegar uma das guitarras (uma das três) e deixá-la livre pra zunir, chiar, contrapor, incendiar a plateia. Bastava isso. A todo instante, eu percebia uma certa necessidade do público de ver uma “violência” com a própria música, o “estouro juvenil”. Um chute no microfone explodiria a audiência. Ou, mais simples e “barato” (do que estraçalhar equipamentos), desconstruir minimamente a própria música: colocar uma das guitarras pra fazer qualquer barulho, qualquer ousadia. Como o Sonic Youth faz, por exemplo.
Munição o Single Parents tem. “Unrest” é um disco muito bom que se pressupõe inflamável ao vivo. Em muitos momentos foi assim mesmo, principalmente em “Stop Waiting (For Me Now)”, o primeiro single e vídeo, e no fechamento com “Beginning Of Your Rage”. “Escape”, pra mim, foi o ponto alto, pela catarse final.
Planando dentro do planejado, o grupo foi se soltando no decorrer da apresentação, que melhorou um bocado até o fim. É, aí, preciso destacar dois momentos singulares. O primeiro funcionou muito bem: “Daydreaming” contou com a participação de Sara Oliveira, violinista que fez as vezes de Kotono Sato, que no disco toca em quatro canções. O violino não acrescentou tanto, mas foi um lance charmoso. O segundo não funcionou muito bem. Rita Oliva, da banda Cabana Café, assumiu os vocais que originalmente são de Liege Milk (Loomer, Medialuns, Hangovers) em “The Only Memory”. Faltou sincronia, conjuminância. A voz dela acabou sussurrada, o que é uma pena, até porque a brincadeira feminino/masculino nos vocais é sempre algo agradável.
Por isso, a todo mundo que não esteve neste show, vale um recado: com o passar do tempo, a banda só vai melhorar. É natural. As músicas vão se ajeitando ao palco, vão se azeitando ao público, e o show promete ficar ainda melhor. Vá aos próximos. O fator nervosismo, que me pareceu naturalmente óbvio aqui, tende a sumir (nunca por completo, claro) daqui pra frente. E, além disso, com um pouco de ousadia, talvez a audiência possa aproveitar mais dessa banda, que tem talento e potencial pra fazer bem melhor e honrar seu bom trabalho em estúdio.
01. Unrest
02. Out Of Sight
03. Escpae
04. Daydreaming
05. Aged Deadbeat
06. The Only Memory
07. Acquainted
08. Jaunt Ends, Free Fate
09. Stop Waiting (For Me Now)
10. Beginning Of Your Rage
Veja “Unrest”:
E veja “Escape”:
de tudo que tu disse eu só discordo numa coisa… a grande maioria que estava na Fnac tinha mais de 25 anos. Eu encontrei muita gente que assim como eu e você, estiveram naquele show M A G I C O e inesquecível que rolou no Urbano em 2004. Encontrar pessoas e conversar, depois de tanto tempo, sobre aquele show foi memorável pra mim…
NADA SURF é POPULAR demais…