SLSD é a abreviação pra Sem Lenço Sem Documento. Esqueça o nome de boyband hippie e vá direto ao som apresentado nesse “Olhos Abertos, Bocas Fechadas”, o primeiro disco do grupo, uma refrescante surpresa vinda de Mafra, cidade de cinquenta mil habitantes no norte de Santa Catarina.
O quarteto faz um dreampop agradável, algo como se as guitarras limpas do Wild Nothing se encontrasse com a crudeza poética da Lupe De Lupe. As seis faixas aqui apresentadas têm um balanço no pop melancólico oitentista, um pós-punk ensolarado (se é possível tal disparate), em especial as ótimas “Cara Amarrada” e “Lugar Nenhum”, com uma melodia envolvente e letra bem intencionada (“Queria te convidar pra ir lá em casa / Mas lembrei que moro em lugar nenhum / Que tal darmos uma banda na praça? / Deixei um banco reservado pra nós dois… Mas se você quiser amor / Sabe que é a única coisa que me sobra…”).
O SLSD, com seus integrantes na casa dos vinte anos, mais do que expressar as angústias da idade, as abraçam em letras simplórias e que falam diretamente aos ouvidos da mesma idade. “To cansado desse tênis / To cansado dessa calça / Da minha cara amarrada”, os primeiros versos de “Cara Amarrada”, são o espelho de uma fase da vida classe-média-branca, aparentemente sem perspectivas, amarrados aos pais, na desilusão em enxergar qualquer “futuro”.
“Nem me pergunte se essa passagem / Superou minhas expectativas, pois eu nem as crio mais / Pode ser que um dia eu mude / E queira ficar estagnado vendo a vida passar nesse lugar / Mas agora não”, de “Sonhar Pode” (com suas boas guitarras distorcidas), indica, de uma outra maneira, exatamente o mesmo desejo.
O jovem quer crescer, se libertar e tals. Mas isso não vem sem responsabilidades, algo que os jovens das periferias do Brasil aprendem desde bem mais cedo, no desmame. O SLSD, como qualquer jovem do seu recorte de sociedade, vai aprender isso. A “fase banda” vai passar, vêm aí emprego, contas a pagar, família, toda essa lenga-lenga classe-média que a sociedade impõe.
“Olhos Abertos, Bocas Fechadas” talvez mostre que eles estão atentos. Há um olhar diferenciado sobre a condição que os envolve – a poesia e a criação têm esse poder de sair do cabresto ou da mesmice.
Ou, como cantam em “Não É Tristeza” – como se precisassem dar explicações maiores -, “Esses homens acham explicação pra tudo / Mas não entendemos porque o tempo passa”: querer ser jovem pra sempre, desdenhar a vivência dos mais velhos, achar que nada vai dar certo, é como se a visão de mundo deles entrasse num paradoxo como o que foi dito antes. É uma confusão típica, inclusive.
Todas as letras são de Gabriel Bueno, que produziu o disco com Místico Aurélio. Seria interessante encontrá-lo daqui a vinte anos: como ele enxergará o que escreveu agora? Acho que todos já passamos por isso e nem precisamos esperar tanto. A vida muda numa velocidade desconectada à nossa capacidade de percepção.
É por isso que a ingenuidade de “Olhos Abertos, Bocas Fechadas” não é tão ingênua assim, embora tenha impacto mínimo além dos próprios criadores. Olhos abertos pra sacar as coisas, boca fechada pra dar tempo à prioridade que é ouvir e aprender. O SLSD não vai deixar essa fase da vida passar em branco. Mas também não vai ficar preso nela.
O disco saiu dia 28 de março de 2017, via Umbaduba Records.
1. Cara Amarrada
2. Lugar Nenhum
3. Sonhar Pode
4. Não É Tristeza
5. Cruzeiros
6. Horário Merediano