SOBRE LOBÃO E PERRY FARRELL

Por algum motivo que desconheço, tive (a matéria) Economia na faculdade (pra quem não sabe e se é que importa, cursei Cinema e Vídeo na FAAP). Uma das coisas básicas e óbvias que se aprende em economia, a grosso modo, é que quanto mais “raro” for algo, mais “valor” esse algo tem.

Por um bocado de motivos, entre eles esse, é que o banco central de um país não pode sair por aí emitindo moeda (salvo quando a moeda é lastro, como o dólar estadunidense). Quanto menos dessa moeda há em circulação, mais “rara” ela é, maior o seu “valor”. Ok, economistas irão me xingar e ter convulsões ao ler essa redução simplista de mais de um século e meio de teorias e tratados, mas serve como base pra onde quero chegar.

Lobão, como todo mundo sabe, é um cara inquieto, sem papas na língua. Fez esse vídeo abaixo e causou uma celeuma das boas com a organização do Lollapalooza Brasil:

Lobão acabou fora do lineup do Lolla Brasil, como já sabemos. Durante a coletiva de imprensa, pra divulgar as atrações, por causa do vídeo, a organização citou o músico com uma boa dose de ironia. Lobão não gostou, com razão, e respondeu.

O problema é que o músico ficou com a imagem de bebê-chorão, porque o que importava pra audiência era, além da lista de bandas que ia tocar no festival, o preço dos ingressos. Todo mundo achou caro (o Floga-se falará sobre isso numa outra oportunidade). As redes sociais reclamaram mais chorosas ainda. Espernearam, mas o pior ainda estava por vir.

Começou a pré-venda e todo mundo que reclamou do preço estava ali, se descabelando por não conseguir fazer valer sua senha recebida e comprar seu tíquete. O site caiu e ficou assim durante toda a terça-feira. Sobrou pra Perry Farrell, que usuário pesado do Twitter, viu seu nome ser açoitado de tudo quanto é forma. De herói a vilão num pulo.

É óbvio que a imprensa foi fazer seu papel e partiu pra cima de Perry Farrell. Aí, o caldo entornou. Além das respostas que mostraram o total despreparo do músico pra lidar com um mercado tão novo e virgem como na sua visão é o mercado brasileiro, ele se saiu um tremendo ignorante. É só ler essa entrevista pra Folha e essa outra pra Rodrigo Salem, da GQ.

Salem pergunta: “O que eu ia dizer é que o site oficial caiu e teve milhares de problemas no início da pré-venda, ontem à noite. Pessoas reclamando que não receberam a senha para comprar, outras que caiam em compras de jogos de futebol…?”.

E Farrell: “Eu me sinto mal por causa disso, mas há problemas com grandes shows em outros lugares do mundo. Não estávamos esperando 2 milhões de pessoas, mas 70, 100 mil. Vão tentar corrigir hoje. Por um lado, a notícia boa é que há muita gente tentando comprar, mas… Não quero irritar ninguém de um país que acabei de conhecer. Agora, todos me odeiam”.

Salem: “Ódio é um exagero. Estamos reclamando…”.

Farrell: “Deixe-me perguntar uma coisa: os brasileiros são muito passionais?”.

Salem foi direto ao problema maior no momento, as vendas. Mas Carol Nogueira, na Folha de São Paulo, expôs ainda mais a ignorância e a fragilidade do músico, ao confrontá-lo com a história de Lobão: “sei que ele está muito emotivo agora. E acho que eu não gostaria de falar com ele agora, porque ele está muito franco sobre o assunto no momento. Ele irritou meus companheiros aqui da Geo [Eventos, produtora do festival Lollapalooza no Brasil]. Eles iam oferecer um lugar melhor para ele, mas daí ele surgiu com esse vídeo e os irritou. (…) O que eles disseram foi que ofereceriam um lugar melhor para ele no ano que vem. Eu acho que eu vou falar com ele, mas não quero que ele venha gritar comigo. Eu estou aceitando as opiniões dos meus sócios que moram aqui sobre o lugar a que esse cara pertence”.

Frente a frente, no peso da balança, Lobão foi mais macho que Farrell. Confrontou e estava pronto pro embate cara a cara. O gringo arregou. Mas isso não dá a Lobão o mérito da razão. Simplesmente porque Lobão entrou na briga com argumentos vazios.

Diz ele que foi “enganado” pela organização do evento. O pessoal da GEO disse algo nas tratativas e depois mudou o discurso, deixando ao músico brasileiro a velha pecha de “criador de problemas”. Aí, ele apoiou-se no discurso nacionalista barato: “o que Lobão pede é uma recuperação de auto-estima. Até quando o público e a classe artística vão deixar que os empresários e os grandes festivais nos desfavoreçam dessa forma? É uma questão de respeito mútuo, de reconhecimento de nossa arte e interação equilibrada e harmoniosa entre todos os artistas de todos os países”. E segue, na mesma toada: “Lobão não aceita é que os artistas nacionais sejam colocados como segundo plano e que não sejam tratados com o respeito que merecem. E enquanto o público, a mídia e os próprios artistas continuarem a aceitar isso, o Brasil continuará sendo visto como o país da selva e de terceiro mundo, onde qualquer estrangeiro chega aqui e faz o que bem entende com a nossa música, com o nosso rock n roll”.

No vídeo, inclusive, pediu boicote de todos os músicos ao festival.

Já vimos que Farrell é o típico ignorante estadunidense, daqueles que acham que a capital do Brasil é Buenos Aires e se vêem diante da dúvida se a semana aqui também tem sete dias. Farrell falou o que falou provavelmente sem saber que estava dizendo besteira, sem se dar conta que estava expondo seu analfabetismo geográfico, cultural e funcional. Por isso até, é perda de tempo bater nele.

Além do mais, na veste de empresário, derrapou também, ao diminuir um mercado consumidor: “(…) a primeira razão pela qual escolhemos o Brasil foi para ajudar a custear o festival no Chile. Era tão caro trazer bandas para o Chile, porque as bandas pediam tanto dinheiro para um show só, que nós decidimos fazer em outro lugar também. Vamos levar o Lollapalooza para outros lugares. E o Brasil foi o primeiro lugar que pensamos”. O impacto desse deslize deverá ser pouco pra organização, já que o público saiu babando pra comprar os ingressos, ressaltando na mesma medida o equívoco de argumentação de Lobão (o público quer ver os gringos e só os gringos).

Já o viés de Lobão, por pior que seja, pode ser sustentado. Mas só até a esfera purista da coisa. Sim, porque os artistas brasileiros podiam de fato ter as mesmas condições que os gringos em festivais, ao menos no tratamento técnico.

Só que, como vimos, na esfera comercial, o discurso não se sustenta. Ele tá chutando no vazio. É muito mais “raro” ver o Foo Fighters aqui no Brasil (esteve por cá a última vez em 2001), ou o Arctic Monkeys (por aqui a última vez em 2007), do que o Lobão ou qualquer artista brasileiro, que se pode ver a qualquer momento. Não precisa ser gênio pra sacar por quem o público vai abrir a carteira e por quem vai se deslocar até o Jockey Club de São Paulo.

No lado mercadológico, é fácil setorizar o que tem mais “valor” pro público num evento desse. O evento só tem seu mérito financeiro por causa de bandas como o Foo Fighters, Arctic Monkeys, TV On The Radio etc e tals. Sem elas, o evento seria reduzido a talvez mil, mil e quinhentas pessoas, sem a necessidade de tal esforço de produção ou questionamentos se essa ou aquela banda brasileira deveria participar.

Aí, chegamos à conclusão de que Lobão, que já fez um baita barulho com o vídeo e a discussão toda, poderia ser mais efetivo, se aceitasse tocar no festival, subisse ao palco com o Marcelo Nova por exemplo e, lá de cima, com as câmeras da Globo apontando pra ele, fizesse seu escarcéu contra o “mercantilismo sanguessuga dos festivais” (“Os festivais precisam ceder a nós. São eles que precisam da nossa bilheteria, e não o contrário” ou “somos nós que estamos recebendo os grandes festivais aqui, portanto, acreditamos que esta questão seja de imensa importância para que possamos discutir até quando os ARTISTAS e a CULTURA BRASILEIRA serão colocados em segundo plano dentro do próprio país”).

Pode ser que ninguém concordasse, mas de dentro, implodindo, estraçalhando como um vírus o corpo de tal sistema que ele ataca, chegaria a mais ouvidos e mentes. Talvez convencesse mais gente. De fora, até ganhou as manchetes, mas pulverizou o discurso.

Ademais, é bom sempre dizer que Lobão, apesar do reaça ignóbil que se tornou, desprezível socialmente, é um dos nomes mais importantes da música nacional, tem uma penca de hits (muito mais do que o Jane’s Addiction), merece reverência e respeito nessa seara, mas já nasceu em desvantagem, entre os colonizados culturais e não entre os colonizadores.

Na economia mundial de mercado cultural, seu “valor” é bem mais baixo justamente por isso. Entretanto, por ele não aceitar tal condição, por ele brigar constantemente contra esse status, é que deveria aceitar tocar lá na cova dos leões e dar o seu recado. Essa briga faria bem mais sentido.

P.S.: Eu me equivoquei ao desprezar a capacidade de produção como algo diretamente ligado ao quantitativo “valor”. Obviamente não só o fato de ser “raro”, de aparecer pouco pra determinado público, que impacta no “valor” de algo. Na música, como se viu no Rock In Rio 2011, Ivete Sangalo e Cláudia Leitte, que não são nada “raras” ao seu público, foram encaixadas na faixa de “valor” de artistas internacionais, ganhando atenção igual ou maior. O “valor” a que eu trato é o de mercado, obviamente, e são raros os artistas pop brasileiros, pro público jovem, que podem criar raízes nesse quesito, a ponto de um festival tratá-lo como linha de frente (houve o caso excepcional, por outros motivos econômicos, de Titãs e Paralamas fechando o dia de um Hollywood Rock).

Outro bom ponto de vista sobre o caso você encontra aqui, escrito por Fabio Navarro, no Negodito.

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Comentários

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16 comentários

  1. Eu resumiria a polêmica da seguinte forma. O ponto do Lobão é válido. Mas num festival como o Lollapalooza, não seria ele o artista brasileiro a ter uma posição de destaque.

    E aí vamos para outra questão. Além do básico conceito de economia da lei de oferta e procura, tem uma questão mais específica. Qual banda brasileira se encaixaria perfeitamente numa posição “nobre” de line up num festival voltado para o rock alternativo como o Lollapalooza? Esta é a pergunta de 1 milhão de reais.

  2. Mas essa questão de um milhão de dólares corrobora justamente o Farrell disse e eu exponho aqui: não importa a qualidade da banda, importa se ela tem mais “valor” pro público. O ponto do Lobão é inválido por isso. Se houvesse uma banda tão valorosa do ponto de vista financeiro quanto as gringas desse lineup, certamente ela seria elevada à condição de headline. Não é uma questão de ser brasileira ou gringa, é questão de valor de mercado.

  3. Parece que O Rappa vai tocar antes do Foo Fighters. Nunca vamos saber se o chororô do Lobão ajudou nisso. Pode ser um sucesso, como pode ser um fiasco dado o deslocamento da banda. Mas apelo O Rappa tem.

  4. O problema é que as pessoas não vão deixar de ir aos festivais como ‘forma de protesto bla bla bla’. Num mundo ideal, é claro que gostaríamos de ver as boas bandas brazucas valorizadas nos festivais que rolam por aqui, mas…
    Agora fica dúvida, será que o Lobão vez esse alvoroço pelo bem comum ou em causa própria? Na boa? Acho que a segunda opção. Não ouvi reclamações do Rappa que, convenhamos, tem muito mais fãs que o Lobão (não estou dizendo que são bons ou ruins haha).

  5. Eu acho que a Nação Zumbi seria a única banda nacional que poderia estar numa posição nobre e não é pela quantidade de fãs e sim pela relevância da sua música atualmente e desde que gravaram o primeiro disco. Coisa que Lobão e Ultraje não tem faz tempo.

    Além disso, artista nacional pode tocar em qualquer lugar do país e não precisa ser convidado de um festival, coisa que não acontece com as bandas gringas convidadas e que são a verdadeira causa da procura das pessoas pelos ingressos.

    Eu não me sinto tupiniquim como o Lobão diz ou que temos que colocar os americanos e estrangeiros no lugar deles, graças ao Farrel por exemplo que várias bandas estrangeiras virão tocar aqui. Nem me atraiu muito a escalação do festival mas é fato que precisamos deste tipo de “ajuda” dos estrangeiros porque ainda estamos engatinhando no quesito de grandes shows e festivais e não vejo muita coisa errada no discurso do Farrel.

    O que vi errado foi o Roger falando da equipe do Cornell que não tinha nada a ver com o rolo e vi o Lobão se queixando de desrespeito mas acho que a verdade dói. Se o Lobão, Ultraje e etc fossem bandas e artistas tão bons e relevantes se ouviria falar mais deles pela sua arte e não por conflitos ou por tentar defender os coitados dos brasileiros.

  6. Arlen, relevância é um terreno movediço. Mas entendo o que você quis dizer, só não concordo exatamente com “se o Lobão, Ultraje e etc fossem bandas e artistas tão bons e relevantes se ouviria falar mais deles pela sua arte e não por conflitos ou por tentar defender os coitados dos brasileiros”. Eles são relevantes pra seus fãs, pro seu público determinado, pra história da música nacional, mas não pra um mercado internacional, que é sobre o que se trata aqui. Nesse sentido, a polêmica se tornou o caminho pra eles serem conhecidos, mas é uma ferramenta de duração parca, logo voltam ao obscurantismo, por isso não sei se é o caso.

  7. Caro Fábio Navarro,

    Houve um equívoco na sua interpretação sobre as declarações do Lobão. O velho lobo não fez uma crítica ao fato de bandas estrangeiras virem tocar aqui e dominarem o festival, pelo contrário, o mesmo citou os artistas gringos como “heróis”. O objetivo do vídeo que pede o boicote foi expor a forma como os empresários olham para os artistas brasileiros nesses grandes eventos, a segregação é feita através da nacionalidade, quando a forma mais correta seria escolher o horário dos shows pela qualidade musical e popularidade dos artistas.

  8. Concordo plenamente com o Raphael e acrescento mais um molho nessa história neste link aqui http://cenalowfi.com.br/todos/cena-low-fi-no-ar-coquetel-molotov-2011-lobao/ há uma entrevista do Lobão feita a mim em outubro durante o No Ar Coquetel Molotov no Recife, detalhe, ele foi chamado apenas porque o The Fall não veio e ele só aceitou e rapidamente porque literalmente substituiu a banda britânica, ou seja, fechou a primeira noite do festival e TUDO O QUE ELE DISSE ANTERIORMENTE neste vídeo mais famoso, falou para o meu humilde blog UM MÊS ANTES.

    PS: 01 o áudio tá péssimo porque esse gravador não funcionou, ou seja o som é da filmadora, lamento;
    PS: 02 o tal trecho que o Lobão já manifestava sua indignação sobre os grandes festivais está a partir de 04m23s do link abaixo:
    http://cenalowfi.com.br/todos/cena-low-fi-no-ar-coquetel-molotov-2011-lobao/

    valeu.

  9. André e Raphael. Um equívoco aí: quem escreveu fui eu. O Fábio Navarro escreveu o texto lá no Negodito (e vale a leitura, pois ele argumenta em outra frente, complementando). Outro equívoco: queria que vocês apontassem no texto, onde digo que Lobão “fez uma crítica ao fato de bandas estrangeiras virem tocar aqui e dominarem o festival”. Eu não coloco em nenhum momento palavras nas bocas de um ou de outro. As aspas são todas deles, tiradas de declarações deles. Tanto faz se Lobão acha os gringos “heróis” ou pulhas, porque o que ele discute continua sendo vazio do ponto de vista mercadológico. “A forma mais correta seria escolher o horário dos shows pela qualidade musical e popularidade dos artistas”? Sim, sim, mas ainda assim, as bandas brasileiras saem em desvantagem no quesito “valor”. A atração é justamente ter atrações internacionais, é o que faz atraente um evento dessa natureza. Por isso, Lobão tá chutando no vazio. Então, não dá pra entender onde você quiseram contrapor o texto.

  10. 1. Lobão e Perry Farrell se merecem. São as metades da laranja. Pra bem e pra mal. Acho que um dia serão amantes.
    2. O line up desse Lollapallooza é talvez o mais bem bolado dos últimos anos. Um pouco de tudo (novidades, revivals) em ótima medida. Nota-se que as bandas não foram escolhidas por publicitários, como no SWU e RockInRio, mas por gente que ouve música. Pior para o Lobão, que hoje é irrelevante musicalmente.
    3. O choro do Lobão só faria sentido se tivesse sido feito por alguma banda de relevância atual, que pudesse competir com um Arctic Monkeys nesse quesito. Mas o rock brasileiro atual é NXZero e Restart, distante desse público. Sobram então os decadentes, como Rappa e… Lobão. Aí complica.

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