STARBUCKS E A MÚSICA: A REVOLUÇÃO QUE NUNCA EXISTIU

Era pra ser uma “revolução”, como dizia-se à época. Mas foi, no máximo, uma linha do tempo que estampa os altos e baixos da indústria musical.

Em 1999, a Starbucks, cafetaria com mais de vinte e uma mil lojas em todo mundo, comprou a Hear Music, uma startup britânica, com o intuito de “agregar valor” aos clientes, como se diz.

Howard Schultz, o chefão da rede, observou em 2004 que “se você pensar o que acontece numa das nossas lojas, verá que é mais do que um maravilhoso copo de café. É uma experiência. E a experiência é definida pelo o que nos temos caracterizado há muito tempo por aqui, como o ‘terceiro lugar’, entre a casa e o trabalho, uma extensão da varanda das pessoas ou seu escritório caseiro. Como resultado disso, percebemos que tínhamos uma oportunidade de alavancar essa experiência e a música foi uma escolha natural, porque tocamos música nas nossas lojas por quase trinta anos”.

O primeiro CD oferecido pela Starbucks foi do Kenny G., em 1994. Mas foi só em 1999, com a Hear Music, que a rede pôde colocar em prática seu plano, virando, distribuidora, loja e selo.

Foi com a Hear Music que a cafeteria criou o conceito de “media bar”, onde o cliente podia criar e imprimir seu próprio CD em plena loja, com as músicas disponíveis no computador local. Era uma nova forma de distribuição. Era uma nova mídia: não era tevê, não era rádio, não era MTV… era uma cafeteria tocando as músicas que você gosta ou deveria gostar (e isso é o mais importante), enquanto você está procurando relaxar com uma xícara de café.

Parece bobagem, mas o sucesso da empreitada fez com que a Starbucks Hear Music pensasse alto. Alto mesmo: em 2004, o primeiro nome a assinar com o novo selo foi ninguém menos que Paul McCartney, que lançou em 2007 “Memory Almost Full”. Juntaram-se a ele James Taylor, Elvis Costello, Carly Simon, The Cars, Joni Mitchell, John Mellencamp e… Sonic Youth.

A banda do casal Thurston Moore e Kim Gordon lançou “Hits Are For Squares”, em 2008, uma coletânea bem espertinha com músicas selecionadas por celebridades (Beck, Eddie Vedder, Radiohead, Gus Van Sant, Michelle Williams, Flea, Chloë Sevigny etc.), além de uma inédita especialmente pra ocasião, “Slow Revolution”, cujo título parecia um recado pra indústria sobre o que estava acontecendo no mundo da música.

Kim Gordon, à época, disse que aceitou entrar nessa porque parecia que a empreitada era “menos maligna” que o resto da indústria. Mas a verdade é que, como tudo, o tempo mostrou que a empreitada era mesmo um espelho da indústria.

Schultz disse, em entrevista, que “a indústria da música tem estado sob severa pressão nos últimos anos e nós, de fato, temos sido uma exceção – acreditamos fortemente que podemos transformar a indústria e o comércio de discos”.

Quando fez essa pomposa afirmação, estava respaldado por números grandiosos. “Genius Loves Company”, que Ray Charles lançou em 2004 e pelo qual ganhou o Grammy de “Álbum do Ano”, vendeu setecentas mil cópias (do total de três milhões em todo o varejo estadunidense) só nas lojas Starbucks. A versão acústica de “Jagged Little Pill”, de Alanis Morissette, foi lançada em 2005, em comemoração aos dez anos do disco, com exclusividade na Starbucks.

Schultz parecia certo em sua empolgação.

Vale lembrar também que nesse período da história, 2004/2005, os arquivos digitais, graças ao iTunes, já representavam quase 50% do mercado (vale muito ler esse didático artigo).

Enquanto o vinil teve quarenta anos de reinado, o CD teve que se contentar com apenas doze. O tempo passa rápido demais e a Starbucks parecia ver sua “revolução” sendo engolida pela velocidade dos avanços tecnológicos. Nunca é fácil uma empresa se reinventar ao mesmo ritmo.

Mesmo assim, a rede tentou. A partir de 2007, começou a oferecer seus famosos gift cards pra download de músicas (infelizmente, gift cards de qualquer segmento não pegaram no Brasil – existem, mas não pegaram). Eram as “Song Of The Day”, depois “Pick Of The Week” e o aplicativo pra celular (bastava escanear o código de barras com o telefone e a música era baixada pro celular).

Ari Herstand, um músico independente estadunidense, que já trabalhou na Starbucks, conta o que viu dessa relação: “oferecer CDs nas lojas nunca teve intenção de fazer dinheiro pra rede; era mais pra incrementar a experiência pro consumidor; isso encorajava a conversa com o barista; e quando eu trabalhei lá, em 2007, tenho certeza que muito mais CDs foram roubados do que comprados, e nosso gerente não se preocupava com isso; lembro dele dizer que a Starbucks embutia o valor nos seus preços”.

Ou seja, é uma relação comercial sem muita preocupação, porque, afinal, o negócio principal da Starbucks não é vender CDs ou música, mas café. A música serve apenas pra incrementar a venda de café.

É, em boa medida, o mesmo que fazem as empresas que patrocinam grandes festivais de música, como Rock In Rio, Planeta Terra e Lollapalooza. As marcas não estão ali pra ajudar artistas ou consumidores. Estão ali pra projetar vendas no futuro, fazer dinheiro. O negócio delas não é música, então por que se preocupar com a música ou com a qualidade dela?

Eis um bom motivo que explica a decisão recente da Starbucks. Em fevereiro de 2015, a empresa anunciou que pararia de vender CDs. Porque se é experiência que se busca e não, afinal, uma “revolução”, tanto faz.

Houve quem decretasse o fim dos CDs. “Se você perde a Starbucks, nessa altura do campeonato, você perde o jogo. CD já era”, disse Herstand. Carros já não vêm mais com tocadores de CDs, só com entradas USB e bluetooth. Os Macs também há tempos não têm entrada pra CDs.

“Os CDs já eram”, afirmam os apressados – talvez os mesmos que decretaram que o vinil havia morrido, ou que o o streaming é o futuro da música.

O exagero e a precipitação matam qualquer decisão empresarial, mas pra Starbucks tanto faz: a “revolução” foi deixada de lado e a protagonista passou a ser, há muito, a “experiência”. E música é o canal pra isso.

Tanto que em 18 de maio de 2015, a empresa anunciou mais um acordo (válido inicialmente pros EUA – depois Canadá e Grã-Bretanha) com um braço da indústria, o Spotify. Vai passar do CD pro streaming.

“Conectando a melhor plataforma mundial de streaming com a nossas lojas, estamos reinventando a forma com que nossos milhões de consumidores descobrem música”, exagerou novamente Schultz, dessa vez ao New York Times.

O acordo parece ser ótimo pro consumidor, que segue com a mesma “experiência”, e melhor ainda pro Spotify.

Com a nova parceria, os cento e cinquenta mil empregados da rede na Terra do Tio Sam receberão uma assinatura premium do serviço (que custam uns dez dólares por mês), permitindo aos funcionários criar playlists, enquanto preparam um expresso. “Nós realmente estamos transformando o barista em DJ aqui”, brincou Daniel Ek, executivo do Spotify, ao NYT. Essas playlists ficam disponíveis aos clientes.

Em paralelo, os clientes do serviço de streaming ganham pontos no programa de relacionamento e fidelidade da Starbucks.

O Spotify segue firme pra tentar se fazer um negócio rentável e teme agora um concorrente de peso: a Apple, aliada à Beats (comprada por… errr… três bilhões de dólares em 2014), está preparando seu próprio serviço de streaming, prevendo que o iTunes tem dias contados. É uma batalha de gigantes, que dá à indústria musical uma sobrevida de poder nos moldes do século passado.

Artistas independentes que estão no Spotify talvez devessem agora fazer suas investidas em baristas e não só em blogueiros, jornalistas e produtores culturais. Pode ser um caminho mais curto. Se esse for um canal realmente aberto e democrático, pode ser uma saída interessante pra se ampliar o público, embora sem muita garantia de retorno (até porque se depender desses serviços de streaming pro artista ganhar dinheiro…).

O novo século trouxe mais dúvidas do que certezas nos mundo da música. O certo é que os agentes estão em muito maior número, do pequeno produtor caseiro faça-você-mesmo, ao mega empresário, com uma enorme gama de influenciadores, divulgadores e pulverizadores.

Talvez essa seja a revolução. Quieta, esgueirando-se, ocupando espaço, mudando hábitos de produção, distribuição e consumo. Uma gigante como a Starbucks não faz tanta diferença agora, mas seus clientes devem agradecer o interesse, a “experiência”.

A revolução mesmo, aquela prometida, essa não existiu.

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