PURE CULT
Texto: Cristiano Bastos
Imagens: Sérgio Bernardes
Lembro que eu era apenas um guri de 13 anos e via na televisão o videoclipe de “Revolution” (que, infelizmente, não foi tocado no show deste domingo, 17 de setembro de 2017, no Bar Opinião, assim como “Edie (Ciao Baby)”. Mas, mesmo na tenra idade, conseguia identificar que havia algo de diferente ali – um “que” de místico – no som do The Cult, em meio ao mar de bandas de cabelo “poodle” e visual barroco que então davam as cartas no cenário. Isso alguns anos antes de o grunge depor impiedosamente o hard rock de matriz “farofa” do trono que ocupava no mainstream…
Os anos passaram, os estilos mudaram (e as cabeças – algumas pra pior) e o The Cult – que também passou por inúmeras contendas internas – não perdeu o “mojo”.
Em tempo: outra coisa que sempre chamou minha atenção a respeito do Cult e a despeito de sua origem britânica foi a fascinação da banda pela cultura nativa norte-americana e seus arquétipos, sejam os indígenas, sejam aos roqueiros. Tais arquétipos fazem-se presentes em discos como “Ceremony” (1991) e “Love” (1985), só pra ficar nos mais óbvios. Quanto ao som, essa influência yankee é bastante evidenciada, por exemplo, na versão de “Born To Be Wild”, arregimentada em “Eletric” (1987) – que, em termos de poderio, só perde mesmo pra versão de seus compatriotas ingleses do Slade, no álbum “Slade Alive!”, de 1972, que eleva a música do Steppenwolf a um patamar sônico-noise sem precedentes até hoje.
Antes do aguardado show do The Cult começar, os ânimos da turba foram estimulados por uma trilha sonora calcada em discos do The Doors: “LA Woman”, “Morrisom Hotel” e “The Clebration Of The Lizzard”, a “peça” épico-poética de Jim Morrisom (que inclui sessões musicais, declamação de versos e narrações alegóricas), um dos grandes modelos “espirituais” de Ian Astbury, que, aliás, chegou a tocar com os The Doors encarnando o Rei Lagarto, quando da volta da banda aos palcos anos atrás.
Formada em Yorkshire, Inglaterra, o The Cult lotou o Bar Opinião e, aos primeiros acordes da magnífica “Wild Flower”, do álbum “Eletric”, que completa trinta anos em 2017, fez o bar literalmente tremer com seu rifes pulsantes. Umas das melhores coisas dessa canção, com certeza, é que pertence a uma tradição de rock que – tal qual uma “All Day, All Night”, dos Kinks, ou qualquer coisa gravada pelos Sonics – preza por gloriosa, por vezes hipnótica, repetição. “Eletric” é uma verdadeira obra-prima do hard rock que leva a assinatura do produtor Rick Rubin. Tão perfeita é “Wild Flower” que, no show, a banda a executa com absoluta fidedignidade. Se a tocassem duas vezes, possivelmente ninguém reclamaria.
Após mais de trinta anos, a voz de Ian Astbury, com seu timbre grave, que às vezes emula seu ídolo Morrisson, continua potente. É um cantor que, inclusive, mereceria melhor colocação no panteão dos vocalistas do rock. A guitarra de Billy Duffy, por sua vez, continua desferindo faíscas a cada palhetada. Billy toca com estilo (e sem virtuosismo) e, muitas vezes, deixou o público mesmerizado com a sua presença de palco. Os dois, Ian e Billy, entre os altos e baixos da carreira, como brigas e separações, foram os únicos que restaram da fomação original da banda – que, antes de ser chamada The Cult, conjugou integrantes provenientes das bandas Southern Death Cult e Theatre Of Hate. E antes, ainda, de intitularem-se The Cult, chamavam-se Death Cult. Um dos notórios integrantes que fizeram parte da formação original clássica do Cult era o grande baterista Matt Sorun, que, no final das contas, terminou sendo cooptado – pra não dizer roubado – pelo Gun N’ Roses.
Logo a seguir, “Rain”, outro hit oitentista, também cantada quase em uníssono pela plateia quarentona (pra não dizer cinquentona, mas, nem por isso, menos empolgada).
A partir daí, com o público na mão e bem mais do que um punhado de hits na cartola, a banda fez o clima esquentar a cada número. E, pro seu público, canções “do coração” eles têm aos montes.
O entrosamento dos britânicos ficou evidente nas três músicas de seu mais recente álbum, “Hidden City” (2016): “Dark Energy”, “Deeply Ordered Chaos” e “Birds Of Paradise”, que contou com uma sucinta homenagem a Chris Cornell, vocalista do Soundgarden, falecido em maio. Como é de se esperar, nesses casos, o público não pareceu entendiado com as músicas novas. E há uma razão pra tanto: elas, de fato, são excelentes canções.
Logo a seguir veio a trinca arrasa-quarteirão que, na realidade, todos estavam à espera: “Sweet Soul Sister” (que pôs o Opinião a cantar em coro), “Fire Woman” (essas duas as únicas do excelente álbum “Sonic Temple”, produzido pelo renomado Bob Rock) e a poderosa “She Sells Sanctuary”, do “Love”, que os revelou pro mundo, nos vetustos anos 80.
No bis, mais dois clássicos do “Eletric”: “King Contrary Man” e “Love Removal Machine”. Nem é preciso dizer que “Love Removal Machine” fez todo mundo chacoalhar de felicidade, com Billy Duffy botando pra que quebrar com aquele que talvez seja seu melhor rife de guitarra com final punk. Uma ardente joia do rock de guitarras, talvez seja a palavra mais justa.
O relógio já marcava quase meia-noite quando o público saiu do Bar Opinião de alma lavada, extasiada com mais de oitenta e cinco minutos do mais puro e robusto rock-and-roll. Uma legítima cerimônia. Ou, citando a famosa coletânea da banda, Pure Cult.
01. Wild Flower
02. Rain
03. Dark Energy
04. Peace Dog
05. Lil’ Devil
06. Nirvana
07. Birds Of Paradise
08. Deeply Ordered Chaos
09. The Phoenix
10. Rise
11. Sweet Soul Sister
12. She Sells Sanctuary
13. Fire Woman
BIS
14. King Contrary Man
15. Love Removal Machine