Entender música como uma sucessão compreensível de sons adaptados biológica e culturalmente aos ouvidos é praticamente excluir todas as outras possibilidades. E há muitas, como vemos, por exemplo, na astuta MTB. E como vemos com o The New England Phonographers Union (TNEPU), uma aglutinação de músicos experimentais que trabalham com sons não processados ou tratados.
A equipe explora e documenta os sons ao redor, sons que muita gente só entende como ruído – algo que é compreensível, já que são barulhos acidentais dos acontecimentos cotidianos. A equipe do The New England Phonographers Union compreende esses ruídos como sons que podem ser reorganizados, recontextualizados e alocados de forma que forme uma melodia perceptivel aos nossos ouvidos educados medianamente.
Em 2011, ela apresentou sua primeira grande obra de gravações de campo. Onde foram gravadas? Na estação de tratamento de águas e esgoto de Boston, Esteites, uma das mais amplas, complexas e maiores estações da terra do Tio Sam. De acordo com Jed Speare, um dos criadores do projeto, a ideia não é, claro, gravar “o esgoto”, mas os sons “de uma enorme estrutura e usá-los musicalmente”.
A sinfonia, como chamam, voltou a uma série de apresentações em maio de 2014, num museu também em Boston. Mas há uma diferença. Nos primeiros concertos, os pesquisadores do TNEPU captaram nos ar os sons provenientes das vibrações das enormes estruturas. Agora, foram mais profundos na ideia, captando sons das vibrações diretamente nos objetos que vibram, de modo que surgem sons diferentes, batidas, estalos e outras oscilações não captadas pelo ouvido humano.
Enquanto os sons ambientes captados por microfones se mostraram mais densos, quebrados e confusos, dando ideia da dimensão da estrutura; nos sons captados diretamente na estrutura, é possível mergulhar organicamente (sem trocadilhos) na fluidez dessa estrutura – tudo parece mais vivo. “Ouvindo, você percebe coisas que não percebe só olhando”, diz Speare, que completa: “é por isso que você acha bonito, porque é algo que você não esperava”.
Não é preciso prática pra apreciar tal obra, como imaginam alguns. Ernst Karel, da Universidade de Harvard e participante do projeto, diz que discorda “da ideia de que a plateia precisa ser educada de certo modo pra experimentar sons específicos; desnecessário dizer que todo mundo vem com um conjunto diferente de experiências anteriores e experimentará o concerto que fazemos de uma forma diferente justamente por conta de suas experiências anteriores, mas não significa que é preciso pré-requisistos pra entender”. Em outras palavras, basta fechar os olhos e sentir a música processada a partir dos sons coletados.
O que se ouve são drones, basicamente. Mas há batidas, há nuances, há reviravoltas. Pra quem ouve com distanciamento, a sinfonia criada pelo TNEPU pode ser só ruídos alinhados. Pra quem faz ou pra quem sente, pode ser uma experiência reveladora: nunca mais os barulhos à nossa volta serão percebidos da mesma maneira.
O mundo pode ser uma descoberta.