THE SIDEWINDER SLEEPS TONITE: A HISTÓRIA DA MÚSICA QUE TODO MUNDO CANTA ERRADO

“Call me when you try to wake her up. Call me when you try to wake her”: Michael Stipe repete a frase no refrão algumas vezes. Não raro, alguém cantou diferente: “Call me a child maker”, “Call me a child waker”, “Call me and try and wait for her”, “Call me child breaker”, “Call me in Jamaica”, “Calling Jamaica”, “Calling salvation”, as opções são inúmeras.

Em 2010, numa curiosa pesquisa feita na Inglaterra, promovida por uma marca de limpadores de ouvido, a Cerumol, mostrou que “The Sidewinder Sleeps Tonite”, música que o REM lançou no seu oitavo disco, “Automatic For The People”, de 1992, era a que as pessoas mais se enganavam com a letra, muito graças a esse refrão, onde Stipe encaixa nove sílabas onde só caberiam quatro.

“Algumas das letras nesta enquete são realmente muito divertidas, mas tenho certeza que as músicas não foram intencionalmente escritas para confundir os fãs”, disse ao The Telegraph um porta-voz da empresa. “Letras de músicas e sons em geral podem ser interpretados de muitas maneiras e o que uma pessoa ouve pode ser diferente do que outra ouve. Quando você finalmente descobre o verdadeiro significado da canção, depois de cantá-la erroneamente por anos, pode ser um tanto satisfatório, mas você vai se sentir um tolo”.

A pesquisa foi feita com aproximadamente três mil britânicos e a canção do REM ganhou de músicas como “Purple Haze”, de Jimmi Hendrix (“Excuse me while I kiss this guy” ao invés de “Excuse me while I kiss the sky”); “Living On A Prayer”, do Bon Jovi (“It doesn’t make a difference if we’re naked or not” ao invés de “It doesn’t make a difference if we make it or not”); “Dancing Queen”, do ABBA (“Dancing queen, Feel the beat from the tangerine, oh yeah” ao invés de “Dancing queen, Feel the beat from the tambourine, oh yeah”); “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana (“Here we are now, in containers” ao invés de “Here we are now, entertain us”); e muitas outras. Ler a pesquisa é algo pra se divertir e em qualquer língua há equívocos assim. Em português, há casos clássicos como “trocando de biquíni sem parar” ao invés de “tocando BB King sem parar” (em “Noite Do Prazer”, de Cláudio Zoli); “Ó comandante, capitão, gil brother é camarada…” ao invés de “Ó comandante, capitão, tio, brother, camarada…” (em “Saideira”, do Skank); e “um abajur cor de carmim” ao invés de “um abajur cor de carne” (em “Menina Veneno”, de Ritchie).

O próprio Stipe já chegou a admitir que nem ele mesmo sabia o que estava cantando. A letra não faz muito sentido, a bem da verdade. Embora um estudo sobre ela tenha sido escrito e publicado no The Musical Quarterly, de Oxford, em 2005, de autoria de Peter Mercer-Taylor (pra ler na íntegra é preciso pagar uma grana; quem quiser, tá aqui), o guitarrista Peter Buck afirmou que “é um consenso entre os membros da banda que a música é até muito despretensiosa… Devido ao fato das outras letras tratarem de mortalidade, passagem de tempo, suicídio e família, sentimos que uma faixa bem leve seria de bom tom”.

“Automatic For The People” chegou apenas um ano após o maior sucesso da carreira do REM, “Out Of Time”, que pegou o auge da MTV, importante veículo de massificação de hoje clássicos populares como “Losing My Religion” e “Shiny Happy People”. O disco vendeu mais de vinte milhões de cópias mundo afora.

Como a maioria das músicas de “Automatic For The People”, “The Sidewinder Sleeps Tonite” nasceu em sessões de ensaio com toda a banda: Stipe, Buck, o Mike Mills (baixo, teclado e vocal de apoio) e o Bill Berry (bateria). Depois de alguns meses promovendo o “Out Of Time”, o trio (sem Stipe) se refugiou na cidade natal do REM, em Atenas, Geórgia, e começou a trabalhar no que eles planejavam ser um grande disco de rock. Mas as faixas que mais os intrigaram – e Michael Stipe – acabaram sendo as mais calmas e acústicas, e a música melancólica que simbolizaria o disco começou a se aglutinar.

Em meio a algumas das coisas mais suaves, lentas e de menor importância, havia um toque otimista, criado no mesmo dia em que eles fizeram a música pra “Man On The Moon”. Ambas eram melódicas, mas “Sidewinder…” parecia remeter aos momentos mais ensolarados do REM, como “Shiny Happy People” e “Stand”. Isso só se tornou mais claro com o arranjo de cordas de John Paul Jones, adicionado após a maior parte das sessões do álbum.

“Sidewinder” é uma cobra, a cascavel-chifruda (Crotalus cerastes), pequena, de até setenta e cinco centímetros, encontrada no México e Estados Unidos, que vive enrolada e por isso também batizou uma espécie de telefone (público em especial), cujo fio se enrolava. A música refere-se ao telefone.

O disco, que é uma visão ampla do americano médio, o “caipira” e seu modo de vida, tem em “The Sidewinder Sleeps Tonite” seu momento de ironia nonsense apoteótico, com os versos “Baby, instant soup doesn’t really grab me, today I need something more sub-sub-substantial, like a can of beans or black-eyed peas, some Nescafe and ice… a candy bar, a fallen star or a reading from Dr. Seuss”, ressaltando um ideal tacanho de sofisticação do protagonista.

Há outros momentos na letra que chegam a fazer Stipe rir – e que entraram no corte final. Ele não consegue falar “doctor Seuss” e fala “doctor zeus”, e é possível ouvi-lo grunhindo uma leve risada nessa hora na canção. Pouco antes, quando canta “Today I need something more sub-sub-sub-substantial”, ao invés de “sub” ele pronuncia “stub”, como se tivesse a língua presa.

Durante os ensaios, a canção era chamada de “Wake Her Up” (o que não deixa dúvidas sobre o seu refrão correto). O título final faz referência a uma das canções preferidas da banda desde os primeiros shows, “The Lions Sleeps Tonight”, originalmente “Mbube” ou “Wimoweh”, escrita e lançada na África do Sul em 1939, por Salomon Linda. A música em inglês ganhou notoriedade ao aparecer no megasucesso cinematográfico “O Rei Leão”, de 1994, mas já era um grande hit no país de origem.

Em 1961, a bada The Tokens atingiu o número um das paradas com sua versão pra música e é a partir dela que o REM tirou sua inspiração.

Stipe até mesmo inclui um “eee-dee-dee-dee” no início, uma pequena homenagem ao tema original. “Nós, de fato, pagamos os direitos por isso”, disse Buck em 1992. “Não queríamos ninguém, no fim das contas, nos pedindo dois milhões de dólares, então nos antecipamos e dissemos aos donos dos direitos: ‘estamos chamando a música de ‘The Sidewinder Sleeps Tonite’ e o cantor meio que entoa algo parecido com o que vocês têm na nossa música. Não queríamos ser pegos de calças curtas num tribunal, mesmo que a música não tenha nada a ver com a original. Mas você não quer que achem que você tá roubando algo”.

Vale lembrar que a própria canção “Mbube”/”Wimoweh”/”The Lions Sleeps Tonight” foi alvo de uma perversa disputa nos tribunais. A família de Linda parece que foi enganada e dezenas de versões foram feitas, milhares de cópias foram vendidas e os descendentes de Salomon não ganharam um tostão até que a batalha jurídica de seis anos teve um final feliz (leia mais aqui). Salomon morreu em 1962 também sem receber os frutos do seu sucesso (leia aqui).

Quando a música foi pros Esteites, descoberta pelo estudioso Alan Lomax, nos anos 1950, deu a gravação pra Pete Seeger, que gravou com a banda dele, The Weavers, em 1952, uma versão com o nome “Wimoweh”. A própria versão era um erro de compreensão da letra original. No refrão, Seeger ouviu “Wimoweh” em vez de “Uyimbube” (que em português significa “você é um leão”) porque “Uyimbube” é pronunciado como “oo-yim-bweh-beh”. Daí, “Wimoweh”.

Ao pagar os direitos sobre a música a quem (à época) se devia, o REM se comprometeu também a fazer uma versão pra “The Lions Sleeps Tonight”. Foi um acordo feliz pra Stipe, que sempre quis fazer uma versão da música. A cover, então, foi parar no lado B de “The Sidewinder Sleeps Tonite”, o terceiro single de trabalho de “Automatic For The People”, lançado em 5 de fevereiro de 1993, seguindo os anteriores “Drive” e “Man On The Moon”.

“The Sidewinder Sleeps Tonite”/”The Lions Sleeps Tonight”, porém, não foi bem nos Esteites, passou em branco, chegando no máximo ao número dezessete nas paradas inglesas.

Embora “The Sidewinder Sleeps Tonite” tenha entrado em várias compilações do REM, a banda nunca tocou a música ao vivo. É uma das duas faixas do “Automatic For The People” que nunca foi executada ao vivo (a outra é ‘New Orleans Instrumental No. 1″). Já o lado B “The Lions Sleeps Tonight” foi tocada treze vezes.

“Essa é uma música que até hoje eu não sei ao certo o que quer dizer, mas é muito divertida”, disse Mike Mills em entrevista, lá em 2007. “É apenas uma daquelas músicas que nunca pareciam precisar ser feitas ao vivo. Nós poderíamos ter mexido com ela na passagem de som algumas vezes, mas nunca pareceu algo que realmente devêssemos tentar”.

Alguém disse que a música realmente combina com o humor sombrio do álbum porque a letra em cima do arranjo otimista é triste. As cordas sugerem a grandiosidade da ilusão do personagem: aquela pessoa de quem se sente saudades entrará em contato em breve. Porém, quem quer que essa pessoa seja, o protagonista ainda está esperando. É sobre solidão, ou sobre abandono. O REM não falará sobre isso, vai manter o mistério involuntário. Mas, ao menos, ninguém mais canta a música errado.

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