Ian Brown chega ao canto direito do palco. Faz gestos obscenos pra plateia. A banda toca “Waterfall” e um grupo de ingleses joga a bandeira da Inglaterra pra ele. Brown pega, cospe nela, pisa e ainda faz um gesto de limpar a bunda com o símbolo pátrio. Ele justifica-se ao microfone: “That’s the fucking pope’s flag! Not cool, man!”. O grupo de compatriotas fica fulo, ameaça uma confusão – nem todos estão bêbados, estão putos mesmo – e a segurança chega pra tirar todos dali (são uns dez ingleses no total). Brown volta ao papel de vocalista, emenda “Don’t Stop” e ao final da canção ainda vai tirar uma com os remanescentes (que gritam “é sua bandeira também, seu estúpido!”).
Eu me via no meio da cena, deslocado, rindo. Definitivamente, mais do que pelas músicas que envolviam a plateia, era essa mise-en-scène estapafúrdia, risível, que me fazia cair a ficha: eu estava num show do Stone Roses.
Um retorno caça-níqueis sempre pressupõe shows no piloto automático, com a banda se suportando, correndo pra acabar logo com a obrigação. Esse não foi lá muito diferente, até porque o Stone Roses nunca foi muito bom de palco – talvez o santo de Romário, o criador circense de casos do futebol (e hoje, com louvor, na política), que baixa no Ian Brown vez por outra, seja a maior diversão.
Mas pros fãs há as poucas músicas que o quarteto gravou e que se tornaram históricas e infuentes pra muita gente (incluindo o Kasabian, que abriu esse show e cuja resenha entrego em breve). O Stone Roses é aquele gingado moleque de quem fazia música porque tomava umas bolinhas, pra gente que tomava outras bolinhas e queria dançar a noite inteira. Em 1989, era assim, tudo deliciosamente tresloucado e inconsequente. Hoje faz pouco sentido. A não ser pelo viés histórico e caça-níquel. Pago, pois, com gosto pra entrar no túnel do tempo. A viagem pra Århus, segunda cidade mais importante da Dinamarca, onde a banda encabeçou a terceira edição do Northside Festival, está incluída nesse esforço financeiro.
A primeira música, surpreendentemente, foi “Sally Cinamon”, dos primórdios pré-fama da banda. Depois, uma sucessão de canções pra audiência cantar junto, dos dois únicos discos lançados, dando preferência pro primeiro, de 1989, homônimo.
“Ten Story Love Song” foi entendida como um hino. As pouco mais de cinco mil vozes que persistiram pro show, depois da maratona do festival, cantaram-na letra por letra, verso a verso, a plenos pulmões.
Até “Bye Bye Badman”, com sua letra ácida e cheio de pegadinhas, ganhou coro, assim como “I Am The Ressurection”. Foi daqueles shows pra lavar a alma e chorar. De fato, uma senhora ao meu lado, com sua filha adolescente, chorou em vários trechos.
Ela, como eu e tantos fãs apaixonados (dois ingleses ao meu lado estavam seguindo a banda em todos os shows dessa turnê) relevam as muitas escorregadas feias que a banda dá nas interpretações. Erra tempos, passagens, e Brown, como sempre, desafina adoidado. “Love Spreads” foi horrorosa, vergonhosa. O artifício de tocar as longas “Fools Gold” e “I Am The Ressurection” na íntegra (ambas com todas as passagens idênticas às do disco, inspirando muitas air guitars) também não soou bem pra quem não é fã e incomodou – há versões curtas das duas, todo mundo sabe.
Mas pra quem sonhava como isso há tanto tempo (no meu caso, desde 1989), era exatamente o espetáculo imperfeito e o Brown encrenqueiro que se esperava ver. É o melhor show ruim da minha vida.
(leia aqui a resenha completa do festival)
(leia aqui a resenha do primeiro show do Stone Roses nesse retorno, em Barcelona)
Setlist
01. Sally Cinamon
02. Ten Story Love Song
03. Bye Bye Badman
04. I Wanna Be Adored
05. Shoot You Down
06. Tightrope
07. Fools Gold
08. Waterfall
09. Don’t Stop
10. She Bangs The Drums
11. Made Of Stone
12. This Is The One
13. Love Spreads
14. I Am The Ressurection
Veja a confusão da bandeira durante “Waterfall” e “Don’t Stop”:
A foto que abre esse post é de Per Lange, de um site local. que inclusive não se encheu de amores pelo show.
¡holaaa!
Em Barcelona eles tocaram as mesmas músicas, mas em ordem diferente: a primeira foi I Wanna Be Adored, a 2ª Sally Cinnamon, … I Am The Ressurection foi a primeira do bis, etc.
O melhor foi John Squire, que tocou um riff de Day Tripper no meio de um solo!
Beijos!
ps: Recebeu as fotos q eu enviei?
Não, não recebi!!! Mandou pra onde?
T enviei pro teu mail do Botequim no dia 11/06…
Acabei de reenviar no e-mail do Uol. Se quiser q t envie em outro me avisa.
Sempre q vejo essas fotos tenho vontade de voltar no tempo, hehehehe…
Avisa qdo receber, ok?
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[…] A estrutura foi montada pra receber 45 mil pessoas. Era, sim, um festival e havia, sim, dois bons motivos pra isso. O primeiro era o lançamento do documentário de Shane Meadows, “The Stone Roses: Made Of Stone”, que acabava de chegar aos cinemas da Inglaterra, dia 5 de junho. O segundo é uma inacreditável nova stonerosesmania que se formou na Inglaterra no último ano, desde que a banda voltou aos palcos, em junho de 2012 (o primeiro show, em Barcelona, o Floga-se acompanhou também, bem como uma apresentação na Dinamarca, eleito o “melhor show ruim da minha vida”). […]