THE WHO EM SÃO PAULO – COMO FOI

Texto: Anderson Oliveira (editor do Passagem de Som)

Se existe uma Santíssima Trindade no mundo do rock, ela é sem dúvidas formada por Beatles, Rolling Stones e The Who. Isso não significa necessariamente que foram os melhores. Led Zeppelin, The Doors, Pink Floyd, Queen e tantos outros estão lá e nesse hall tudo se transforma em questão de gosto, mas é inegável ignorar que o embrião de tudo nasceu ali, com a Santíssima Trindade.

Daí a ideia do quão importante e histórico se desenhava a primeira turnê dos ingleses do The Who pelo Brasil, que se apresentou no moderno Allianz Parque como atração principal da primeira noite do megalomaníaco SP Trip, evento paralelo ao Rock In Rio que traz à cidade nomes como Guns ‘N Roses, Alice Cooper, Bon Jovi e Aerosmith.

Das bandas citadas acima, o The Who sempre foi a mais difícil de ser trabalhada no Brasil. Seus álbuns nunca tiveram grande popularidade por aqui e as rádios nunca se esforçaram em mostrar a gradual evolução pelo qual passou uma banda que nasceu como ícone de rebeldia, levou o rock a um novo patamar explorando novas estruturas e nunca abandonou a capacidade de realizar um show extremamente visceral, algo que vai de encontro com a figura do guitar hero e do frontman tão estabelecidos no mundo do rock. O The Who talvez seja o nome que mais sintetiza a ideia de um “grupo de rock”, como uma engrenagem que funciona intensa 100% do tempo, hoje na figura de Roger Daltrey e Pete Townshend.

Depois de bons shows das bandas Alter Bridge e The Cult, ambas com estádio parcialmente cheio e ignoradas pelo público e seus smartphones, o The Who fez o que dele se esperava. Subiu ao palco sem firulas, introduções ou discursos. Era um Allianz Parque com aproximadamente 70% de sua ocupação, mas pra banda também podia ser um pub em Londres. Era subir e tocar. E o Who finalmente escreveu seu primeiro capítulo ao lado do público brasileiro.

Com uma turnê onde seus principais singles surgem de forma contínua, o show do The Who consegue promover a catarse esperada. Com uma arrebatadora sequência formada por hinos como “I Can’t Explain”, “The Seeker”, “Who Are You?”, “The Kids Are Alright” e “I Can See For Miles”, a banda inglesa trouxe “My Generation”, música que praticamente define a existência da banda no Brasil, ainda na metade do show. Nesse caminho há erros pela voracidade da banda, pouco diálogo e um espaço muito bem dado a Zak Starkey, filho de Ringo Starr e substituto de Keith Moon, se é que isso é possível.

De frente pra uma das maiores lendas do rock, o contraste de um público que cantou grande parte dos clássicos da banda, ainda que não tenha tido a real percepção do tamanho de cada um deles. “Resgatado” por trilhas de séries e pela nostalgia de matérias pontuais, o The Who conseguiu envelhecer se mantendo jovem e fazer pelos mais diversos motivos uma experiência tão intensa como no passado.

Mais do que isso, conseguiu comprimir em duas horas os caminhos que escolheu em uma carreira que o fez gigante com álbuns como “Who’s Next”, com “Bargain” e as catárticas “Baba O’Riley”, “Behind Blue Eyes” e “Won’t Get Fooled Again”; e tão criativo e inovador através das impressionantes sequências extraídas de óperas-rock como “Tommy”, em “Amazing Journey” e “Sparks”, e “Quadrophenia”, com “The Rock” e “Love, Reign O’er Me”.

Ao se despedir pela última vez do público, com “Substitute”, faixa que parte do público rapidamente associou à versão consagrada pelos Ramones, Pete e Roger tinham a certeza de terem mostrado o que é um verdadeiro show de rock. No palco a banda agradou jovens e seus smartphones da mesma forma que senhores e posse de seus copos quentes de cerveja. Sem surpresas fez o que sempre soube: ser uma banda atemporal.

Texto: Carlos Parrella (colaborador do Floga-se)

Confesso que nunca fui muito fã do The Who. Na verdade, achava mais uma banda de enciclopédia, daquelas que contam a história do rock pelos feitos e atitudes do passado do que propriamente pela música em si. Tenho uma reverência enorme por bandas assim. O tempo apaga as corriqueiras, os sucessos fabricados por jogadas de marketing, por hypagens dos sites mais descolados, mas há bandas que ficam pra sempre pelo simples fato de terem produzido uma obra transformadora, de impacto indelével.

O Who é uma dessas bandas e paguei uma grana daquelas pra ver a banda ao vivo mais pela importância do que pela preferência. Valeu a pena. Não só por ver a história em si ao vivo – esse foi o primeiro show do grupo na América do Sul – mas porque eu sai de lá com uma energia diferente e isso não é papo de hippie; a guitarra de Pete Townsend (e do seu irmão Simon), com 72 anos, provocou uma certa vibração que eu não esperava. Ou, como se diz, “isso é que é rock’n’roll!”.

O disco mais recente do Who é de 2006, “Endless Wire”, mas sinceramente eu nem fazia ideia. O disco foi solenemente ignorado nessa primeira apresentação histórica e acho que a plateia pode agradecer por isso, porque a banda formada pelos Townsends, por Roger Daltrey, Zak Starkey (bateria, filho de Ringo Starr) e Jon Button (baixo) se fiaram na própria história e foram desfilando uma coletânea com o melhor das obras “Tommy”, “Who’s Next”, “Quadrophenia” (quatro músicas de cada), justamente o período mais fértil do grupo, além de músicas anteriores (as minhas preferidas), como “My Generation”, “I Can’t Explain”, “The Seeker” e “Substitute”.

Townsend deu entrevistas se lamentando porque os jovens não curtem The Who, mas é uma meia-verdade. Havia muita gente na faixa dos vinte, trinta anos, mas é preciso apontar que é também uma vantagem seu público ser mais velho, numa faixa etária que prefere ver o show mais pelos seus próprios olhos do que pela tela do celular, embora, pouco antes, no show de abertura do The Cult, uma apresentação burocrática, mas boa, Ian Astbury tenha passado um pito pras pessoas largarem um pouco o telefone e curtirem o evento.

Então, com os celulares devidamente guardados e plateia se portanto como plateia e não como produtores de conteúdo, foi possível voltar a um tempo em que as pessoas se importavam mais em curtir aquele momento e não em mostrar depois onde estiveram. O Who fez o resto: reforçou que o momento pode ser eternizado na memória, como sua própria música, eterna e potente, certeira e divertida. Esse show tá aqui guardado na minha.

01. I Can’t Explain
02. The Seeker
03. Who Are You
04. The Kids Are Alright
05. I Can See for Miles
06. My Generation
07. Bargain
08. Behind Blue Eyes
09. Join Together
10. You Better You Bet
11. I’m One
12. The Rock
13. Love, Reign O’er Me
14. Eminence Front
15. Amazing Journey
16. Sparks
17. Pinball Wizard
18. See Me, Feel Me
19. Baba O’Riley
20. Won’t Get Fooled Again

BIS
21. 5:15
22. Substitute

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