THIS LONELY CROWD – THIS LONELY CROWD

“This Lonely Crowd” é o quinto disco de estúdio dos curitibanos da This Lonely Crowd. O trabalho ganha o mundo em 27 de janeiro de 2017, mais uma vez via Sinewave. O trabalho anterior foi o aclamado “Meraki”, disco de 2015, que acabou em várias listas de melhores daquele ano (inclusive, claro, aqui no Floga-se).

O relato à imprensa dá conta que esse é, segundo a banda, “mais um capítulo em nosso livro inacabado de barulho”.

O grupo, que já experimentou com contos de fadas, pareidolia, com parcerias de outros artistas, agora prega seu noise às poesias de grandes autoras, como Florbela Espanca, Mary Shelley, Cora Coralina, Jean Ingelow – essencialmente, “mulheres oprimidas”, como eles dizem, com exceção de Oscar Wilde, único poeta nascido homem na seleção do disco.

Com exclusividade ao Floga-se, a banda explica como foi o processo de seleção das autoras e dos poemas: “a gente primeiro fez a triagem de autoras. Depois tentou pegar uma coisa que primeiro representasse o todo da obra e segundo se encaixa-se pra ser cantada. É isso que deixa bem difícil às vezes: fazer a métrica, conseguir cantar. Mas no final das contas, trocamos de poema só em duas faixas. Algumas, como o da Florbela, já nasceu pronto, em quinze minutos já tava musicada”.

E segue: “a escolha do poema veio antes, pra fazer metade do disco. A outra metade não rolou, então a gente foi direcionando. O estresse era escolher, fazer a instrumental, achar que estava tudo bem e na hora de cantar ficar ruim! Dá muito trabalho fazer desse jeito, então, em algumas, tivemos que fazer gambiarra mesmo (risos). Felizmente não atrapalhou pro que queríamos, porque o tema era amplo e as temáticas são parecidas dentro das faixas, a abstração e tal”.

O texto oficial à imprensa completa o raciocínio, dizendo que “são nove faixas sobre as nuances da nossa inquietude. É um álbum curto e direto; para ilustrá-lo, nos inspiramos na poesia de autoras queridas, reverenciando-as. São criaturas singulares com histórias maravilhosas, cheias de reinvenção, de dor e esperança, de persistência e paciência”.

Em “This Lonely Crowd”, o grupo apresenta outra novidade: cantar/declamar em português. Pela primeira vez, por conta dos versos de Florbela Espanca e Cora Coralina, a This Lonely Crowd se dá bem com o idioma nativo, entre distorções a apupos smashingpumpkinsianos.

Sobre isso, Erasmo Junior (guitarra e vocal, assinando como Hamelen) diz que foi um desafio. “Acho que foi justo se meter a fazer isso. Eu nuca cantei em português na vida. Quando gravamos a instrumental das duas (“Florbela Ex-Punk” e “Mytilda”), achamos o resultado legal; quando rolou a voz, ficou a sensação de que ficou legal”.

O primeiro single é “Go Where People Sleep And See If They Are Safe”, que você ouve abaixo:

A seguir, a própria banda descreve faixa a faixa as escolhas dos poemas e como eles foram casando com a barulheira melódica proposta.

1. “Florbela Ex-Punk” (poema “Mais Alto”, de Florbela Espanca)
A gente sempre fica muito preocupado em como abrir um disco, então a primeira faixa acaba tomando muito mais tempo de planejamento, mesmo que seja composta rapidamente. Neste caso, não tivemos muita dúvida. Primeiro, pelo trocadilho do título, e segundo, pela saída da nossa zona de conforto cantando em português. Ficou tipo um Zé do Caixão romântico! É uma das nossas faixas preferidas, de todas nossas músicas. E é uma homenagem calorosa pra uma poetisa tão forte como a Florbela Espanca, tão a frente do seu tempo.

2. Clíodhna’s Wave (poema “The Bubble Floats”, de Mary Shelley)
Muito antes de se pensar em monstros na literatura, já havia Mary Shelley, que concebeu em uma noite um livro fantástico e um personagem cheio de angústia, mais humano que o seu criador. Então, pegamos esses versos dela e descemos a barulheira em cima!

3. Vancian Noise (poema “When You Come”, de Maya Angelou)
A Maya Angelou é responsável por algumas das linhas mais belas do século XX. Tentamos deixar a música na sintonia dos versos, que trazem melancolia e saudade de uma maneira muito peculiar. Foi uma forma também de a gente rever a nossa sonoridade do “começo”, de brincar com o peso suave.

4. Furiosa (poema “I Live, I Die, I Burn, I Drown”, de Delmira Agustini)
Ia ser uma faixa puramente instrumental, mas os versos que entraram têm mais de um século e fizeram um par perfeito com a faixa anterior. Só conseguimos imaginar algo onírico mesmo, repetitivo, perdido nas emoções. Também é outra brincadeira com uma das nossas facetas.

5. Go Where People Sleep And See If They Are Safe (poema “Mopsa The Fairy: Ch. 8, A Story”, de Jean Ingelow)
Foi a primeira vez que trabalhamos com algum som eletrônico, coisa que o Trushbeard (bateria) mandou muito bem na timbragem e tudo mais. Combinou bastante com o monte de octaves que a gente vinha usando. Então é outra música dentro da zona de conforto, apesar desse detalhe inicial. É uma música de contos de fadas, literalmente, apesar do título dela ser roubado de uma grande artista contemporânea. Enfim, é uma dupla reverência.

6. Mytilda (poema “Minha Cidade”, Cora Coralina)
Essa faixa anda na vibração da “Furiosa”, mas ficou como que um pé no freio. Teve um potencial tão instrumental quanto aquela e recitar a Cora Coralina sobre a música foi mais confortável do que imaginávamos. O poder da palavra dela consolidou o tema do disco, da dor de ser, da perseverança do diferente nessa civilização cada vez mais instável. É um momento ruim, mas a descrença no todo, na humanidade, vira força com a fé no indivíduo. Creio que seja nisso que acreditamos…

7. Pirlimpimpim (instrumental)
Bom, aqui o negócio foi fazer barulho mesmo! Poeira mágica da Emília com uma pitada de death. Não precisou de vozes, então virou a única faixa puramente instrumental do disco. É uma delícia.

8. The Penguin Dictionary Of Curious And Interesting Numbers (poema “Requiescat”, de Oscar Wilde)
Creio que essa música faça contraponto instrumental com a “Vancian Noise”; é a menos urgente do disco. Cantamos um poema do Oscar Wilde na letra. Quem melhor do que ele pra constar em um disco onde todas as referências e reverências são mulheres oprimidas? Como não se derreter na hora de ligar as distorções? É o sentido que precisávamos.

9. Redibenzed (poema “Hope”, de Emily Jane Brontë)
Acabar disco é tão difícil quanto começar; ainda, tem o simbolismo de representar um “final” de uma coisa que nunca começou, já que “nada jamais começa”. Mas é uma forma da gente considerar um disco encerrado, ao invés de desistir dele. Pegamos um poema, “Hope”, das irmãs Brontë, e fizemos barulho em cima, com vozes cacofônicas e uns rifes meio escabrosos. No meio, as coisas se encontram e se desencontram de novo pra fechar os nossos trinta minutos da sua atenção. Esperamos que quem escute o disco escute inteiro, de uma vez; é curtinho, é pra ser uma pancada só. De preferência que te deixe pensando a respeito depois da audição, por um certo tempo, com incômodo, mas com carinho.

O disco foi gravado entre janeiro e outubro de 2016, no Guerrilla Dreamin’ Studio e no Nico’s Studio, ambos em Curitiba. A produção ficou a cargo do baterista Luiz Orta (agora assinando como Trushbeard the King), com a capa mais uma vez por obra de Julian Fisch, sempre certeiro.

Ouça na íntegra:

1. Florbela Ex-Punk
2. Cliodhna’s Wave
3. Vancian Noise
4. Furiosa
5. Go Where People Sleep And See If They Are Safe
6. Mytilda
7. Pirlimpimpim
8. The Penguin Dictionary Of Curious And Interesting Numbers
9. Redibenzed

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