TRIBUTO A JOHN CALE

Tomei conhecimento deste projeto por uma leitora do Floga-se. Elisa Medeiros alertou-me sobre o tributo assim que postei sobre a nova música do John Cale, “Shofty Adventures In Nookie Wood”. Não fazia ideia que algo tão legal estava rolando por aí. Isso mereceria um grande destaque e mesmo que o Floga-se não tenha lá grande repercussão, eu tinha que publicar isso.

Mas a história é tão bacana, tão inusitada, que resolvi pedir à própria Elisa que contasse os detalhes dos bastidores, afinal ela é uma das cabeças que fez tudo acontecer.

No texto abaixo, delicioso, Elisa conta tudo, da criação até o nascimento e divulgaç?o do projeto ao mundo, incluindo a reação do próprio John Cale.

Elisa é carioca, tem 20 anos e estuda em Campinas (engenharia!). Mas ela tem também um projeto musical bem bom, lo-fi, chamado Zeolites, que merece um post especia de apresentação.

Por enquanto, deixe a moça nos apresentar o mundo do gênio John Cale com esse presente estupendo.

UM PRESENTE DOS FÃS PROS FÃS
Por Elisa Medeiros

Confesso que queria começar este texto dizendo “tudo começou em tal dia, em tal lugar”, mas meia hora tentando me decidir o “onde e quando” me fez largar a ideia. Na verdade, foram várias coisas. E começou muito antes de ter realmente começado. Confusões à parte, se você gosta de John Cale, tem uma página no Facebook que você deve conhecer (e consequentemente “curtir”, pra poder ficar recebendo as atualizações). Ela se chama “I Bet I Can’t Find 100.000 People Who Know John Cale”. Foi aí um dos locais de nascimento da ideia.

O outro foi meu quarto.

Dizer quando começou é um pouco mais fácil, embora não tão preciso. Em janeiro deste ano, no meio das minhas férias, a página a que me referi vinha lembrando que dia 9 de março de 2012 seria o aniversário de 70 anos do Sr. Cale.

E, quando fazia isso, sugeria que nós, fãs, preparássemos alguma coisa pra dar de presente. Não dei muita bola pra isso até que, coincidentemente, poucos dias depois, comprei um gravador portátil pra gravar minhas músicas com um pouquinho mais de qualidade.

Testando o brinquedo, as primeiras músicas que gravei foram “Ghost Story” e “Ship Of Fools”, do começo da carreira solo de Cale. Foi aí que pensei: e se eu convencesse mais pessoas a gravar músicas do John Cale pra fazer tipo uma coletânea de fãs em tributo a ele?

Sugeri isso na página, fiquei esperando pra ver se alguém comentava e nada. Então, fui dormir.

Zeolites – “Ship Of Fools (John Cale)”:

A surpresa veio no dia seguinte: comentários, uma mensagem por inbox e um pedido de amizade de uma pessoa imprescindível pra que o projeto todo funcionasse do jeito que funcionou: a Carmen, que criou e atualiza – quase diariamente – a tal página badalada dos cem mil. Basicamente, ela, mesmo não tocando nenhum instrumento, ficou animadíssima com a ideia (já que ela já tinha sugerido que os fãs fizessem uma homenagem, lembra?) e compartilhou, atingindo assim as 1.500 pessoas mais ou menos que deviam seguir a página na época.

Comecei, então, a discutir a ideia com a Carmen e criei um grupo – fechado, mas aberto a qualquer pessoa que quisesse entrar – pra que os outros dessem seus palpites e posteriormente mostrassem suas músicas.

Começaram a surgir as desavenças. Eu queria juntar todas as músicas num zip file e disponibilizar pra download no Mediafire. A Carmen queria fazer um site. Acabei percebendo que a ideia do Mediafire era meio tola mesmo, ia ser muito mais difícil divulgar e tal, e concordamos em criar uma página no SoundCloud. Mas um site? Um www.johncaletribute.com como ela queria, achei que era muita coisa.

Na verdade, como eu tinha meio que começado aquilo tudo, acabei sendo colocada numa posição de semiliderança, digamos assim, e não queria ter a responsabilidade de ficar tomando conta do tal site. Depois de algumas discussões calorosas, mas amigáveis, decidimos que a Carmen ficaria responsável pelo site, que teria, além das músicas, outras contribuições, como desenhos e textos. Eu fiquei de cuidar, junto com ela, da página no SoundCloud.

A próxima discussão foi em relação aos direitos autorais. Eu não via nenhum problema em gravar as músicas e disponibilizar pra outras pessoas, afinal não tinha nenhum dinheiro envolvido. Mas a Carmen apresentou um problema: a empresária do John Cale. Aparentemente, ela encrenca fácil com as coisas. Coisas como criar uma página com possíveis tablaturas das músicas, coisas assim que só trazem bem e não mal. Acabou que Nina, a empresária, nunca entrou em contato com a gente pra reclamar, mas por via das dúvidas decidimos disponibilizar as músicas apenas para streaming, sem download.

Já tínhamos chegado a alguns acordos, agora era esperar as contribuições.

Em poucos dias o grupo John Cale Tribute atingiu cinquenta pessoas e foi crescendo até se estabilizar nos cento e trinta que tem hoje. A Carmen ia chamando músicos e divulgando na página dela e eu divulgava do jeito que podia. Uma coisa interessante é que a Carmen mora na Alemanha e é uma calemaniac bem sortuda: ela consegue ver o Maestro ao vivo e eu nunca vi (como era de se esperar). Por causa disso, ela conhece pessoalmente membros da banda dele: o guitarrista Dustin Boyer e o baterista Michael Jerome, por exemplo.

Além disso, ela tem alguns contatos de Facebook bem interessantes, como o renomado guitarrista Rhys Catham e nossa querida Maureen Tucker, que não apenas tem um perfil como também segue a “fanpage dos cem mil”. Tudo isso me deu esperanças que o projeto chegaria aos ouvidos do aniversariante e fui me empolgando cada vez mais.

Todo dia, Carmen, que entrou em contato com essas pessoas, aparecia com uma novidade: “Elisa, não sei se você percebeu, mas o Tony Paris entrou no grupo”. “Mmmm, Carmen, desculpa perguntar, mas quem é Tony Paris?”. Tony Paris foi empresário de turnê do John Cale durante muitos anos. Ele não gravou nada, mas parece que ficou observando cada movimento que fazíamos.

Depois ela avisa pra mim que Deerfrance (outra pessoa que eu não conhecia) estava disposta a participar. Deerfrance não é uma cantora qualquer, ela fez backing vocals pro John Cale no fim dos anos 70 e, entre outras coisas, trabalhou no CBGBs no meio da explosão punk. Músicos independentes que eu não conhecia começaram a aderir também, como o alemão Arnold Kasar. Enfim, o projeto estava atingindo proporções que eu não esperava, embora os fãs mais amadores como eu continuassem lá.

Sem medo de ser feliz, mandei uma mensagem pro Mike Shoun, baterista do Thee Oh Sees (sou obcecada por eles e já tinha encontrado o perfil dele antes). Imagina minha felicidade ao receber a resposta poucas horas depois, mesmo ele estando em turnê na Austrália? “Sou um grande fã do John Cale e já aprendi a tocar algumas músicas do ‘Vintage Violence’ alguns anos atrás… Quando isso precisaria estar pronto?”. Essa mensagem foi dia 31 de janeiro, se você quiser se situar no tempo. Respondi com os detalhes e algumas semanas depois, dia 20 de fevereiro, ele me envia sua versão de “Big White Cloud”. Imagina minha felicidade de novo? O cara – um cara que eu admiro muito, por sinal – realmente gravou uma música pro Tributo!

Vamos voltar um pouquinho no tempo. Pra janeiro. As primeiras músicas começaram a aparecer lá pelo dia 20. Postei minha singela versão de “Ghost Story” no grupo e o pessoal começou a postar as suas. Criamos um tópico perguntando o que cada um iria gravar pra não acabarmos com muitas músicas repetidas e vi que foi uma preocupação desnecessária – tirando “Big White Cloud”, que no fim teve três versões diferentes, a variedade de músicas foi grande e inclusive escolheram obras bem menos populares, como “Turn The Lights On”, do relativamente recente “Black Acetate”, de 2005.

Elisa Medeiros – “Ghost Story (John Cale cover)”

Começou um pouco devagar, mas o lado bom foi que cada música nova que era postada um bando de gente ouvia e comentava, foi bem bonito de ver. Mais bonito ainda foi lá pro meio de fevereiro, quando as músicas começaram a pipocar magicamente. E versões realmente bem feitas, em nível profissional e cheias de emoção. Fiquei ao mesmo tempo envergonhada por minha versão ser de bem mais baixa qualidade e maravilhada em ver que aquela minha sugestão inocente de fazer uma coletaneazinha estava dando origem a tantas obras-primas.

É claro que nem tudo era perfeito. Volta e meia aparecia algo um pouco mais, assim, esquisito, mas não liguei. Mesmo que eu e Carmen estivéssemos organizando, era um projeto de fãs então a gente não ia começar a julgar as músicas e colocar uma peneira: toda contribuição era bem-vinda.

Algumas pessoas mandaram músicas próprias inspiradas diretamente no trabalho de Cale, coisas até bem interessantes, totalizando sete, se eu tiver contado certo. As outras trinta e uma são os covers e vêm indicadas com “John Cale Cover” no nome.

É interessante, se você tiver saco, clicar em cada música e ler a descrição. Lá tem links pra página da banda, se for uma banda, ou então pequenas dedicatórias da pessoa que gravou, contando brevemente sua relação com John Cale.

O mês de fevereiro foi, como se vê, bem agitado no grupo e tudo tinha que estar pronto pro dia 9 de março. Na verdade, o SoundCloud do Tributo já estava lá, sendo atualizado com uma nova música praticamente todo dia, mas não estávamos divulgando ainda. A grande novidade seria mesmo o site que a Carmen estava montando. Ela tinha me passado a senha pra eu dar uma olhada, de forma que pra mim não foi bem uma novidade, mas isso não tirou a emoção de ver o site indo ao ar no grande dia. Foi como ver uma pessoa especial desembrulhando um presente ainda mais especial.

É claro que dificilmente o John Cale estaria esperando impacientemente pra ver o site e ouvir as músicas, mas foi lindo imaginar todas aquelas quarenta e poucas pessoas ao redor do mundo que enviaram seus pequenos presentes vendo seus bebês ali, num lugar de fácil acesso e que muito provavelmente chegaria ao Cale.

E de fato chegou.

Poucas semanas depois, no site oficial, bastaram duas linhas de agradecimento no fim de um post pra eu pular de alegria: “Oh, and before I forget — John says a big thanks and huge laughs at the B-Day Tributes! ALL GOOD STUFF as he put it!”. Ou seja, ele pelo menos abriu o site, provavelmente riu dos gifs ou de algum texto engraçado, ou até mesmo de uma música, o que não seria exatamente a reação que eu esperava.

Sejamos realistas, dificilmente ele ouviu todas as músicas, mas só de pensar que ele viu um negócio que eu participei, me bate um orgulho bem maior do que dizer que passei num vestibular concorrido. Pensar então que minha musiquinha está ali no meio, que tem uma chance mesmo que ínfima de ele ter ouvido minha voz, meu violão desafinado? Tem horas que a vida é realmente boa.

Felizmente, esta história não tem um “e viveram felizes para sempre” (ainda bem, porque isso provavelmente significaria que ela é de mentira). O que temos é um pseudo-fim, entregamos o presente e temos uma página recheada de músicas incríveis. Mas o Tributo não foi só um presente de aniversário, ele é um projeto que continua. Queremos mais e mais coveres. John Cale tem pelo menos cento e cinquenta músicas diferentes, mergulhe na discografia dele se você ainda não fez isso e escolha uma. E, claro, delicie-se com as músicas que já estão lá – é só dar play na primeira e deixar que o SoundCloud faz o resto.

Ouça algumas músicas selecionadas e veja mais abaixo todas os links do projeto:

Niteflights – “Paris 1919 (John Cale cover)”

Garden With Lips – “Dying On The Vine (John Cale cover)”

Tom Siler & Joan Vorderbruggen – “Fear Is A Man’s Best Friend (John Cale cover)”

Jacques Mees – “I Keep A Close Watch (John Cale cover)”

Mike Shoun (of Thee Oh Sees) – “Big White Cloud (John Cale cover)”

Nós estamos aqui:
Site do Tributo: www.johncaletribute.com. Você vai encontrar, espalhados pela página, além das músicas, gifs animados, fotos, desenhos e textos.

SoundCloud: www.soundcloud.com/john-cale-tribute. Você vai encontrar todas as músicas aqui.

E-mail do projeto: johncaletribute@gmail.com. Pra dar um alô ou enviar sua contribuição (não estou falando de dinheiro, que isso fique bem claro).

Facebook (grupo): www.facebook.com/groups/252178281522096/. O grupo onde você vai encontrar os outros fãs de John Cale que fizeram tudo acontecer.

Facebook (página): https://www.facebook.com/WeKnowJohnCale. A página que semeou a ideia na minha cabeça e onde você vai encontrar trilhões de coisas interessantes e notícias do mundo Cale e suas vizinhanças (a página da Carmen, a pessoa que fez com que o projeto funcionasse).

Leia mais:

Comentários

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.