O Austin City Limits existe desde 2002. Em onze anos, já é um dos mais procurados e conceituados festivais estadunidenses. Por dez anos, aconteceu num único final de semana, sexta, sábado e domingo. Em 2013, expandiu pra dois finais de semana, espelhando sua programação: mais gente, mais ingressos vendidos, mais bandas, mais sucesso.
Nos finais de semana dos dias 4, 5 e 6 e dos dias 11, 12 e 13 de outubro de 2013, juntou 142 artistas, com Depeche Mode, Muse, Atoms For Peace, The Cure, Kings Of Leon, Lionel Ritchie como headliners, e Phoenix, Wilco, Tame Impala, Savages, Black Angels, Vampire Weekend, The National, Queens Of The Stone Age, Arctic Monkeys, Franz Ferdinand, Portugal The Man, Grimes, The Joy Fomidable, Silversun Pickups e coloca etecetera aí numa escalação de encher os olhos.
Cerca de 70 mil pessoas tomam o Zilker Park, em Austin, Texas, por dia, pra se perder em meio a tanta oferta. A repórter Carolina Ferraz (que já acompanhou o Lollapalooza Chicago, o Coachella, entre outros) esteve lá e teve que fazer suas escolhas, no sol escaldante do outuno texano, pra contar tudo ao Floga-se, num texto delicioso.
É sofrido, mas como ela mesmo diz, “demora pra sair do mundo encantado dos festivais”. Verdade – e é o que todos nós adoramos.
DON’T MESS WITH TEXAS
Texto e fotos: Ana Carolina Ferraz
Os dois itens básicos pra um Austin City Limits bem sucedido são: protetor solar e bicicleta. E eu não tinha nenhum dos dois. O festival acontece num parque, assim como o Lollapalooza, mas não é tão no centro como em Chicago e uma boa parte da principal via de acesso ao Zilker Park, a Barton Springs Road, é fechada. Por esse motivo, carros não são a primeira opção. Bicicletas circulavam livres e poderiam ser “estacionadas” bem perto da entrada, sem custo, contanto que você trouxesse sua própria corrente.
Então, eu tive que andar porque os táxis-bicicletas (uma espécie de mini-carruagem com uma pessoa pedalando) cobravam US$ 10,00 que eu não estava disposta a pagar. Andei muito. Essa parte foi a menos divertida, afinal, já tinha ficado de pé debaixo de um sol escaldante por diversas horas todos os dias.
SEXTA-FEIRA, 4 DE OUTUBRO DE 2013
Na sexta, tive Savages e Queens Of The Stone Age. Sábado, Grimes e The Cure. Domingo, Noah And The Whale, Tame Impala e Atoms For Peace. E mais um bocado de aleatórios, como em todos os festivais.
Savages é um show de socos no estômago e a bateria e o baixo. A androginia da Jehnny Beth e o desconforto que “Hit Me” ao vivo me causa deixam a experiência toda bem intensa. Não poderia ter começado melhor.
Savages
Então fui pro palco Bud Light esperar Queens of the Stone Age e no meio tempo vi Pinback e Black Angels. O Pinback deixou todo mundo feliz e cantando, o vocalista foi pro meio do público meio desajeitado com o fio do microfone; e o Black Angels me fez sentir como se tivesse vendo uma banda de eras passadas. Tenho certeza que comparações com o Doors já vêm praticamente incluídas na bio deles. Achei legal, a loirinha com aparência frágil, Stephanie Bailey, espancando a bateria foi um show à parte, pena que um teclado gigante no meio do caminho me impedia de vê-la e tirar fotos. Daí o BA foi embora e eu ouvia o Arctic Monkeys no Samsung Galaxy e meu coração murchou porque não há máquinas de teletransporte, então fiquei cantando e balançando a cabeça e pensando “vejo vocês em dezembro, macaquinhos”. Anotei o setlist e ficava incomodada com a passagem de som que me impedia de ouvir partes das músicas. Pura esquizofrenia.
The Black Angels
Então, a frente do palco se encheu de fotógrafos, as luzes apagaram e eu ouvi o rife de “Feel Good Hit Of The Summer” e depois disso foi só alegria e loucura. Que banda! O plano inicial era ver metade do Depeche Mode, depois do QOTSA, mas minha cabeça tinha explodido muito; então, saí desorientada depois de “A Song For The Dead” apenas seguindo a multidão mecanicamente e quando me dei conta já estava na metade da Barton Springs. Perguntei pra um vendedor de água se ele tinha visto algum ônibus passar por ali, ele disse que o último foi há vários minutos, esperei uns dez e retomei a caminhada, seguindo as pessoas sem saber exatamente aonde iria parar até que cheguei a um hotel e seu ponto de ônibus com números familiares, o que permitiu que seguisse minha rota com um pouco mais de clareza.
Queens Of The Stone Age
Sexta foi o dia mais quente e quando voltei pro albergue em estado de calamidade, me encontrei trancada do lado de fora do lugar, já que tinha perdido o papel com o código de acesso da porta. E claro não tinha ninguém na recepção e meu telefone estava mais morto do que eu. Foi bem divertido.
Setlist Queens Of The Stone Age
01. Feel Good Hit Of The Summer
02. You Think I Ain’t Worth a Dollar, But I Feel Like A Millionaire
03. No One Knows
04. Burn The Witch
05. My God Is The Sun
06. I Sat By The Ocean
07. The Vampyre Of Time And Memory
08. If I Had A Tail
09. Little Sister
10. Make It Wit Chu
11. Smooth Sailing
12. Better Living Through Chemistry
13. Go With the Flow
14. A Song For The Dead
Veja o show completo do Queens Of The Stone Age (mas do segundo final de semana, do dia 11, que não foi exatamente igual):
SÁBADO, 5 DE OUTUBRO DE 2013
Sábado foi o dia menos povoado de bandas que me interessavam e o sol estava lá impiedoso então fui pra uma tenda, sentei e fiquei olhando crianças brincando no parquinho montado ali perto, e vendo telões de longe. Ia ver a Grimes às 5:00h e depois gastaria as duas horas seguintes tentando me posicionar pro The Cure, às 8:00h, no palco AMD. A vida da Grimes não foi fácil. Jovens estavam estacionados na grade do Honda desde de bem cedo esperando a atração que fecharia o palco às 7:00h, o Kendrick Lamar. Um dos teclados dela não quis funcionar então era ela e apenas um teclado e garotos desinteressados na mistura eletrônica com vez etérea da Claire. Eu gosto do “Visions” (“Symphonia IX” gruda nos ouvidos sem corroer seu cérebro, é super legal) mas sinto que aquela ainda não foi a experiência completa do show da mocinha. Talvez na próxima turnê.
Grimes
Quando atravessei pro AMD, o Passion Pit estava começando e eu conheço exatamente zero músicas do PP então não posso avaliar o show. Posso dizer que não gosto dos vocais e todas soaram iguais pra mim.
Então, Cure. Prego que todas as pessoas precisam ver The Cure pelo menos uma vez na vida. Sinto como se eles fossem uma dessas bandas que se infiltram nos DNAs e fazem parte das vidas, mesmo que você nunca tenha feito uma escolha consciente de ouvi-los (o que é um erro, porque o “Pornography”!). Eu me diverti muito e cantei mais músicas do que esperava (no DNA, eu digo!). Eles tocam por muito tempo e o setlist me matou com “Lullaby”, “Catterpillar”, “Lovesong”, “Just Like Heaven” e “Lovecats”, além de “Fascination Street”, “Boys Don’t Cry” e uma das minhas favoritas, “One Hundred Years” (queria “The Hanging Garden” pra gritar “creatures kissing in the rain!” mas a vida não é perfeita). Saí e andei quilômetros novamente e peguei carona com uma estranha.
The Cure
Setlist The Cure:
01. Plainsong
02. Pictures Of You
03. Lullaby
04. High
05. The End Of The World
06. Lovesong
07. Just Like Heaven
08. From The Edge Of The Deep Green Sea
09. Fascination Street
10. The Walk
11. Mint Car
12. Friday I’m In Love
13. Doing The Unstuck
14. Trust
15. Want
16. The Hungry Ghost
17. Wrong Number
18. One Hundred Years
19. Disintegration
BIS
20. The Lovecats
21. The Caterpillar
22. Close To Me
23. Hot Hot Hot
24. Let’s Go To Bed
25. Why Can’t I Be You?
26. Boys Don’t Cry
Veja o The Cure tocando “Lovesong”:
DOMINGO, 6 DE OUTUBRO DE 2013
Quando cheguei no domingo, já estava suspirando porque é sempre assim. Foi um dia de escolhas difíceis. Phoenix ou Tame Impala? Minha sorte foi que pouco antes do ACL, anunciaram o Deck The Hall Ball, que uma rádio daqui promove todo ano em dezembro. A lista incluía, dentre outros, Tame Impala, Arctic Monkeys e Phoenix, sem conflitos e entregues de bandeja no meu quintal. Com isso, decidi ver os australianos porque já tinha visto o Phoenix aqui em março e achei que três vezes seria um pouco excessivo e eu estava certa porque depois que voltei pra casa o Tame cancelou o DTHB, o que me fez derramar uma lagriminha. Isso sem contar que no fim de semana seguinte Austin foi alagada por um mega temporal e afogou o domingo. Foi cancelado. Se eu tivesse passado por isso não teria sido nada bom, nada mesmo.
Vi umas bandas antes do Tame Impala, mas nada que realmente tenha me chamado a atenção, principalmente porque vi que o setlist deles estava colado em uma das caixas de som então já sabia o que me aguardava mais de duas horas antes dos meninos entrarem no palco – e já estava tão feliz.
Tame Impala
Digo e repito: amo quando bandas têm a capacidade de manipular suas músicas e reinventá-las. Já fui a muitos shows burocráticos, onde a banda começa uma, pausa, duas, pausa, “obrigada, [nome da cidade] você são demais”, três, pausa, troca guitarra, quatro etc. As músicas podem ser incríveis e divertidas mas quando você já ouviu tantas vezes e vai pro show pra… ouvir a mesma coisa mais uma vez, dá a sensação que foi apenas uma playlist e duas horas depois você não está mais pensando sobre. O Kevin Parker estende as músicas, cria intros diferentes, torna “Half Glass Full Of Wine” essa maçaroca que explode cabeças, simplesmente. E “Half Glass…”, que é o encerramento perfeito e foi o closer de quase todos os shows que eu já tinha visto, de repente foi parar no meio do set, assim, sem cerimônia, porque ele faz o que quer. “Mind Mischief” amplificou as camadas mas sutis da versão do estúdio, se viu livre de 95% das letras e eu estou aqui esperando ansiosamente por uma gravação dela ao vivo pra aproveitar a maravilhosidade dezenas de vezes. E assim por diante. Melhor show junto com QOTSA, sem dúvida. Em termos de cérebro derretido.
Setlist Tame Impala:
01. Why Won’t You Make Up Your Mind?
02. Solitude Is Bliss
03. Why Won’t They Talk To Me?
04. Half Full Glass Of Wine
05. Elephant
06. Be Above It
07. Feels Like We Only Go Backwards
08. Desire Be Desire Go
09. Mind Mischief
10. Apocalypse Dreams
Veja o Tame Impala tocando “Mind Mischief”:
Então fui pro AMD ver o Atoms For Peace por causa do Flea e uma meia dúzia de músicas que gosto bastante. E o percussionista brasileiro que o Thom recrutou pra tocar berimbau e tudo o mais. O AFP é o playground do Thom e eu fiquei contente de ter “Default”, “Ingenue”, “Paperback Writer”, “Harrowdown Hill” e “Black Swan”. A surpresa ficou com Skip Divided, é hipnotizante ao vivo!
Depois disso fui caminhando pro outro lado do parque e ainda tive faixas bônus do Lionel Richie e seus clássicos Say You Say Me, Brick House (!) e fechou com We Are The World. Não tinha como terminar melhor, as pessoas dançando como se o apocalipse estivesse logo ali na esquina. Então peguei carona com um policial que trabalhou no evento e estava de pé às 5:30h da manhã pro meu vôo às 7:50h.
Atoms For Peace
Setlist Atoms For Peace:
01. Before Your Very Eyes…
02. Default
03. The Clock (Thom Yorke cover)
04. Ingenue
05. Stuck Together Pieces
06. Unless
07. And It Rained All Night (Thom Yorke cover)
08. Harrowdown Hill (Thom Yorke cover)
09. Dropped
10. Cymbal Rush (Thom Yorke cover)
BIS
11. Skip Divided (Thom Yorke cover)
12. Feeling Pulled Apart By Horses (Thom Yorke song)
13. Rabbit In Your Headlights (UNKLE cover)
14. Paperbag Writer (Radiohead cover)
15. Amok
BIS 2
16. Atoms For Peace (Thom Yorke cover)
17. Black Swan (Thom Yorke cover)
Veja o show do Atoms For Peace na íntegra:
E assim vivi feliz pra sempre.
Mentira, voltar pra realidade, é difícil, tudo é sem graça em comparação ao que vivi aqui, meu ombro descasca e ainda estou bicolor porque ninguém avisou pro Texas que era outono. Demora pra sair do mundo encantado dos festivais.