VIAGENS ORIENTAIS #1: LES RALLIZES DÉNUDÉS – ’77 LIVE

MÚSICA NO JAPÃO PÓS-GUERRA

O cenário pós-guerra no Japão não mudou apenas o modo como a sociedade japonesa se portava, mudou muito outros aspectos da vida de seus habitantes, desde suas vestimentas até sua forma de se expressar artisticamente, graças ao processo de ocidentalização que se deu naquele que sempre foi um país fechado ao resto do mundo.

No final dos anos 60, ao redor do mundo, aconteciam centenas de revoltas sociais, de pequenas e grandes revoluções no modo de pensar e se portar nos Estados Unidos, passando pela Itália e chegando até a China.

Enquanto isso, no Japão, um dos focos de rebelião estudantil e pensamento livre se dava na Universidade Doshishi, famosa por ser uma das primeiras e mais liberais universidades de todo o país, localizada na histórica cidade de Kyoto.

Foi ali que se deu o primeiro festival de “música torta” e idealista do Japão, no subsolo do “secreto Prédio A”, pra um público de quinhentas pessoas. Eram quatro bandas escaladas, sendo que as três primeiras, Mustapha, Wax e Mustang, eram bandas mais ligadas ao rock’n’roll tradicional (uma até conseguiu um hit no top 40 nacional previamente). Porém, a última banda e headliner desse festival era uma desconhecida chamada Les Rallizes Dénudés.

Vestidos todos de preto, alheios ao público e trazendo uma versão mini do “Exploding Plastic Inevitable” de Andy Warhol, culminou com os dançarinos fugindo pro fundo do palco e parte do público saindo do próprio local durante a execução de sua mais famosa música naquele tempo, “Smokin’ Cigarette Blues”.

LES RALLIZES DÉNUDÉS
“Todos os membros da banda simplesmente idolatravam Mizutani”
YAMAGUCHI, Fujio: guitarrista temporário, entre 1980 e 1981.

São dezenas de bootlegs e nenhum disco de estúdio em mais de trinta anos de existência. Uma história obscura e cercada de mistérios que vão desde o sequestro de um avião japonês, passando por apresentações lendárias regadas a distorção e estrobos, até chegar a longos exílios, como disse Julian Cope em seu Japrocksampler: “The Underground Goes Underground” (N.E.: vale ler na íntegra e buscar essas histórias). Esse é um pequeno capítulo, um aperitivo da história de Takashi Mizutani (nascido em 1948) e seu Les Rallizes Dénudés.

Maravilhado após ouvir o álbum de estréia do Blue Cheer, “Vincebus Eruptum”, e o segundo disco do The Velvet Underground, “White Light/White Heat”, em 1968, do qual ele já era admirador, Mizutani já tinha mentalizado sua fórmula pro Les Rallizes Dénudés – banda da qual era o líder supremo, de qualquer um das dezenas e dezenas de membros que por ela passaram. Essa fórmula era simples: pensando nos dias de hoje, um free-rock barulhento, psicodélico e agressivo, tanto na sonoridade quanto no visual. Essas características são claras em todas as gravações que circulam por aí, algumas com maior e outras com menor qualidade de áudio.

’77 LIVE

“’77 Live” contém uma das gravações de melhor qualidade do Rallizes em suas mitológicas apresentações ao longo da carreira. Ocorreu em uma época que Mizutani saía de um de seus exílios, esperando que o mundo que já tivesse alcançado suas idéias, o que parcialmente ainda não tinha acontecido.

O disco abre com a calma, pra níveis do Rallizes, “Enter The Mirror”, com sua base lenta e preguiçosa e acordes de guitarras esparsos e eventuais vocais cheios de eco – característica muito comum em suas gravações, acostume-se – que se estendem por mais de dez minutos.

Depois temos o caos construído sobre a melodia de “I Will Follow Him”, de Peggy March, na hipnótica “Night Of The Assassins”. A alternância entre números extremamente barulhentos e abrasivos, como “Ice Fire”, e outros de beleza incomparável, sem deixar de aproveitar a liberdade de soar alto, como “Memory Is Distant”, só terminam na sempre presente “The Last One”, a longa ode ao barulho do Les Rallizes Dénudés, que se estende cada vez por uma duração diferente, mas nunca menos de quinze minutos e chegando a bater a casa de uma hora, em alguns casos.

Nesse álbum, o volume é tudo: ele é feito pra ser ouvido alto. Cada canção é levada ao extremo e prolongada por vários minutos, alheias aos ouvintes e ao próprio tempo. Cada canção faz com que sua mãe “Sister Ray”, do Velvet, soe como uma brincadeira de criança.

“’77 Live” é apenas a ponta do iceberg, tanto pra música psicodélica e experimental, como pra música de vanguarda japonesa, que contém artistas e grupos tão obscuros e com uma história tão rica quanto a do próprio Mizutani e seu Rallizes.

E que essas histórias sirvam pra que todos nós possamos abrir nossos ouvidos e cabeças pra outros países com uma herança musical tão rica e diversificada, que infelizmente, na maioria dos casos, está fadada ao esquecimento.

Ouça “Night Of The Assassins”

“Enter The Mirror”

“The Last One”

Disco 1
1. Enter The Mirror
2. Night Of The Assassin
3. Ice Fire
4. Memory Is Distant

Disco 2
5. Far Out Deeper Than The Night
6. The Night Collectors
7. The Last One

(títulos já traduzidos pro inglês)

Lançamento: 15 de agosto de 1991
Selo: Rivista

Outros discos (bootlegs) recomendados:

“Heavier Than A Death In The Family” (2002)
Uma versão parecida com o “’77 Live”, com boa qualidade e algumas músicas diferentes.

“67-69 Studio Et Live” (1991)
A qualidade da gravação é tão ruim quanto algo gravado com uma batata, mas é uma das poucas chances de “ouvir” a banda em seu início.

“Double Heads: Legendary Live Yaneura Shibuya, Tokyo 1980-1981” (2005)
Como o nome já diz, esses lendários concertos reúnem um grande e longo acervo de material, divididos em seis CDs.

“Cable Hogue Soundtrack” (2007)
Uma das poucas compilações oficiais, feitas pelo próprio Mizutani pra trilha sonora do vídeo sobre o Rallizes lançado em 1992.

“Blind Baby Has Its Mother’s Eyes” (2003)
Outro bootleg com qualidade razoável de som, contém três longas músicas incluindo a sempre-presente “The Last One”.

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