Fãs adoram os críticos quando os críticos escrevem exatamente o que eles querem ler. Caso contrário, o autor das palavras pode ser massacrado – e pra sempre. O fã não quer saber de lógica, quer argumentos que impulsionem os motivos de sua paixão. Já gravadoras e artistas querem textos que sirvam de conteúdo pra ajudar a vender a obra. Só podem, então, ser textos positivos.
Foi-se o tempo em que críticos e alguns veículos tinham o poder crucial pra determinar se uma obra iria habitar as paradas de sucesso ou se ia simplesmente cair na lixeira do esquecimento. Hoje em dia, com a pulverização das ferramentas de fabricação de conteúdo e de opinião, qualquer um pode dizer o que acha e filtrar só as opiniões que lhe interessam – no final das contas segue sendo a mesma coisa de sempre.
Acontece que isso não quer dizer que críticos sejam deuses inabaláveis, cuja fé não possa ser contestada. Em muitos casos, quando a crítica é negativa e demolidora, só mesmo o tempo pode dizer quem tinha um tanto de razão. A vulnerabilidade dos críticos está aí, no tempo. Suas linhas ficam pra sempre. Eles podem até se redimir depois, mas a Internet tratou de imortalizar suas palavras originais e com o passar do tempo elas acabam confrontadas.
Não são poucos os exemplos de resenhas que foram traídas pela história: há muitos casos de bons escritores que viram suas impressões sobre determinada obra se tornarem risíveis a partir da relevância história e comercial que tal disco teve. A Rolling Stone tem até uma série que ri de si mesma, resgatando suas resenhas de prognósticos mais furados. Outros veículos não possuem a mesma leveza, mas todos cometem suas escorregadas.
Ora, a culpa nem sempre é do crítico, a bem da verdade. Em muitos casos, o profissional tem muito pouco tempo pra ouvir, digerir e raciocinar sobre aquela obra. Todo o resto da humanidade tem todo o tempo do mundo. Pensando assim, erros até que configuram uma pequena migalha do bolo.
Aqui, estão reunidos dez desses equívocos. Foram selecionados só textos que falaram mal de obras que o tempo se encarregou de desmentir e transformar em “clássicos” (entre aspas, porque o termo é bem subjetivo, mas são obras que de alguma forma se tornaram referências).
É preciso também pensar no contrário, ainda mais no novo século, onde a crítica, sem rubor algum, se tornou parte integrante e atuante do promocional dos artistas, produtores e gravadoras e só elogios são desferidos: quantas obras foram aclamadas como clássicos instantâneos e se tornaram um vigoroso nada na história da música? Talvez bem mais do que as retumbantes escorregadas listadas aqui, mas isso fica pra outra lista.
—
LED ZEPPELIN
Artista: Led Zeppelin
Data: 15 de março de 1969
Autor: John Mendelsohn
Publicação: Rolling Stone
“O mais recente dos grupos ingleses de blues oferece menos que seus gêmeos, o Jeff Beck Group, não tenham oferecido melhor três meses atrás, com ‘Truth’, e os excessos no disco de estreia do Jeff Beck Group aparecem em total evidência no disco do Led Zeppelin (mais notadamente a auto-indulgência). Jimmy Page, em torno do qual o Led Zeppelin gira, é, reconhecidamente, um extraordinário guitarrista de blues e explorador das habilidades do seu instrumento. Infelizmente, ele também é bem limitado como produtor e um compositor de canções fracas e sem imaginação, e o disco do Led Zeppelin sofre por ter ao mesmo tempo ele como produtor e compositor da maioria das canções (sozinho ou junto com seus companheiros de grupo) (…) ‘Babe, I’m Gonna Leave You’ alterna entre os vocais uivantes de Robert Plant, acima de um violão, enquanto a banda percorre uma progressão de quatro acordes, e John Bonham esmaga seus pratos a cada batida. A música é muito chata em alguns pontos (especialmente nas passagens vocais), bem redundante, e certamente não vale os seis minutos e meio que o Zeppelin dá. (…) Em sua disposição de desperdiçar seu talento considerável em material indigno, o Zeppelin produziu um álbum que é tristemente reminiscente de ‘Truth’. Como o grupo de Beck, eles também estão perfeitamente dispostos a fazer uma exibição de show-de-dois-homens (ou, mais precisamente, um-e-meio). Parece que, pra ajudar a preencher o vazio criado pelo desaparecimento do Cream, eles terão que encontrar um produtor (e editor) e algum material digno de sua atenção (…)”.
—
BLACK SABBATH
Artista: Black Sabbath
Data: 17 de setembro de 1970
Autor: Lester Bangs
Publicação: Rolling Stone
“A mediocridade não é a guardiã da grandeza com frequência – quando é influente, sua progênie geralmente alcança até o nadir de classificação. Mas no rock, um dos princípios fundadores é que os erros gloriosos podem se abrir pra novos estilos incríveis, tudo pode acontecer. Eis o fenômeno do Cream, que está longe de estar morto até o momento. Embora eles fossem essencialmente um grupo egoísta de artesãos preguiçosos que se aproveitavam de seus consideráveis talentos engolindo seu próprio entusiasmo, arrecadando punhados de dinheiro e voando na luz desagradável do dia, eles deixaram uma série de imitadores estudiosos que estão por aí, com visões de estrelato ocupando suas cabeças, até hoje (…) Através das vias do lado industrial do país do Cream, estão os trabalhadores não qualificados como o Black Sabbath, que foi exaltado como uma celebração ritual da massa satânica, algo como a resposta da Inglaterra ao Coven. Bem, eles não são tão ruins, mas esse é todo o crédito que você pode dar a eles. O álbum todo é um troço – apesar dos sombrios títulos de músicas e algumas letras que soam como Vanilla Fudge pagando tributo a Aleister Crowley, o álbum não tem nada a ver com espiritualismo, ocultismo, ou qualquer coisa além de recitações rígidas dos clichês do Cream que soam como se os músicos tivessem aprendido num manual, continuando com persistência obstinada. Os vocais são escassos, a maior parte do álbum está repleto de linhas de baixo pesadas sobre as quais a guitarra principal dribla os Claptonismos duros dos mais cansados dias do mestre. Eles até têm discordantes jams com baixo e violão, como loucos acelerados em todos os outros perímetros musicais, mas nunca encontrando sincronia – assim como Cream! Mas pior ainda (…)”.
—
THE BOY WITH THE ARAB STRAP
Artista: Belle & Sebastian
Data: 1º de outubro de 1998
Autor: Jason Josephes
Publicação: Pitchfork
“Mediocridade não é um crime previsto em lei, mas se fosse, Belle & Sebastian deveriam estar saboreando sua última refeição nesse momento. O septeto escocês, que fez de fato um álbum maravilhoso ano passado chamado ‘If You’re Feeling Sinister’, decidiu parodiar a si próprios na sua estreia estadunidense, ‘The Boy With The Arab Strap’. E que belo trabalho eles fizeram, nesse sentido (…) Estas são músicas tão grudentas que deveriam estar penduradas no ouvido de Ben Stiller, e eu não me refiro a isso de uma maneira boa (…)”.
—
ABBEY ROAD
Artista: The Beatles
Data: 5 de outubro de 1969
Autor: Nik Cohn
Publicação: The New York Times
“(…) grande variedade de invenção melódica. Diante de uma confusão gigantesca de músicas, todas empilhadas umas sobre as outras, não há como escapar do fato de que a dupla Lennon-McCartney escreve um número prodigioso de canções verdadeiras. Não apenas rifes e padrões, mas a coisa real, melodias genuínas. Acontece que a maioria das falas aqui são roubadas, parcialmente roubadas de outras pessoas e em parte de outros álbuns dos Beatles. O fato é que ninguém mais no rock poderia ter alcançado o mesmo resultado. (…) há talvez quinze músicas em tantos minutos – todos eles instantaneamente humildes, todos eles hits em potencial. É um tour de force e é fantástico. (…) A grande desvantagem são as palavras. Houve um tempo em que as letras dos Beatles eram uma de suas maiores atrações. Não mais. (…) Tudo isso mudou agora. Em ‘Abbey Road’, as palavras não têm pulso firme, são pomposas e falsas. Claramente, os Beatles já ouviram tantos relatos de seu próprio gênio que passaram a acreditar neles, e tudo aqui está inundado nesse sentimento. (…) Dito isto, devo afirmar também que o resto deste álbum é um desastre absoluto (…)”.
—
(WHAT’S THE STORY) MORNING GLORY?
Artista: Oasis
Data: 30 de setembro de 1995
Autor: David Stubbs
Publicação: Melody Maker
“(…) O Oasis é criticado por ser retrô, ter fixação nos anos sessenta, ser obcecado pelos Beatles. Mas esse não é o problema. O ponto principal dos Beatles é que eles delegaram ao pop e ao rock um som que era translúcido, atemporal, em vez de um mero símbolo dos anos 60. Ainda haverá pessoas encontrando coisas que valem a pena fazer com esse legado daqui a cinquenta anos. O Oasis olha pros Beatles pra encontrar maneiras de alcançar a transcendência e eles até conseguem, sem dúvidas. O problema é que eles não conseguem com frequência (…). Em outras palavras, ‘What’s The Story…’ é ocasionalmente sublime, mas muitas vezes trabalhado e preguiçoso. Por aí, pode-se dizer que o Oasis é uma banda limitada. (…) Sua música é boa e original. No entanto, a parte que é boa não é original e a parte que é original não é boa (…)”.
—
SONGS OF LEONARD COHEN
Artista: Leonard Cohen
Data: 9 de março de 1968
Autor: Arthur Schmidt
Publicação: Rolling Stone
“Há, em ‘The Favorite Game’, o primeiro romance de Leonard Cohen, várias cenas nas quais as pessoas pedem ao herói (presumivelmente Cohen, já que todo o resto se encaixa) pra cantar. Um amigo meu leu o livro e terminou com uma pergunta: se o sujeito era Leonard Cohen, por que eles continuavam pedindo pra ele cantar? Eu acho que isso é irreal – quanto mais eu ouço este LP, mais eu gosto da sua voz. É uma voz estranha – ele alcança todas as notas, mas entre cada nota ele recua pra um lugar atonal – suas músicas recebem assim um ritmo adicional extremamente necessário. O disco como um todo é outro assunto – eu não acho que poderia tolerar tudo isso. Há três músicas brilhantes, uma boa, três ok, e três são merdas flamejantes. O problema é que, se o homem é um poeta ou não (e ele é um poeta brilhante), ele não é necessariamente um compositor; seus três sucessos (‘Suzanne’, ‘The Master Song’ e ‘The Stranger Song’) são histórias, baladas cuja progressão de significado se tornam mais importantes pra Cohen do que sua bolsa poética cheia de truques. Em outro lugar, esse tipo de delicadeza, submetida às rígidas exigências da música, não se sustenta”.
—
OK COMPUTER
Artista: Radiohead
Data: 1997
Autor: Robert Christgau
Publicação: Village Voice
“Meu álbum favorito do Pink Floyd sempre foi ‘Wish You Were Here’, e você sabe por quê? Tem alma, é por isso – é o lamento de Roger Waters por Syd, não a minha ideia de um herói trágico, mas contanto que ele seja de Roger, isso não importa. O Radiohead não saberia reconhecer um herói trágico se eles estivessem diante de um, e sua ideia de alma é Bono, que eles imitam além da conta, com o risco de parecer ainda mais ridículos do que eles já parecem. Então, em vez disso, eles colocam os vocais de Thom Yorke em suficiente superioridade eletrônica marginal pra alimentar uma cidade em brasa por um mês. Seu art-rock tem efeitos sonoros muito melhores do que o Floyd em ‘Dark Side Of The Moon’. Mas é menos abrangente e árido demais”.
—
SCREAMADELICA
Artista: Primal Scream
Data: 26 de dezembro de 1991
Autor: David Rothschild
Publicação: The Chicago Tribune
“Este trio pop-rock-copy-and-paste de Glasgow, Escócia, espalha-se em tantas direções musicais, que quase pertence à lixeira das novidades. Num minuto estamos numa danceteria acid-house dos anos 90 tocando o violão acústico de Keith Richards, no outro somos transportados pra uma versão pateta de segunda mão da produção teatral original de ‘Hair’. Primal Scream – formado em 1984 pelo ex-membro do Jesus And Mary Chain Bobby Gillespie – é tão variado e derivativo que você se perguntará se o seu CD player entrou no modo aleatório ‘clássicos do rock’ das madrugadas. ‘Screamadelica’ consegue ser contemporâneo de vez em quando, mas a qualidade mais moderna do álbum é revelada em sua reinterpretação do que já foi feito”.
—
NEVERMIND
Artista: Nirvana
Data: 26 de dezembro de 1991
Autor: Steve Morse
Publicação: The Boston Globe
“A maior parte de ‘Nevermind’ está repleta de um punk-pop genérico que já foi feito por inúmeras bandas como Iggy Pop e Red Hot Chili Peppers. A banda tem pouco ou nada a dizer, se contentando com divagações bestas do cantor e letrista Cobain, que tem uma tendência idiota de soar como um Rod McKuen do hard rock“.
—
FUNERAL
Artista: Arcade Fire
Data: 11 de outubro de 2004
Autor: Casey Rae-Hunter
Publicação: Dusted Magazine
“As virtudes do Canadá como um refúgio pra mentes criativas estão sendo exaltadas por artistas independentes em toda a América do Norte, e a mitologização da ‘estética canadense’ está agora em pleno andamento. É um processo que, às vezes, mina a objetividade na avaliação de grupos do país – e muitas vezes pode ofuscar os méritos de uma banda, bem como suas falhas. Vindo de Montreal, a estréia do Arcade Fire é impressionante, mas um excesso de elogios tem sido direcionado pra banda por formadores de opinião tentando mastigar e cuspir o próximo ícone do underground. (…) Há algo de insípido no som da banda, cheio de instrumentação aberta e produção nebulosa, e não sem suas desvantagens. ‘Neighbourhood # 2’ sofre com a aflição comum de guitarras irregulares, quando esta tendência vai parar? “Neighborhood 4” também não é um farol de originalidade, mas sim o pior do Modest Mouse, que até se redime, com uma guitarra inteligente e letras expressivas. (…) Há momentos de esplendor, mas é triste ouvir a banda constantemente se transformando em batidas dançantes comuns. Este território foi bem explorado e o Arcade Fire possui visão suficiente pra descartar uma postura obsoleta. Há simplesmente muita promessa criativa nesse grupo pra desperdiçar. A música ‘Wake Up’ é uma beleza feia que lembra Camper Van Beethoven, e oferece um refrão crescente que empurra a voz de Chassagne pro primeiro plano. O grandioso arranjo leva os soldados adiante, antes de entrar em uma trágica e cômica coda com um piano de salão arrancando as cordas do coração partido. Neste número, o grupo novamente atinge todos os pontos certos – otimismo diante da tragédia – e dança no coração da fúria. Se houvesse mais músicas como essa no disco, ‘Funeral’ seria um ótimo álbum. Desfigurado por clichês indie-rock e ocasionalmente por um esforço excessivo, continua sendo frustrante”.