Lá se vão trinta e cinco anos. Alan McGee era um funcionário da empresa ferroviária britânica, mas a paixão por música era mais forte. O “Communication Blur”, seu zine lançado nessa época, logo se transformou naquele que viria a ser um dos selos mais importantes da história, o Creation. Pra começar o negócio, ele precisou de um empréstimo de mil libras.
Nos primeiros meses, lançou singles de bandas obscuras e outras nem tanto, como o Biff Bang Pow!, mas nada tão relevante. O que importava era se divertir e se sentir importante na cena. McGee tinha só vinte e três anos de idade.
Um dos artifícios era promover shows. Assim, McGee começou a “The Living Room”, uma noite semanal onde poderia apresentar seus artistas do selo.
O evento acontecia no The Adams Arms (que agora é o Lukin), na Conway Street, em Camden, Londres. McGee conseguiu uma sala no andar de cima, onde nos anos 1970 funcionou um palco pra artistas folk, chamado Dingles. Ali, cabia um público apertado de até cento e cinquenta pessoas, mas o bravo e insistente McGee sabia que conseguir tudo isso era uma vitória inenarrável. Foi o Television Personalities que tocou na primeira noite, em agosto de 1983. O primeiro LP da Creation, lançado exatamente um ano depois, foi um compilado de gravações que aconteceram na “The Living Room”, chamado “Alive In The Living Room”.
Alan McGee é escocês e ele fazia questão de levar pra sala seus conterrâneos, entre eles Jasmine Minks, The Pastels e, claro, Primal Scream, formado pelo seu melhor amigo, Bobby Gillespie, além de Jim Beattie e uma bateria eletrônica.
McGee e Gillespie se conheceram na escola e tiveram uma banda juntos, a Drains, em 1978, que também contava com Andrew Innes (Biff Bang Pow!, Revolving Paint Dream e Primal Scream). A banda não durou muito. McGee e Innes foram pra Londres e Gillespie formou o Primal Scream com outro amigo, Beattie.
“Não era uma banda de verdade, daquelas que fazem shows de verdade”, disse certa vez Gillespie. “Nós éramos completamente dissonantes. Não era música, era apenas quebrar uns troços e gritar. Era como dois caras brincando. Você sabe, pegar um pedaço de metal e usar como bateria, e daí ligar a guitarra. Nós estávamos apenas fazendo barulho no quarto de Jim e chamamos aquilo de Primal Scream. Essa banda estava apenas em nossas cabeças. Realmente não existia, mas nós fazíamos um som toda noite só pra fazer alguma coisa”.
Em outra entrevista, disse: “no começo, era uma coisa experimental, apenas Jim Beattie e eu tentando aprender a fazer música. Eu batia em latas de lixo e em pedaços de metal. Havia essa grande chaminé, um poço de aquecimento central de metal ou algo assim, Jim batia nela com as mãos e eu tocava um acorde na guitarra e nós dois gritávamos e berrávamos. Isso foi tudo o que fizemos quando começamos a banda, apenas um caos total. Ruído, frustração, alegria”.
Assim que deu, Gillespie se picou pra Londres pra ver os amigos, que já tinham formado uma banda (com Ken Popple e Mark Jardim), a Laughing Apple (ouça aqui e outra aqui). O quarteto-às-vezes-trio lançou um EP e dois singles pela Autonomy Record, que era uma etiqueta formada pelo próprio McGee, já que nenhuma gravadora de respeito queria peitar a empreitada. Foi Gillespie quem fez as capas.
Gillespie viu todo o nascimento do zine e, então, da Creation e da “The Living Room”. Quando montou o “The Living Room”, McGee quis preencher uma de suas noites com a banda do amigo. Era uma ajuda de ambos os lados: Gillespie não tinha palco pra sua aventura musical até então – o Primal Scream já havia se apresentado localmente em 1982, mas o próprio Gillespie não considera aquilo nada “oficial”.
“Bob diz que não foi o primeiro show deles, mas foi o primeiro que eles foram anunciados como Primal Scream. Era Bob e Beattie e uma tape machine, e ele pareciam o PIL ao vivo”.
Essa apresentação aconteceu dia 13 de agosto de 1983. Foi no andar de cima do The Adams Arms e tinha também a estreia ao vivo de outra grande banda, a Jasmine Minks (além do Television Personalities). No palco, so Bobby e Beattie, os dois se alternando nos vocais. No total, cinco músicas e treze minutos de uma apresentação pra não mais que duas dezenas de pessoas.
Quem gravou esse material e publicou as fotos da dupla ainda nos vinte anos foi Paul Groovy, que tinha um zine chamado “Groovy Black Shades” (hoje com algum material na Internet, com muita coisa rara).
A apresentação você ouve aqui, na íntegra:
A brincadeira no The Adams Arms não durou muito. Em 1984, McGee teve mudar o “The Living Room” pra outro endereço e ali vai começar o segundo momento da alvorada da Creation, quando ele e Gillespie vão dar ao mundo outra grande banda, The Jesus & Mary Chain, texto que você pode ler aqui.