Em 24 de setembro de 1991, com o lançamento de “Nevermind”, a obra-prima mercadológica do Nirvana, o mundo passou a se moldar de uma outra forma. Tende-se, então, a achar que esse foi o pontapé inicial pra uma nova maneira de vender música. Até certo ponto, foi mesmo. Mas a revolução partiu de algumas cabeças de marketing, porque era preciso, caso contrário o Nirvana e todos os correlatos ainda ficariam enterrados nos subterrâneos e restritos aos poucos garimpeiros mais espertos.
O grupo vinha de Aberdeen, Washington, nos arredores de Seattle, no extremo noroeste dos Esteites, um local totalmente sem a menor relevância cultural, diante de potências como Nova Iorque, Califórnia, Chicago e Nova Orleans, pra ficar nas mais globais. Mas o Nirvana mudou isso. A referência ensolarada e hippie a um estágio da iluminação budista era só uma boa piada. Apesar disso, o grupo tocava música pesada e ensurdecedora – porque, se o fracasso parecia uma conclusão antecipada, por que não se divertir?
O senso de ironia lúdica do Nirvana, que você podia ouvir em sua música, separou a banda de muitos de seus pares da desgraça e melancolia no que se tornaria conhecido como “a cena de Seattle”. Em 1989, o Nirvana assinou com a Sub Pop Records de Seattle e lançou seu primeiro álbum de estúdio, “Bleach”.
O Nirvana tinha uma reputação de escrever músicas surpreendentemente cativantes e de apresentar shows ao vivo caóticos. Estes shows giravam em torno de seu carismático vocalista e guitarrista, Kurt Cobain. Ele tinha presença. Aos olhos dos grandes executivos, talvez ele pudesse se posicionar como um novo tipo de estrela anti-rock.
As estações de rock comerciais eram dominadas por bandas como Guns N ‘Roses, Bon Jovi, Skid Row e Van Halen, que estavam em dívida com um estilo pesado e teatral, cheio de grandes solos de guitarra e cabelos ainda maiores. Eram o espelho do machismo na música, aqueles caras machões em suas calças apertadas de couro e mulheres sempre exageradamente maquiadas se derramando aos seus pés. De vez em quando, essas bandas se permitiam uma ou outra balada de amor com drogas e perdas e tals pra agradar os pais dos adolescentes – “olha, não é que o rock não é tão ruim assim?”.
As rádios universitárias até tentavam algo diferente, com REM, Depeche Mode, U2, The Replacements, Violent Femmes, The Smiths e… Pixies. Mas em qualquer subúrbio estadunidense naquela época, essas outras opções ainda eram um desafio a ser encontrado. E parecia evidente que os músicos que rejeitavam o profissionalismo mainstream permaneceriam à margem do grande público.
Quando o Nirvana lançou seu segundo álbum, “Nevermind”, tudo mudou – pro adolescente espinhudo e nerd, tanto quanto pro ecossistema da música pop. A banda, que agora consistia de Cobain, o baixista Krist Novoselic e o baterista Dave Grohl, assinou contrato com uma grande gravadora, a Geffen Records, que no início de sua trajetória investia em artistas como Donna Summer, John Lennon And Yoko Ono (lançando o último disco antes do Beatle ser assassinado), Berlin, Kylie Minogue, Enya, Asia, Elton John, Irene Cara, Cher, Debbie Harry, Peter Gabriel e outros do quilate de paradas de sucesso. David Geffen, o fundador, tinha faro pro negócio. Ele tirou o Whitesnake da Mirage e praticamente fez ressurgir o Aerosmith (“Pump”, de 1989, o terceiro pelo selo, foi um sucesso avassalador). O Guns N’Roses também foi parar nas suas asas, lançando todos os discos da banda.
Entretanto, todos esses nomes faziam parte desse mainstream já moldado da música estadunidense. Alguns anos antes de lançar “Nevermind”, a Geffen havia começado a apostar que o “rock alternativo” – uma categoria que começou a aparecer nas paradas da Billboard naquela época – poderia ser um nicho rentável. A gravadora havia assinado com o Sonic Youth, pioneiros respeitados da cena de rock de vanguarda de Nova Iorque e uma banda cuja trajetória e escolhas Cobain admirava. Talvez houvesse uma estranha excitação em contrabandear algo incomum para o mainstream. Talvez Geffen pudesse fazer isso porque simplesmente jorrava dinheiro – ele viria a fundar em 1994 a Dreamworks, com Steven Spielberg e Jeffrey Katzenberg, além do recém-falecido (em outubro de 2018) co-fundador da Microsoft, Paul Allen. Era um milionário que brincava de apostar em arte, mas não brincava em serviço: não há menção de algum negócio seu que tenha ido pro buraco. A capa de “Nevermind”, que mostrava um bebê nu nadando em direção a uma nota de um dólar, parecia uma alusão astuta e hilária com o fato de assinar com a Geffen.
O primeiro álbum do Nirvana, “Bleach”, tinha sido produzido por apenas seiscentos dólares, e mais ou menos soava como o que esse valor podia pagar: abafado, sombrio, como canções dos Beatles engolidas pelo ruído. “Nevermind” custou muito mais e houve muito mais trabalho em cima. Como “Bleach”, apresentava músicas que alternavam entre guitarras distorcidas e melodias doces e cativantes. Mas o novo álbum era mais bonito e mais dinâmico, impulsionado pela bateria explosiva de Grohl e pelas linhas de baixo amigáveis de Novoselic. Havia mais espaço pra Cobain cantar e cantarolar, não apenas gritar – embora ele também fizesse isso.
O retrato perfeito do som recém-refinado do Nirvana era “Smells Like Teen Spirit”, que Cobain mais tarde descreveu como sua tentativa de escrever “a música pop definitiva”. Cobain admirava como os Pixies podiam passar de sons “suaves e quietos” pra “barulhentos e pesados”. Ali, ele próprio havia conseguido – e era possível comparar com, por exemplo, “Where Is My Mind?”, lançado em 1988.
Em 29 de setembro de 1991, o videoclipe de “Smells Like Teen Spirit” estreou no programa de música alternativa de fim de noite da MTV, o “120 Minutes”. O vídeo passou rapidamente do nicho do “120 Minutes” pro “Buzz Bin” – a vitrine da MTV pra bandas emergentes, aquelas que a emissora considerava “a próxima grande novidade” – pra uma rotação constante.
“Nevermind” tinha um complexo rol de músicas dispostas a fazer sucesso. O Nirvana logo seria a maior banda do país, mas, naquele momento, pra um adolescente qualquer que procurava algo novo, ainda parecia um segredo.
À medida que o Nirvana se tornou mais popular, era estranho mas não incomum ouvir a banda no rádio ou vê-la na MTV durante o dia. Era possível até mesmo ouvi-la numa rádio de hip-hop. Ao contrário das bandas no topo das paradas de rock mainstream, uma linhagem de homens com cabelos enormes e ondulados e calças justas de couro, o Nirvana parecia jovem e espontâneo. Seus membros pareciam diferentes das outras estrelas do rock. Era muito mais fácil se vestir como eles.
Ninguém – nem a gravadora, nem seus empresários, ou a própria banda – estava preparado pra velocidade de sua ascensão. Em janeiro de 1992, “Nevermind”, que estreou modestamente no número 144 na parada de álbuns da Billboard, assumiu o primeiro lugar (defenestrando “Dangerous”, de Michael Jackson). O álbum acabaria se tornando diamante, vendendo mais de dez milhões de cópias somente nos Esteites.
De fato, foi emocionante ver algo tão inesperado decolar assim. Pro jovem cansado do mainstream, o Nirvana não tem glamour, o estilo faça-você-mesmo foi uma reação bem-vinda contra aquele rock extremamente posado que dominou a MTV por tanto tempo. O Nirvana era como um intruso no templo, fazendo essas bandas parecerem bárbaras e instantaneamente irrelevantes. Mas o Nirvana também estava tocando em algo maior: um mundo emergente e distante da cultura jovem que era orgulhosamente, às vezes autoconscientemente, “alternativo”. Um novo espectro de identidades e formas criativas parecia se infiltrar no mainstream, e as possibilidades eram emocionantes.
Assim, não é possível determinar se “Nevermind” é causa ou efeito. De Sonic Youth a Pixies, o Nirvana não estava sozinho nessa reviravolta do mercado. O certo é que o sucesso do Nirvana e de outras bandas de Seattle, incluindo Pearl Jam, Soundgarden e Alice In Chains, mudou a indústria da música. A explosão de “Nevermind” sugeriu que as chamadas bandas e nichos alternativos poderiam ser comercialmente viáveis – não apenas como produtos estáveis e de baixo risco, mas como a próxima grande coisa de fato. Grandes gravadoras começaram a despejar montes de dinheiro em pequenas bandas ao estilo do Nirvana que tocavam um tipo semelhante de rock “grunge”.
Uma delas era a Jawbox. Em 1994, a banda de hardcore tinha passado os cinco anos de sua existência tentando viver de acordo com um certo padrão ético punk-rock estabelecido por Fugazi, Rites Of Spring e outras bandas desafiadoras auto-suficientes.
De acordo com seu guitarrista, Bill Barbot, a banda fazia “parte de uma comunidade que não recebia atenção da indústria da música, da imprensa musical e das grandes gravadoras, e isso nos estimulou falar um ‘foda-se’ pra todos”.
O Jawbox teve a sorte – ou a falta dela, como vamos ver – de soar um pouco como o Nirvana. Em janeiro de 1992, cada grande gravadora de repente precisava de seu próprio Nirvana, e tinha muito dinheiro pra encontrar um.
A Corrida do Ouro do Grunge foi um período único de três anos, de 1992 a 1995, quando bandas anti-tudo como Butthole Surfers, Fetus e Ween tiveram benfeitores que lhes pagaram centenas de milhares, até milhões, pra fazer o que eles sempre fizeram. Nesse meio, na rede da indústria fonográfica durante esse período, estavam os novos superastros do rock (Pearl Jam, Stone Temple Pilots, Tool) e os fracassos comerciais que nunca fecharam negócio com uma grande gravadora (Cell, Quicksand, Steel Pole Bathtub, Jawbox).
“Você podia formar uma banda, e falar que Cobain a citou. Os Melvins foram o maior exemplo. Kurt gostava do Melvins, então todos tinham que assinar com o Melvins”, lembra Janet Billig Rich, que passou o início dos anos 1990 gerenciando bandas como Nirvana, Smashing Pumpkins, Hole e Lemonheads. “Todo mundo ficou um pouco chocado. Tudo ficou muito fácil porque era esse o negócio – o Nirvana se tornou um negócio”.
Esse novo negócio centrado no grunge destruiu instantaneamente as carreiras de estrelas de metal farofa, de Poison a Bon Jovi. “Eu me lembro distintamente de ver uma mulher de relações públicas se escondendo em um escritório porque os BulletBoys apareceram e ela queria deixá-los – e essa era uma banda que, um ou dois anos antes, vendia uma tonelada de discos”, lembra Larry Hardy, fundador do selo In The Red TRecords e um caça-talentos da Warner Bros. durante o período. “Agora todo mundo estava procurando o próximo Nirvana”.
Joe Bosso, da Polydor Records, um especialista em metal que havia contribuído como editor da Guitar World, imediatamente assinou com a Maximum Rocknroll, uma venerável (e ainda ativa) revista de punk-rock. Bosso, ele próprio um especialista em relacionamentos com artistas, parou de prestar atenção a influentes agentes e advogados que estavam “comprando algo meio cansado” e enfatizava clubes sujos como o Brownies e o CBGB em Nova Iorque. “Começamos a procurar bandas com títulos de uma palavra, como o Truckdriver”, lembra.
Mike Gitter, um especialista em punk-rock que estava começando como caça-talentos pra Atlantic Records, casa dos veteranos White Lion, Ratt e Mr. Big, tinha sido amigo do vocalista do Jawbox, J. Robbins, e começou a ir a shows da banda e, em 1993, ofereceu um contrato de gravação. Com a ajuda de um advogado e de um promotor de concertos de Chicago que eles conheciam, a Jawbox negociou um adiantamento de US$ 100 mil pra fazer sua estréia na Atlantic, “For Your Own Special Sweetheart”, que todos esperavam que fizesse deles estrelas da música. Depois de impostos e despesas, o adiantamento se transformou em “nada”, lembra Barbot. A Jawbox também recebeu um adiantamento de US$ 75 mil da gigante Warner/Chappell. “Pra eles, foi como um erro de arredondamento, mas pra nós, por cerca de três semanas, estávamos rolando em dinheiro”, acrescenta Barbot. Os membros da Jawbox pagaram empréstimos universitários e dívidas de cartão de crédito.
“Tudo parecia certo”, lembra Ken Weinstein, promotor da banda na Atlantic à época. Como parte da estratégia de lançamento, Weinstein contratou uma sessão na revista Details, em uma mercearia abandonada em Secaucus, Nova Jersey, com o fotógrafo de celebridades David LaChapelle. Jawbox se sentiu estranho com a oportunidade, mas confiou em Weinstein e concordou. A banda deixou Nova Iorque em um trailer às nove da noite, mais ansiosa e mal-humorada do que o normal, porque eles estavam programados pra fazer uma turnê pela Europa no dia seguinte. O tráfego na área de Nova Iorque os colocou na estrada por duas horas e, quando chegaram, esperaram por mais quatro ou cinco horas, enquanto LaChapelle e sua equipe preparavam a loja. Um grande equipe estava à mão, incluindo técnicos de câmeras e iluminação e extras; a drag queen cabeluda que retratou um comprador suburbano; um cara drogado embalando um salame. Robbins estava tão desanimado em trair seus princípios punk pra uma sessão de fotos extravagante que passou todo o seu tempo de inatividade em um bar no final do quarteirão. Esse foi um dia humilhante pra banda.
Apesar da grande publicidade, “For Your Own Special Sweetheart”, de 1994, embora aclamado pela crítica, vendeu apenas cem mil cópias – um fracasso devastador naqueles dias (mas o suficiente pra estrear em primeiro lugar no mundo de hoje, cujas vendas físicas meio que se esgotaram).
Jawbox continuou em turnê, mas a banda não conseguiu resistir à falta de sucesso comercial. Fez mais um disco pra Atlantic, que não vendeu nada (“Jawbox”, 1996), antes de se separar em 1997. Hoje, Robbins continua fazendo música (seu primeiro álbum pós-Jawbox é quase desafiadoramente não-melódico). Barbot desenvolve e projeta sites pra fundações sem fins lucrativos. A baixista Kim Coletta acabou professora e bibliotecária. E o baterista Zach Barocas foi pra escola de cinema e se tornou escritor, diretor e músico.
A busca pelo novo Nirvana foi semelhante à época em que executivos em ternos bem cortados perseguiram bandas de rock psicodélico na esteira do Grateful Dead, no final dos anos 1960. A diferença dessa época é que as grandes gravadoras estavam mais ricas do que nunca, graças à combinação de vendas de CDs, MTV e superestrelas pop, como Michael Jackson e Whitney Houston. Em 1992, o ano em que “Nevermind” estourou, as vendas totais de discos aumentaram pra quase 900 milhões e um valor de mais de US$ 9 bilhões, de acordo com a Recording Industry Association Of America. O período de longa duração do hip-hop começou na mesma época, graças aos gordos orçamentos de marketing das gravadoras, MTV e, o mais importante, novos talentos como o 2Pac, o Dr. Dre e o Snoop Doggy Dogg.
Cada grande gravadora enviava pelotões de caça-talentos por todo o mundo, armados com orçamentos anuais de até US$ 100 mil pra cada banda minimamente decente (ou às vezes nada decente), que vestissem camisas de flanela produzindo ruído dissonante de guitarra. Helmet, uma banda desconhecida, que tinha o poder do Nirvana, mas nenhuma de suas melodias amigáveis pra tocar no rádio, assinou com a Interscope Records por um valor estimado em US$ 1 milhão. Dave Katznelson, vice-presidente da Warner Bros Records, pagou a Larry Hardy, da In The Red Records, US$ 5 mil por banda pra ele ficar antenado sobre novas descobertas, como a Jon Spencer Blues Explosion. A Virgin Records gastou mais de US$ 1 milhão no Royal Trux, sem perceber que havia apenas duas pessoas na banda; Jennifer Herrema e Neil Hagerty tiveram que se esforçar pra encontrar músicos pra tocar com eles, pra que pudessem fazer uma apresentação no Viper Room, em Los Angeles, na Sunset Strip, pros muitos olheiros envolvidos nessa disputa de contratos.
“A Geffen foi a primeira a ligar”, lembra Herrema. “Eles pagaram pelos vôos de todos, hotéis por dez a doze dias. Eles nos colocaram em um estúdio em Glendale. Estávamos tipo, ‘foda-se, alguém vai financiar algo bacana pra nós'”.
Algumas das bandas, como a Royal Trux, conseguiram segurar a grana inesperada muito tempo depois dos seus álbuns terem fracassado e as gravadoras as terem largado. Os membros da Royal Trux mantiveram o seu agente, fizeram investimentos sólidos – e vivem do dinheiro até hoje.
“Eu possuo uma casa”, diz Herrema. “Nós realmente não ferramos com tudo, ficou o dinheiro”. Outras bandas aprenderam rapidamente o quão inconsistentes esses avanços das gravadoras poderiam ser. Enquanto os advogados, produtores, estilistas e diretores de vídeo ficaram ricos, as bandas muitas vezes acabaram com pequenas quantias. O adiantamento de US$ 1,5 milhão que a Geffen Records deu à Cell, uma promissora banda de punk-rock, por um contrato de sete discos, se transformou em cerca de US$ 30 mil por membro, o suficiente pra deixar o emprego – e se arrepender mais tarde. Seu segundo álbum, “Living Room”, de 1994, foi um fracasso tamanho que a banda logo se separou.
Além do grunge, bandas igualmente barulhentas de punk e metal (e hip-hop… mas isso é uma outra história) foram alvos de elaborados leilões na época. Ou, como o ex-vocalista do Circle Jerks e Black Flag, Keith Morris, os chama: apostas em corridas de cavalos. Sua banda Bug Lamp, no início dos anos 1990, recebeu ela mesma uma oferta de US$ 300.000, antes do grupo se desintegrar sem nunca gravar nada. “De repente, havia muitas oportunidades e essas gravadoras ultra-mega-corporativas, maiores do que Deus, estavam montadas em mais dinheiro do que o Fort Knox”.
O primeiro passo da Atlantic Records nessa Corrida do Ouro do Grunge foi promover Danny Goldberg – um vice-presidente sênior de A&R que passou grande parte da década anterior gerenciando bandas abrasivas e barulhentas como Hole, Sonic Youth, The Beastie Boys e o próprio Nirvana – a presidente. “Foi um momento em que a Atlantic precisava acompanhar essa era do rock’n’roll”, diz Goldberg hoje. “Havia pessoas que tinham um histórico no rock pós-moderno ou alternativo ou punk ou grunge mais específico do que eu, mas não havia dúvida de que a afiliação com o Nirvana era uma enorme fonte de credibilidade pra falar com muitos dos tipos de artistas que tentamos assinar – e assinamos – na Atlantic”.
Goldberg rearranjou imediatamente os móveis, enfatizando o novo gênero de “rock alternativo” às custas de suas estrelas de metal. Em seu primeiro dia no trabalho, os representantes da área de A&R, Jason Flom e Tom Carolan, pediram a ele que se reunisse com uma nova banda, Mighty Joe Young, que logo mudaria seu nome para Stone Temple Pilots. Várias gravadoras rivais também estavam atrás da banda, mas a Atlantic venceu por causa das conexões com o Nirvana de Goldberg. O Lemonheads, que havia vendido apenas trinta mil cópias de seu álbum de 1990, “Lovey”, de repente tinha um orçamento de marketing da Atlantic Records – em breve “It’s A Shame About Ray” estava no rádio e Evan Dando era um superstar. Flom, um especialista em metal, acompanhou o fluxo, informando Goldberg sobre uma música estranha de uma das bandas mais estranhas da gravadora – “Detachable Penis”, de King Missile. Goldberg concordou que poderia ser um sucesso no cenário pop bizarro que o Nirvana criou. Foi parar na MTV.
Sob a batuta de Goldberg, a Atlantic contratou um artista com nenhuma habilidade mínima pra vender discos nos anos 1990, e possivelmente em década alguma: Daniel Johnston, um talentoso cantor e compositor do Texas, que lutava diariamente com transtorno bipolar e outras formas de doença mental. Johnston havia se mudado da casa de sua família em West Virginia pra morar sozinho em Austin, Texas, e em 1980 começou a lançar cassetes de sua voz carinhosamente alta, tocadas com violão e o ocasional teclado metálico. Uma gravadora independente, a Homestead, começou a lançar a música de Johnston em discos. A notícia se espalhou sobre este compositor brilhante, mas conturbado, ao ponto de Kurt Cobain do Nirvana usar uma camiseta da Johnston na MTV. “Esse foi o divisor de águas”, lembra Jeff Tartakov, que fez amizade com Johnston em 1985 e se tornou seu empresário.
Yves Beauvais, especialista em jazz e homem de longa data da Atlantic, era um fã de Johnston e queria levá-lo como um projeto pessoal. Beauvais era próximo do co-fundador do Atlantic, o falecido Ahmet Ertegun, e ele propôs dar a Johnston um acordo semelhante ao de um músico de jazz. Talvez ele acabasse vendendo entre vinte e cinco e cinquenta mil álbuns, mas ainda valeria a pena pelo prestígio de ter um artista amplamente respeitado na gravadora. A Atlantic ofereceu a Johnston um acordo baixo – menos de quinhentos mil dólares – por sete álbuns (setenta mil por álbum). Mas a Atlantic se reservou o direito de largar Johnston depois de qualquer um dos álbuns. Acabou fazendo apenas um, em 1994, “Fun”. Produzido pelo espírito afinado de Austin, Paul Leary do Butthole Surfers, “Fun” era um álbum focado e hard-rocking, preenchido com arrotos espontâneos, o que sugeriu, de forma breve e improvável, que Johnston realmente poderia ser o próximo Nirvana. O álbum vendeu cerca de dezesseis mil cópias e Atlantic saltou fora, mas esse dinheiro (assim como um lucrativo acordo de publicação) ainda mantém Johnston.
“Eles começaram a relançar essas fitas antigas, sabe?” – Johnston, hoje com 57 anos, fala de seus anos na Atlantic. “Elas ficaram muito populares e eu sou um homem rico por causa disso”.
Durante a Corrida do Ouro do Grunge, Mike Gitter, o caça-talentos da Atlantic que contratou Jawbox, não conseguia acreditar em quanto dinheiro estava conseguindo pra fazer seu trabalho. Ele tinha uma conta de despesas de US$ 25.000 a US$ 30.000 por ano, destinada a levar bandas pra restaurantes e bares. “Estávamos todos vivendo vidas muito excitantes, dinâmicas e bem alimentadas”, diz Gitter. Ele sabia que as bandas barulhentas do selo de Ian MacKaye, do Fugazi, o Dischord Records, tinham credibilidade automática com o público do Nirvana e eram capazes de vender ingressos pra shows. Não importava que MacKaye não chegasse perto de uma grande gravadora – executivos se aproximaram de MacKaye. E enquanto alguns na indústria musical dizem ter ouvido rumores de ofertas multimilionárias, ele diz que as discussões nunca evoluíram pra tais números. “Nunca estávamos com fome nem disponíveis”, diz MacKaye.
Durante um show de setembro de 1993 no Roseland Ballroom, de Nova Iorque, Ahmet Ertegun, da Atlantic Records, “apareceu misteriosamente” no camarim de Fugazi depois que a banda terminou de tocar, diz MacKaye. Ele não tinha ideia de quem era Ertegun, e quando Ertegun disse que ele trabalhava pra Atlantic, MacKaye supôs que ele apareceu pra ver a Jawbox abrir o show, já que eles assinaram com a gravadora. Mas Ertegun parecia não ter ideia de quem era Jawbox, e deixou claro que estava ali pra ver o Fugazi. “Ele era um cara muito agradável”, lembra MacKaye, acrescentando que não soube mais sobre Ertegun depois. “Embora estivéssemos certos de que não queríamos trabalhar com a Atlantic, eu esperava ter a chance de encontrá-lo novamente apenas pra ouvir algumas de suas histórias”.
A maioria das bandas, que tinha trabalhado por anos em clubes sujos apenas pra ganhar algumas centenas de dólares por noite, não estava tão ligada aos seus princípios como o Fugazi (ou mesmo o Jawbox). Eles ficaram encantados com esse sucesso financeiro recém-descoberto. Pra cortejar o Cop Shoot Cop, uma banda política de noise-rock destinada a nunca ter um sucesso sequer, a Interscope Records colocou seus membros de vinte e poucos anos no hotel Mondrian em West Hollywood, onde a banda farreou a noite toda em um jacuzzi, depois assinando por US$150.000.
Na maior parte do tempo, a Corrida do Ouro do Grunge foi uma inofensiva história de rock’n’roll, uma redistribuição de riqueza de um tipo de banda pra outro. Mas pra algumas bandas, despreparadas pra um fluxo repentino de dinheiro e fama, esse período teve consequências trágicas e sombrias. As drogas sempre fizeram parte da cena do rock underground, mas a combinação de drogas e dinheiro era demais pra certos viciados em bandas recém-tornadas grandes.
Os Meat Puppets foram um caso de advertência. Quando Cobain os colocou no palco como convidados especiais durante a performance do MTV Acústico do Nirvana, o trio de punk-rock improvisado de Phoenix, Arizona, transformou-se instantaneamente em valiosos astros do rock. Depois dessa aparição, os irmãos Cris e Curt Kirkwood e o baterista Derrick Bostrom compareceram a uma reunião em sua grande gravadora, PolyGram, em um arranha-céu de Manhattan. A banda passou pela enorme mesa de segurança no saguão e tomou uma escada rolante interminável. “À medida que subíamos, víamos espaço aberto e tetos altos, e em uma parede tinha a foto gigantesca da Salt-N-Pepa”, lembra a baixista Cris Kirkwood. “E na outra parede éramos nós. De repente, nós seríamos o foco daquele quartel e íamos ancorar a seção de rock deles”.
A PolyGram escolheu o novo single da banda, “Backwater”, como foco de marketing da gravadora, e lançou suas promoções e publicidade na MTV, em revistas como a Rolling Stone e a SPIN e nas rádios de rock. O plano funcionou. De acordo com os padrões de Mariah Carey, “Backwater” foi um sucesso menor, alcançando o segundo lugar na parada Billboard Album Rock, e o álbum “Too High To Die” (1994) simplesmente beliscou disco de ouro. Independentemente disso, a experiência mudou a vida da banda pra sempre. “Definitivamente, recebemos um pouco de dinheiro quando isso aconteceu”, diz Kirkwood.
O Meat Puppets haviam se envolvido com drogas recreativas durante anos, particularmente maconha e ácido. No final dos anos 1990, a mãe dos Kirkwood, Vera Renstrom, morreu de câncer, e a esposa de Cris, Michelle Tardif, morreu de overdose de drogas na casa do casal em Tempe, Arizona. Em breve, Cris estava gastando seu tempo, como seu irmão Curt diria ao Phoenix New Times, “sondando dentro de um abcesso em seu estômago com uma agulha, procurando uma veia”. Não ajudou a PolyGram ter enviado o Meat Puppets em turnê durante todo o verão pra abrir pro Stone Temple Pilots, uma banda liderada por um viciado, o cantor Scott Weiland, que morreria em 2015 de uma overdose acidental.
“Eu absolutamente procurava consolo na droga. Com certeza, o fato de que eu tinha dinheiro naquele momento – mais dinheiro do que eu jamais tive – contribuiu pra isso”, diz Cris Kirkwood hoje. “Na verdade, ter mais dinheiro facilitou continuar fodido, e então as coisas ficaram trágicas imediatamente. Cheguei ao ponto em que não estava funcional”. O Meat Puppets, uma banda que sempre foi estável e de longa data, subitamente implodiu. Eles se separaram por vários anos, enquanto Cris lutava pra subjugar seu vício. Hoje, ele está limpo há anos e percorre todos os antigos clubes punks, reunindo-se com seu irmão no Meat Puppets, embora a banda tenha substituído o baterista original Bostrom por Ted Marcus.
A Corrida do Ouro do Grunge terminou com um tipo diferente de tragédia – e um novo começo.
Tim Sommer, da Atlantic, um dos homens de confiança da Goldberg, queria que seu próximo Nirvana tivesse o mesmo espírito do rock’n’roll. Em abril de 1993, ele se apaixonou por The Gits, uma banda punk com uma vocalista dinâmica, Mia Zapata. Eles haviam se formado em Ohio, mas quando o Nirvana e o Soundgarden começaram a decolar, Zapata e seus três colegas de banda se mudaram pra Seattle numa tentativa de mergulhar na cena explosiva. Sommer se aproximou do The Gits pra ser seu primeiro contratado. Ele apertou as mãos deles em um contrato de gravação em julho.
Três dias depois, às 3:20h da manhã, na 24th Avenue South, na área de Capitol Hill, em Seattle, Zapata, 27 anos, foi encontrada morta após ser agredida, estuprada e estrangulada com seu próprio cordão de moletom. A morte de Zapata foi um mistério por quase onze anos, até que um júri condenou um pescador da Flórida, Jesus Mezquia, de assassinato em primeiro grau em março de 2004. “Ela era brilhante”, o baterista da banda, Steve Moriarty, amigo de Zapata desde seus dias faculdade, em Ohio, disse ao Seattle Times: “ela era cantora de blues, cantora de jazz e cantora punk de uma só vez”.
Goldberg colocou um EP em sua mesa em cima de uma pilha com alguns outros CDs recomendados pelo departamento de vendas da Atlantic. Era uma banda da Carolina do Sul, tocando o que Sommer chamou de “circuito universitário do meio-sul” – uma rota que se concentrava nas cidades universitárias do Alabama até a Geórgia, Carolina do Sul e Carolina do Norte, liderada pelo REM e mais tarde utilizada pela The Dave Matthews Band. “Muitas bandas que sabiam como trafegar nesse circuito, tocando muito regularmente, estavam ganhando a vida”, diz Sommer. “Se você se saísse bem nesse circuito, geralmente seria um bom indicador de que você se sairia bem em nível nacional”.
Sommer ouviu o EP. Não soou nada como o Nirvana. Ele decidiu que a banda valia a pena de qualquer maneira. Em agosto de 1993, ele voou pra Charleston, na Carolina do Sul, para ver Hootie & The Blowfish pela primeira vez. “Eu soube imediatamente que queria contratá-los na metade da primeira música”, lembra.
A indústria fonográfica ainda era obcecada por Cell e Medicine e Cop Shoot Cop e Royal Trux, mas quando o álbum de Hootie, “Cracked Rear View” (1994), vendeu quinze milhões de cópias, seu sucesso abriu uma nova brecha de pop e rock mais suave, com zero de guitarras. Apontava o caminho pras boy bands e Britneys que dominariam os dias finais pré-Napster e pros super-ricos do negócio.
Responsáveis diretos por todas essas histórias e mudança no modo de agir da indústria musical, os membros do Nirvana seguiam indiferentes, às vezes até hostis, em relação à sua fama. Não ajudou que eles estivessem se tornando celebridades apenas quando anunciantes e críticos culturais estavam tentando descobrir como rotular e definir uma geração. Cobain começou a ser chamado de voz da Geração X, e sua resistência à tag apenas a fortaleceu ainda mais. A ambivalência do Nirvana chegou a ser considerada uma marca registrada da Gen X; a iconoclastia da banda transformou os músicos em ícones.
Cobain usou sua plataforma de forma admirável pra promover bandas underground. Em entrevistas e encartes, ele manteve seus princípios e denunciou o sexismo casual, o racismo e a homofobia da cultura estadunidense.
“Se algum de vocês de alguma forma odeia homossexuais, pessoas de cores diferentes, ou mulheres, por favor, faça um favor a nós – nos deixe em paz! Não venha aos nossos shows e não compre nossos discos”, dizia o encarte da compilação “Incesticide”.
Mas as turnês sem fim e a fama tiveram um enorme impacto na saúde e estabilidade de Cobain, e seu vício em heroína, pro qual ele já havia estado em reabilitação, piorou. Talvez ninguém devesse ficar chocado quando ele se suicidou, em 1994. Houve rumores de overdoses e experiências de quase morte nos meses anteriores. Mesmo assim, ainda era chocante.
Após sua morte, havia artigos e notícias sobre o niilismo de Cobain, e o que sua escolha sugeria sobre a geração mais jovem. Foi a primeira prova viva de como você poderia trabalhar dentro e fora do sistema – você podia criticar, digamos, as corporações que subscrevem sua arte enquanto faz arte que aspirava a mundos além dessas realidades.
Na época, havia muito o que refletir sobre se Cobain era realmente “legal” e insatisfeito, ou se sua frieza meramente mascarava uma seriedade mais profunda. Agora é possível enxergar que as duas coisas eram verdadeiras. As pessoas gravitavam em direção a sua persona porque não parecia uma; ele parecia autêntico. Mas, é claro, era uma persona – apenas mais pensativa, conflituosa e desprotegida do que estávamos acostumados a ver.
Há uma espécie de resultado agridoce pra esta história. “Nevermind” já foi absorvido no cânone do rock. Assim como qualquer um de nós tínhamos opiniões muito diferentes sobre se Cobain era um santo ou um traidor do punk, cada geração tem sua própria versão da lenda do Nirvana. Hoje em dia, Cobain se tornou um ponto de referência da moda pra músicos de todos os gêneros, do pop ao hip-hop, que querem que sua música pareça sombria e emocional. Dr. Dre e Jay-Z hoje expressam admiração pela rebelião cultural que Cobain representou, descrevendo sua música como poderosa o suficiente pra ter brevemente “parado” a ascensão do hip-hop.
Talvez esse seja o paradoxo da cultura alternativa que sempre foi verdade, só que foi a nossa vez de perceber isso: a cultura pop nasce de novo cada vez que um fora-da-lei, um desajustado é descoberto. Sua postura continua viva, mesmo que as sementes de sua própria rebelião sejam esquecidas.
O Nirvana se tornou canonizado como uma banda corajosa que trabalha com um excesso de emoções, mas muitas vezes deve-se pensar como a banda era radical em sua época: a suavidade de Cobain, sua rejeição ao machismo, o profundo desconforto do Nirvana sobre ser estrelas do rock. A banda foi uma porta de entrada pra uma série de reflexões e emoções.
Uma geração inteira procurava livros, filmes e bandas obscuros que Cobain citava e indicava, pra tentar descobrir como ele pensava. Seguimos o Nirvana em novos mundos de possibilidades, pessoas reunidas a partir de canções descrevendo o desespero privado e incognoscível de um homem.
Este artigo foi escrito a partir da tradução livre de dois textos: “TOUCHSTONES – Nirvana’s ‘Nevermind'”, de Hua Hsu, publicado na revista The New Yorker (original aqui) e “The Grunge Gold Rush”, de Steve Knopper (citado no primeiro texto), publicado na NPR em 12 de janeiro de 2018 (original aqui).