Em 2012, o escocês Damien Love publicou na Uncut uma entrevista com Richard Lloyd, guitarrista fundador do Television. Ele e Tom Verlaine (junto com Richard Hell e Billy Ficca) criaram uma das bandas mais importantes da história da música e há uma certa aura de mistério sobre como essa banda gravou tão pouco e como eram as relações entre os integrantes, que impulsionaram a cena nova iorquina do punk de um jeito muito peculiar.
Há muitos textos sobre o assunto, é verdade, principalmente sobre “Marquee Moon”, um dos discos principais dessa época pra entender todo o contexto e que ainda hoje segue influenciando jovens a empunhar guitarras e fazer músicas. Um bom texto é esse de Ron Hart pro Observer, publicado em 2017.
Mas a entrevista realizada por Love é mais contundente porque mostra toda a paixão e rancor de Lloyd pra com Verlaine e sua visão da história. É uma visão da história, talvez não seja a verdade. Tempos depois, Love publicou em seu próprio site o texto completo (a Uncut, claro, publicou só o editado), com o próprio Lloyd escrevendo como tudo aconteceu, desde quando chegou a Nova Iorque e conheceu Verlaine, até os dias atuais, passando pelos bastidores da gravação de “Marquee Moon”. É esse texto que está traduzido abaixo (de forma bem livre).
Apesar de ser a visão bem particular e carregada de emoções e pontos de vista pessoais de Lloyd, é rico o suficiente em história, emoção, bom humor e descobertas.
FRICTION: THE MAKING OF TELEVISION’S MARQUEE MOON
Por Richard Lloyd e Damien Love
Tradução livre: Floga-se
1. CONHECENDO TOM VERLAINE
No outono de 1973, eu acabara de voltar pra Nova Iorque e precisava de um lugar pra ficar.
Eu me mudei muito durante toda a vida. Nasci nos arredores de Pittsburgh e fui criado em Nova Iorque, e queria ser músico. Estudei bateria quando criança antes de tocar guitarra. Quando saí de casa pela primeira vez, fui a Boston pra ver a cena musical, porque é onde todos da minha idade estavam indo. Eu dormi na rua, com meu violão como travesseiro. Eu comi sanduíches de maionese por um ano. Então, estive em Los Angeles por alguns anos. Foi um tempo em que as gravadoras gastavam um bocado, eram extravagantes, então sempre havia uma festa pra ir, comida de graça. Estava com meus vinte e poucos anos e estava, creio, praticamente levando uma vida de vagabundo. Então, ouvi falar sobre uma banda chamada The New York Dolls, e que havia uma cena crescendo em Nova Iorque, e então resolvi voltar de novo.
Eu estava indo muito ao Max’s Kansas City e conheci um sujeito chamado Terry Ork. Terry tinha um loft muito grande em Chinatown, e ele tinha um quarto vago na frente, então foi pra lá que me mudei.
Basicamente, o que eu fazia durante o dia era tocar meu violão, sem amplificador. Não queria que ninguém me ouvisse até estar tocando bem. O trabalho de Terry era como gerente de uma loja de memorabilia de cinema na 13th Street, chamada Cinemabilia. Eles vendiam livros de cinema, cartazes, stills de publicidade. Você podia entrar e dizer: “você tem alguma foto autografada do Cary Grant em ‘Intriga Internacional’?”, e Terry diria ao seu assistente: “Richard, você procura isso?”. Então, esse cara, Richard, ia emburrado olhar todos as fotos. E esse era Richard Meyers, que mais tarde se tornaria Richard Hell.
Um dia, Terry chegou pra mim e disse: “ei, conheço um cara que faz o que você faz”.
Eu disse: “huh? O que eu faço?”
“Você toca guitarra sozinho, o dia todo. Isso é tudo que você faz. Isso é tudo que esse cara faz”.
O fato é que esse era o melhor amigo de Richard Meyers, um cara chamado Tom Miller, que logo ficaria conhecido como Tom Verlaine.
Terry me disse que esse cara, o Tom, ia tocar no Reno Sweeney’s e perguntou se eu queria ir. O Reno Sweeney’s era um restaurante no Village que era como o CBGB da Broadway: Liza Minnelli, Peter Lemongello, drag artists, cantores gays de wannabe Broadway, esse tipo de pessoa. Eu não estava muito interessado. Mas Terry estava indo de qualquer maneira, e eu não tinha mais nada pra fazer. Então, pegamos um táxi e Richard Hell veio com a namorada, e nos sentamos, com duas bebidas cada, esperando que Tom chegasse.
Ele entrou com sua guitarra e o velho amplificador Fender, e ficou ali parado já parecendo irritado, como se fosse muito difícil até mesmo abrir a porta. Richard correu pra ajudá-lo com o amplificador, e ele o colocou no palco. Então, ele voltou pro Tom.
“Você não parece bem”, disse Richard.
Tom vestia o que parecia uma camisa de 1932. Era velha, amarelada, gasta, quase nojenta. Richard colocou os dedos em um buraco no ombro e o rasgou. Então, ele alargou outro buraco, pra que um dos mamilos de Tom pudesse ser visto. Fiquei observando-os, sentindo-me como um antropólogo observando animais estranhos e seus hábitos sociais.
Tom ligou o amplificador, e o gerente correu direto em pânico, gritando: “você tem que baixar isso!”. Tom ainda não tinha tocado uma nota sequer. Foi apenas o barulho que sai quando se liga um desses amplificadores antigos. Então, Richard começou uma discussão com o gerente, e foi assim por um tempo. Richard e Tom tinham entre eles o que eu só posso descrever como desprezo universal. Mas finalmente, Tom tocou. Três músicas. A segunda música foi “Venus Di Milo”.
Terry Ork trabalhava como assistente de Andy Warhol durante a noite, e ele queria patrocinar uma banda, quase como Andy havia feito com o Velvet. Sua ideia era que ele iria patrocinar uma banda comigo. Mas quando vi Tom tocando “Venus Di Milo”, inclinei-me pra Terry e disse: “esse é o cara”.
Tom estava tocando todas as notas, tudo certo, mas eu sabia que poderia acrescentar algo ao que ele estava fazendo. Lembro-me de ter me inclinado gritando no ouvido de Terry, porque ele mal podia me ouvir: “esqueça minha banda, coloque eu e esse cara juntos e você terá a banda que está procurando”.
2. OS PRIMEIROS ENSAIOS
Alguns dias depois, Tom e Richard vieram ao loft de Terry. A única guitarra era a minha. Toquei algumas coisas, então a passei pra Tom e ele tocou algumas coisas, e perguntou: “você pode tocar isso?”. E naqueles dias, se eu visse você tocando alguma coisa, eu poderia tocar também. Daí, Richard e Tom se afastaram um pouco, sussurraram juntos, depois voltaram e disseram: “tudo bem, vamos tentar”.
Tom e eu, nossas guitarras se juntaram imediatamente. Eu havia estudado um tanto de rock clássico. Quando era adolescente, eu tinha um amigo que conhecia Jimi Hendrix, e Jimi dava lições a esse cara, que passava pra mim, e eu conheci Hendrix e o assisti tocando, então foi daí que parti.
Tom tocou com um estilo completamente diferente. Ele usou o vibrato clássico. É técnico pra descrever, mas é como um violino: você move o pulso pra frente e pra trás, o dedo não se move, mas o tom sobe e desce. Eu não sei onde ele aprendeu. Era mais como um tocador de cítara, mas esse era o estilo de Tom, esse magnífico vibrato clássico. Ele nunca faria bends inteiras, sempre micro-bends. Mas nossos dois estilos se encaixaram perfeitamente. Nós dois tínhamos todos os diferentes estilos de guitarra que alguém poderia querer. Eu estava tocando muito mais rock clássico, Tom estava tocando sua coisa estranha e intermediária. Mas se o Tom me mostrasse algo, eu poderia repetir.
A próxima coisa foi convencer Richard Hell a tocar baixo. Tom não conseguiu. Richie disse: “não sou músico, não posso fazer isso”. Quando Tom não estava por perto, perguntei qual era o problema. Ele disse: “escute… tocar com Tom é como ir ao dentista. Exceto que você prefere ir ao dentista”.
Tom e Richard já tinham tentado ter uma banda antes.
Eu disse: “mas Richard, você tem o estilo. Você parece uma combinação de Elvis Presley e alguma estrela de cinema. Você pode aprender, vamos ensaiar muito”. E os elogios o pegaram de jeito. Agora, éramos três.
Eu me reuni com o Tom pra falar sobre os bateristas. Eu tinha um pessoal em mente, mas Tom insistia que o melhor baterista do rock que ele conhecia era amigo dele, Billy Ficca. Fiquei um pouco irritado porque ele não estava disposto a experimentar alguns bateristas, mas nós ligamos pro Billy. Billy estava em Boston, e ele havia acabado de deixar sua banda, então ele não tinha mais nada a fazer e veio pra cá pra começarmos a ensaiar. Três dias depois dos ensaios, Tom chamou-me de lado e disse: “estou prestes a arrancar o cabelo. Eu não aguento. Billy se transformou em um baterista de jazz“.
E Billy estava em todo lugar – mas de um jeito bom. Eu disse a Tom: “olhe, todos os maiores guitarristas que conhecemos – Jimmy Page, Jeff Beck e Jimi Hendrix – todos eles tinham bateristas loucos”. O Who tinha Keith Moon, o Zeppelin tinha Bonham. Você sabe, sem um baterista louco, um solo de guitarra pode soar uma droga.
Nós começamos a ensaiar e estávamos nos divertindo muito. Mas Tom já estava ficando frustrado com Richard Hell, porque Richard nunca praticava o instrumento. Essa é uma razão pela qual acabamos tendo semanas de seis, sete dias de ensaios de cinco horas. O que obviamente não doeu, mas também não nos fez melhores, entre a falta de habilidade de Richard no baixo – e eu amava o baixo de Richard, eu achava que ele era como Paul McCartney – e Billy na bateria cada vez mais pirado.
É triste admitir que, quando chegou a época de Natal, e Billy partiu por uma semana pra visitar seu pai, nós fizemos testes com outros bateristas sem avisá-lo. Tentamos Clem Burke, que acabou no Blondie, fizemos um teste com alguns caras que tocaram nos Ramones. E eles eram ótimos. Mas foi ensaiando com eles que nos fez perceber que ninguém se encaixava como Billy. Acho que o papel de Billy é uma razão muito forte pela qual o Television ainda é considerado uma grande banda.
3. PRIMEIRO SHOW
Começamos a planejar nosso primeiro show. Mas não havia lugar pra tocar. Literalmente. Finalmente, alugamos o The Townhouse Theatre, um teatro de oitenta e oito lugares na 44th Street.
Distribuímos panfletos que Hell criou. Nós quatro andamos por aí com pasta e pincéis, e colamos por quase toda Manhattan. Pedimos que jornalistas viessem nos ver ensaiar. Como Danny Fields – o assessor de imprensa do The Doors e Jimi Hendrix no passado, e que empresariou os Stooges. Ele disse: “não, eu não vou ver sua banda. Mas qualquer um que tenha a coragem de me abordar na rua e me pedir uma opinião, bem, eu sei que esse alguém deve ser bom”. Daí, ele escreveu sobre nós.
Enquanto isso, Terry conhecia pessoas da indústria cinematográfica e pediu a Nicholas Ray, o diretor de “Juventude Transviada” (de 1955, com James Dean), pra vir nos ver ensaiar. Nick não queria vir. Terry ofereceu-lhe um galão de vinho. Nick disse: “ok”.
Então, Nicholas Ray veio e sentou-se na beira da cama, com seu tapa-olho, bebendo vinho, enquanto ouvia nosso ridículo repertório. Nós derrubávamos as coisas, e se um microfone caísse no chão, nós nos deitávamos e cantávamos, ainda tocando. Quando o vinho estava quase no fim, Nicholas disse: “bem, eu vou te dizer, Terry: são quatro gatos com uma paixão”. E usamos a citação de Nick.
Publicamos um pequeno anúncio no jornal Village Voice e, na noite, ficamos surpresos: oitenta e oito assentos e enchemos a maioria deles. E, bem, nós éramos como o Sex Pistols que não sabiam tocar. Nós estávamos com tudo. Especialmente ao cantar. Nem Tom nem Hell conseguiam segurar um maldito andamento. Não sou Frank Sinatra, mas posso cantar no ritmo. Entramos nessas enormes discussões sobre quem estava fora.
Enquanto isso, Billy fazia aqueles solos de bateria… O jeito que eu vejo Billy é que ele vem fazendo um solo de bateria desde 1973, ocasionalmente interrompido por músicas. Nós costumávamos fazer uma música chamada “Kingdom Come” – muito, muito diferente da versão que Tom fez mais tarde, solo e também tocada por Bowie – e tinha um solo de bateria nela. Durante os ensaios, quando chegávamos ao solo de bateria de Billy, o resto de nós saía pra almoçar em Chinatown, fumava alguns cigarros, e quando voltávamos Billy continuava solando.
Eu tinha decidido que queria que meu cabelo fosse azul pro show, mas eu estava com medo de ter minha bunda chutada na rua. Então, antes do show, descolori meu cabelo e comprei um monte de corante de comida. Eu imaginei que poderia colocar isso e depois lavá-lo. Por isso, fiquei com o cabelo azul e verde, vermelho e amarelo. Nós fizemos um set de duas partes, e durante a primeira parte as luzes estavam tão quentes que toda a cor começou a escorrer do meu cabelo, pelo meu rosto, pingando sobre a minha camiseta e guitarra. É por isso que em algumas das primeiras fotos você me verá meio… loiro.
4. O NASCIMENTO DO CBGB
Depois que tivemos que alugar nosso próprio teatro pra fazer um show, começamos a conversar sobre onde mais havia para tocar. E não havia lugar algum.
Na minha cabeça, estava pensando nos Beatles, quando eles tocavam quatro ou cinco shows por noite em Hamburgo. Eu pensei, nós precisávamos disso: tocar várias vezes por noite, pra realmente nos aprimorarmos e construir um público.
Tom morava no Lower East Side, e ensaiamos em Chinatown, o que significava que, quando Tom ia ao ensaio, descia a The Bowery. Agora, The Bowery tem uma reputação, mas não era um lugar perigoso, porque estava cheio de bêbados. Os mais bêbados no máximo vão implorar por dinheiro, mas só o suficiente pra comprar uma bebida. Você pode simplesmente passar por cima deles na rua. Um dia, Tom entrou no ensaio e disse: “encontrei um lugar. Está na The Bowery. É um inferninho”.
É o que nós queríamos. Nós precisávamos de um lugar que soasse bem, mas que estivesse fora da rota, onde ninguém mais iria querer entrar e tocar, pra que pudéssemos nos tornar a banda da casa. Esse era o plano: conseguir um clube que permitisse música e meio que assumi-lo.
Tom disse que tinha visto um cara do lado de fora, trabalhando na frente, e perguntou se algum de nós voltaria com ele pra conversar com o cara. Hell estava ocupado bebendo uísque, e Billy não era um cara que queria ir e começar uma conversa. Então, eu disse que iria.
Vimos o proprietário, Hilly Kristal, em uma escada do lado de fora do prédio, firmando o toldo: CBGB OMFUG. Fomos até ele.
“Você vai ter música ao vivo?”
“Sim. Pode ter certeza.”
“Que tipo?”
“Espere um minuto. Deixe-me terminar isso, e vou mostrar a você”.
Então, Hilly nos levou pra dentro. E havia um pequeno palco à esquerda, que ele queria mudar pra frente, virado pras trás. Nós falamos com ele sobre isso. Nós dissemos: “você receberá reclamações de barulho se estiver de frente pra rua”.
Ele disse: “não, aqui não rola música alta”.
E nós: “bem, mas a pior parte é o moral. Se as pessoas passarem ao lado da banda, como elas vão sair, passando na frente da banda? Isso é ruim pro moral dos músicos”.
Então, Hilly disse: “bem, onde você acha que eu deveria colocar o palco?”
O palco estava do lado esquerdo, no meio. Não fazia o menor sentido. E ele tinha todos esses quartos abertos nos fundos, em direção a uma cozinha que nunca teria passado pela inspeção. Quero dizer, Jesus Cristo! Mas era um dos mais longos bares de madeira de Nova Iorque, construído na década de 1890, e tinha a maior coleção de letreiros de neon do mundo, era um lugar muito interessante.
Nós dissemos: “bem, você não quer colocar no fundo, porque o clube é muito longo. Provavelmente, o melhor lugar é instalá-lo no meio e depois usar os quartos dos fundos como camarins e algo do tipo. Dessa forma, as pessoas sentadas no bar podem ver a banda, e você pode colocar algumas mesas”.
Daí, nós fisicamente ajudamos Hilly a mover o palco, de onde estava, pra onde acabou ficando. Nós projetamos aquele palco. Nós pensávamos na grande bateria do Ringo. Nós fizemos três degraus: o mais alto pra bateria, o do meio pros amplificadores e o degrau inferior pros outros músicos. E deu certo – o clube parecia bem bom (vale dar uma olhada nessas fotos pra ter uma ideia como era o famoso clube, que fechou as portas em 2006).
Hilly nos perguntou que tipo de música nós tocamos. Nós dissemos rock. Ele disse: “bem, não tenho nada assim na programação”.
Nós dissemos: “Hilly, não é o tipo de rock que você está pensando. Não é tão alto assim. Nos dê uma chance”.
“Não, acho que não.”
No dia seguinte, voltei pro clube com Terry Ork e tentamos convencer Hilly a deixar a banda tocar. Terry foi muito inteligente. Ele disse a Hilly: “Qual é a sua melhor noite?”.
“Sábados”.
“E qual é a sua pior noite?”
“Bem, aos domingos. Às vezes nem sequer abrimos”.
Então, Terry disse: “ok, deixe minha banda tocar em um domingo, e garanto que você ganhará pelo menos tanto dinheiro quanto ganha no sábado. Porque eu vou convidar muitas pessoas. E todo mundo que conheço é alcoólatra. Então, eles vão comprar muitos drinques e, se não, eu vou comprar rodadas pra todo mundo até que corresponda à sua melhor noite”.
Como poderia Hilly dizer não a isso? Então, Hilly disse: “tudo bem, mas eles não podem tocar tão alto”. Como ele poderia dizer não?
Nós não tocávamos tão alto assim, de qualquer forma. Nós tocamos através de super-reverbs, sem peddles, sem stomp boxes. Apenas um som bem limpo. Nós ligávamos o suficiente pra distorcer um pouco, mas não muito. Fizemos nosso primeiro show no CBGB em um domingo e, por deus, conseguimos. Hilly fez dinheiro suficiente para pensar: “hmmm”.
Enquanto isso, depois de tirar o dinheiro pra pessoa que contratamos pra fazer a porta e as tarifas de táxi pra trazer nossos equipamentos, cada um de nós ganhou um dólar. Um dólar. Mas isso nos fez músicos profissionais, então estávamos em êxtase. Foi um sucesso.
Hilly nos deu quatro domingos seguidos no começo. Logo, outras bandas começaram a ouvir sobre o que tava rolando e começaram a aparecer pedindo um show. Hilly não conhecia nada sobre rock. Você sabe: country blues e bluegrass, foi daí que Hilly veio (a sigla CBGB OMFUG quer dizer Country, BlueGrass & Blues Other Music For Uplifting Gormandizers). Basicamente, nós o atropelamos. Terry se ofereceu pra começar a fazer a agenda do clube, desde que fosse entendido que aquele era o lugar do Television.
Bandas viriam na noite de testes pra tentar a sorte, e Terry perguntou o que eu achava: Talking Heads, The Ramones, Blondie. Foi assim que eles começaram a tocar no CBGB. Porque precisávamos de mais bandas além do Television, pelo amor de deus. Tom surgiu com essa ideia, baseada em sessões duplas do cinema: duas bandas a cada noite. Nunca mais, nunca menos. Cada um tocaria dois sets. Então, em uma noite, você teria Talking Heads, depois Television, depois Talking Heads, depois Television.
Pra mim, quando estávamos levando o CBGB, escolhendo as bandas e tocando, foi como organizar uma grande festa de Ano Novo durante três anos e meio. O CBGB era o lugar. Ficou lotado, muito lotado, muito rapidamente. Patti Smith levou o crédito pelo sucesso do CBGB, e ela trouxe muita gente. Mas ela veio depois que já estávamos enchendo o lugar. Ela veio originalmente com seu trio: ela, Lenny Kaye e Richard Sohl no piano. Mas quando eles viram o que estava acontecendo, começaram a se mover em uma direção mais rock (curiosamente, Hell casou-se em 1985 com Patty Smyth, também cantora, com quem teve uma filha; eles se separaram em 1987 e ela foi se casar, dez anos depois, com o tenista John McEnroe, com quem tem duas filhas e está casada até hoje).
Claro, o lugar era um inferninho. Era muito difícil achar pessoas de terno por lá, ou até mesmo a geração mais velha da sala dos fundos do Max’s. Éramos como hobos pra eles – mas havia quase um glamour na pobreza. Ninguém realmente havia feito o que estávamos fazendo. Até então, no rock and roll, todo mundo queria estar na maior estica. Todo mundo estava perseguindo essa alta vida glamourosa.
Nós não. Nós queríamos ter sucesso, é claro. Nós queríamos que as pessoas nos ouvissem. Mas quando você ouve bandas que dizem que não se importam com nada, eu garanto: elas se importam. Nós éramos provavelmente os mais próximos de uma banda que realmente não se importava com o que qualquer pessoa pensava.
5. BRIAN ENO DEMOS & E A SAÍDA DE HELL
Nessa altura do campeonato, conforme o CBGB começava a decolar, os selos mostravam interesse. Richard Williams, da Island Records, queria que nós entrássemos em estúdio com ele pra fazer uma demo, mas ele disse: “eu não entendo muito sobre estúdio. Posso levar um cara que vai ajudar? Seu nome é Brian Eno, ele estava no Roxy Music”.
Brian chegou com várias ideias malucas. “Vamos colar os amplificadores no teto”. “Vamos cortar as letras e jogá-las no ar”. Não tínhamos nada com aquilo. Nós só queríamos gravar nossa música. Cada sugestão que Eno fez, nós ferramos a sugestão: “De. Jeito. Nenhum.”
Finalmente fizemos cerca de cinco músicas pra aquela demo. E Richard Hell estava chateado porque ele só tinha uma ou duas de suas músicas na fita, enquanto Tom tinha três ou quatro. Richard ficou chateado. Tom estava começando a empurrá-lo pra fora da banda.
Desde o começo, quando tocamos ao vivo, Tom ficava no pé de Richard Hell pra ele parar de se mexer. Dizia que aquilo o estava distraindo. Também achava que parecia artificial. Eu tentava contrapor: “olha, nós estamos apenas tocando rock’n’roll, cara. Esses movimentos não são falsos, eles são apenas parte do sentimento”. Mas, uma vez que Tom coloque uma ideia na cabeça, ficará lá por meses, anos, importunando-o até que ele consiga o que quer.
Tom tinha um irmão gêmeo, chamado John, que morreu há muito tempo. Eu realmente acho que Tom tem uma coisa de rivalidade entre irmãos que já começou no útero. É o único motivo psicológico que posso inventar pro comportamento de Tom.
Quando começamos a tocar, eu costumava ficar no meio de Richard e Tom no palco. Eu era o George com o John e o Paul de cada lado. Mas então Tom de repente decidiu que queria estar no meio, com Richard e eu nos lados. Esse foi o começo do fim do primeiro Television – o Television que era desleixado, punk e uma bagunça; mas também extremamente excitante. Essa banda era como estar em um circo. Você nunca sabia o que iria acontecer. Um acidente de trem, claro, mas divertido.
Estava levando Tom à loucura, no entanto. E se você escutar “a fita de Eno”, você vai perceber. Sem um baixista sólido, especialmente com Billy Ficca sendo louco o tempo todo na bateria, não havia base pra banda.
Tom estava começando a falar sobre a substituição de Hell, mas Richard desistiu, o que tornou tudo mais fácil. Eu quase desisti nesse momento, porque pensei que, sem Richard, toda a diversão se foi. Eu estava pronto pra sair e fazer minhas próprias coisas. Mas Tom pediu a Fred Smith que deixasse o Blondie e se juntasse a nós, e ele me pediu: “vamos lá, apenas venha tocar”. E em dez minutos eu tive que admitir, Fred estava mantendo o ritmo, o que significava que Billy poderia enlouquecer, mas ainda soava como uma banda. De repente, tudo fazia sentido.
6. ASSINANDO COM A ELEKTRA
Nós esperamos pra assinar com um selo. Houve muito interesse. Nós fizemos um teste pra Atlantic. O presidente da companhia, Ahmet Ertegun, ouviu-nos e disse: “isto não é música daqui da Terra”. Enquanto isso, todos os outros do CBGB assinaram o mais depressa possível, por quase nada. Esperamos até que a Elektra nos fizesse uma oferta razoável – o que não é razoável pros padrões de hoje, mas era pra época.
As personalidades da banda se alinharam assim. Tom foi o reconhecido diretor musical e líder. Fred nunca brigou com Tom sobre qualquer coisa. Billy até poderia, musicalmente. E eu lutaria com Tom financeiramente em nome do resto da banda. Eu tinha que defender a mim, Fred e Billy, os quais teriam dito “sim” a praticamente qualquer coisa.
Descobri muitos anos depois que, quando finalmente assinamos com Elektra, Tom tentou desesperadamente, nas nossas costas, fazer o contrato pra que ele fosse o único assinado como Television, enquanto o resto de nós assinaria como músicos contratados. Mas a Elektra não caiu nessa; eles disseram que queriam todos os quatro, ou nenhum. Assim, eles colocaram Tom contra a parede e ele teve que desistir.
Tom, em seguida, começou a pressionar-nos pra que ele recebesse tanto, e todo mundo deveria receber um outro tanto. E eu disse: “porra, não, você está brincando comigo?”.
Tom disse: “Eu trabalho duas vezes mais duro”.
Eu disse: “você trabalha duro duas vezes mais porque você insiste em cantar. Estou disposto a cantar algumas músicas, mas você não vai permitir. Por que você deveria ser recompensado por conseguir o que quer?”.
Enquanto isso, Tom também tomou todas as autorias das músicas, na maior parte. Eu pensei: vou ser amaldiçoado se sair em turnê por menos, como se fosse seu coadjuvante.
7. COMPONDO
Tom era um maníaco por controle quando se tratava de música. Por mim, tudo bem. Por muito tempo, ele não quis que eu fizesse meus próprios rifes, porque ele tinha seus rifes, mas ele não podia tocar e cantar ao mesmo tempo. Se ele tivesse uma parte de guitarra, ele não conseguia tocar enquanto cantava, ele me dava o papel, e eu interpretaria. Tipo, em “Marquee Moon”, basicamente, eu apenas assumi o papel dele pra que ele pudesse solar.
O modo como o Television trabalhava era: quando ele estava cantando, ele tocava os acordes, ritmo, e eu tocava leads – não solos, mas leads. Eu toquei muito mais guitarra do que o Tom. E quando chegasse a hora dos solos de guitarra, nós trocaríamos de um lado pro outro. A ideia era 50-50 nos solos, ou no máximo 60-40 em favor de Tom. Tínhamos um acordo sobre isso.
Mas não foi assim com a criação de todas as músicas. Um dia, eu estava tocando esse rife no ensaio e Tom disse: “continue tocando isso, acho que tenho a coisa perfeita pra colocar em cima”. E assim surgiu “Friction”. Só que se você ouvir “Friction”, se você tirar minha parte de guitarra, você mal tem nada.
Ou uma música como “See No Evil”. Pegue a minha parte, tudo o que você tem é “duh-du-du-duh-du-du-du-du-du-duh…” A coisa é que eu não fiquei com qualquer crédito da composição. Mas eu estava disposto a desistir pelo bem da banda. Nós tivemos discussões sobre isso por alguns anos. Mas Tom pode ser muito teimoso, muito teimoso, muito paranoico e não há como lutar com isso.
Chegou ao ponto em que, quando eu inventei a linha “Guiding Light”, e ele veio e fez a mesma coisa, eu disse: “você tem que me colocar como co-autor, Lloyd-Verlaine”. Ele negou: “os direitos autorais não são assim”. Tivemos essa grande discussão sobre direitos autorais. Por fim, eu disse: “olha, você usa minha parte e eu recebo crédito, ou você escreve outra parte, e eu toco pra você”. Isso foi o que tive que fazer pra ter crédito por ter escrito essa música.
Era a mesma coisa com “Friction”, mas a parte era boa demais – nada mais poderia substituí-la. O engraçado, com “Friction”, é que o ritmo dessa parte é baseado no som de uma banda oom-pah, como Lawrence Welk, polca alemã. Sabendo disso, da próxima vez que você ouvir a parte de abertura em “Friction”, você entenderá.
8. GRAVANDO “MARQUEE MOON”
Quando finalmente chegou a hora de gravar o álbum, Tom e Fred saíram pra procurar um estúdio. Eles analisaram vários estúdios e finalmente escolheram este local na 48th Street, A&R, que era o estúdio pessoal de Phil Ramone. O Velvet Underground, Bob Dylan, John Coltrane, essas pessoas tinham todas gravado lá. Era uma sala pequena e retangular, com uma sala de controle que ainda tinha os velhos equipamentos de tubo, botões de volume que eram curvados, como os velhos consoles dos Beatles.
Não queríamos um produtor. Nós já tínhamos feito “Little Johnny Jewel” como um single independente que Terry lançou. Nós sabíamos como queríamos soar. Tom, especialmente, não queria um produtor, e ainda mais, especialmente, depois da experiência com Eno. Ele não queria que alguém viesse com outras ideias. Queríamos a liberdade de fazer o disco que queríamos fazer.
Tom ficava dizendo: “quero fazer um disco ao vivo”.
Agora, o único problema com isso era que, quando Tom Verlaine dizia isso, o que ele realmente queria dizer era: “quero que o resto de vocês façam as suas partes em dois dias, pra eu andar por aí no estúdio gastando todo o nosso dinheiro por seis meses”. O jeito que Tom trabalhava sempre era doido pra mim.
Com “Marquee Moon”, no entanto, todas as músicas eram músicas que já tínhamos desenvolvido e aperfeiçoado por dois ou três anos. Nós as tocamos ao vivo centenas de vezes. Nós estávamos prontos. Mas a Elektra não nos permitiu que produzíssemos nós mesmos. Então, decidimos que teríamos um cara que era um grande engenheiro – alguém que sabia o que queria, e queria ser um produtor – mas que estava apenas começando.
Finalmente, chegamos a Andy Johns. Andy tinha sido o engenheiro em um grande número de ótimos álbuns, dos Rolling Stones, Led Zeppelin, só escolher. Ele era irmão de Glyn Johns, e em qualquer coisa que Glyn produzisse, Andy era o engenheiro.
No primeiro dia no estúdio, tínhamos marcado um horário. Chegamos lá e Andy não estava no local. Nós esperamos e esperamos, pensando: qual é o problema desse cara? Aconteceu alguma coisa com ele?
Às quatro e meia da tarde, quase três horas depois do combinado, Andy finalmente chega. Ele diz: “decidi vir ontem, pra ver como era, e… eu não posso trabalhar aqui! Eles não têm 1176s! Eles não têm um LA-2A! Eles não têm…”. Ele começa listando todas essas coisas que eram suas principais ferramentas, que esse estúdio não tinha.
Estamos tentando acalmá-lo: “Andy, você pode alugar esses, não se preocupe com isso”.
Então, Andy diz: “bem, consegui colocar a bateria na noite passada, e consegui um bom som. Vocês querem ouvir?”
Ele colocou a fita que fez na noite anterior. E, por Deus, dos alto-falantes vem este som de bateria de John Bonham. Tom começa a surtar. “Não! Não não não não não! Nós não queremos isso! Não queremos um grande som de bateria! Você precisa desmontar isso e deixar a bateria menor!”.
Andy está indignado. “Então, por que você me contratou? É por isso que sou famoso. Foda-se! Estou conseguindo um voo de volta, pro inferno com isso!”.
Veja, agora estamos todos tentando acalmar Andy. Eu disse: “Andy, nós contratamos você porque você gravou todos os maiores guitarristas do mundo”. Finalmente, Tom e Andy foram pro corredor, e eu não sei o que foi dito, mas quando eles voltaram, Andy disse: “ah, tudo bem”.
Ainda assim, pelos próximos dois ou três dias, Andy iria murmurar coisas como: “oh, então, isso é algum tipo de coisa de Nova Iorque. Você quer soar mal como o Velvet Underground. Você quer soar como The Stooges ou algo assim. Entendo. Bem, nós poderíamos fazer isso, mas você tem que lembrar que estou colocando meu nome nele…”.
Mas nós começamos a gravar. E tudo estava bem. Exceto, bem, Andy é um verdadeiro filho do rock ‘n’ roll. Ele estava acostumado a estar com pessoas que também são rock ‘n’ roll, e você pode imaginar o que isso significava nos anos 70. Ele estava acostumado com pessoas que não se importavam em ficar largadas no estúdio. Você sabe: você marcou às duas da tarde e o engenheiro aparece às quatro e meia, o guitarrista aparece às cinco e o cantor chega à meia-noite.
Mas o Television não era assim. Nós fomos pontuais. E levamos a sério.
Eu sempre quis ser um produtor e estava pensando: o que posso fazer pra evitar que isso soe como uma gravação ao vivo? Uma habilidade que eu sempre tive é que, qualquer coisa que eu toque, posso fazer isso de novo, exatamente da mesma forma. E de novo, e de novo, e de novo. Tom não é assim. Quando Tom toca um solo, ele nunca toca o mesmo solo duas vezes.
Eu estava pensando sobre algumas partes de “Venus De Milo”, e disse: “deixe-me dobrar isso”. Tom e Andy disseram: “Hã?”. Eu: “bem, deixe-me tocar de novo, então você pode tem um par estéreo”. E eles: “uh, bem, vá em frente e tente”.
Então, toquei. Quando ouviu o resultado, Tom disse: “caramba. Deus – isso parece ótimo. Faça isso pra tudo!”.
Por exemplo, em “Elevation”, esse solo de guitarra sou eu tocando duas vezes, duas vezes seguidas, exceto no final: você pode ouvir uma leve diferença na última passagem, quando eu saio. Queríamos alugar um alto-falante giratório pra obter o som pra essa faixa, mas o pessoal do aluguel queria demais. Então, Andy teve uma ideia. Ele pegou um microfone, e enquanto eu fazia o solo de guitarra pra “Elevation”, ele parou na minha frente no estúdio, balançando este microfone em volta da cabeça como um laço. Ele quase arrancou a porra do meu nariz. Eu ficava me esquivando, recuando enquanto tocava, pra não ser atingido.
Andy era hilário, apesar de tudo. Um dia, ele não apareceu até as seis da tarde. Acontece que ele encontrou algumas senhoras da noite na noite anterior, e todas foram pro seu quarto de hotel, onde essas garotas de alguma forma o convenceram a deixá-las algema-lo na cama. É claro que, assim que fizeram isso, eles enfiaram as mãos nas suas calças, pegaram sua carteira e depois sopraram beijos pra ele, enquanto saíam. Elas colocaram uma placa de “não perturbe” em sua porta, e o hotel, sendo muito chique, costumava respeitar o aviso até as quatro horas da tarde. Eles tiveram que usar um serrote pra soltá-lo, e ele ficou sem um centavo – ele teve que ligar pra casa e fazer com que sua esposa lhe desse dinheiro.
Outra vez, chegamos ao estúdio e Andy estava deitado na cadeira do produtor, roncando. Numa mão, mal segurando, havia uma garrafa quase vazia de vinho tinto, com uma caixa de vinho ao lado e três garrafas vazias no chão. E, na outra mão, um cigarro que queimara até o filtro.
Olhamos pra Andy e depois olhamos pro operador da fita: “escute, todos os microfones estão configurados, podemos apenas manter o volume aqui e tocar uma música?”. O operador respondeu: “não vejo porque não”.
Então nós entramos e fizemos “Prove It”. Daí, voltamos ao estúdio pra ouvi-la. E soou muito bem. Então, nós tocamos um pouco mais alto. E continuamos aumentando o volume até que finalmente Andy acordou. Ele sentou-se empertigado, em pânico, paranoico pra cacete. A música está tocando, e ele está olhando pra trás e pra frente, querendo saber: “eu gravei isso?”.
Nós dissemos: “com certeza Andy, você gravou isso antes de adormecer”. Ele deu um suspiro de alívio. “Deus, eu estou bem”. Andy era assim. E esse é o corte de “Prove It” que você ouve no disco.
Enquanto isso, a luta sobre quem tocaria qual solo continuou. Ficou claro entre nós que eu tocaria a base, enquanto Tom cantaria e faria o solo. Se eu fosse fazer o solo, ele continuaria tocando a base. A divisão deveria ser 50-50, ou 40-60, mas nós tínhamos essa gigante “Marquee Moon”, onde Tom começa a solar por cinco minutos ou o que fosse, mas era tão bom que eu não podia discutir sobre isso. Então, em “Marquee Moon”, a música, me deram esse pequeno solo, não terrivelmente extenso. Isso, e meus solos em “See No Evil” e “Elevation”, são o que acabei fazendo.
“Elevation” é provavelmente a minha favorita, porque é perfeita. Eu costumava tocar imaginando que algumas das pessoas que eu conhecia quando era mais novo – Hendrix ou Jimmy Page – estavam olhando por cima do meu ombro, dizendo: “hã-hã, não é bom o suficiente”. Mas com “Elevation”, eu me orgulharia de tocar assim. Eu podia ouvi-los dizendo: “sim, é isso aí”.
Naquela época, havia uma espécie de fórmula pra gravar um álbum: duas semanas pro básico, duas semanas pra overdubs, duas semanas pra mixagem. Nós fomos por aí em “Marquee Moon”, e entregamos pra gravadora no final de 1976. Ele saiu oficialmente em 8 de fevereiro de 1977. Saímos em turnê, e fomos muito bem no Reino Unido. Glasgow foi nosso primeiro show, no The Apollo. Todos os lugares que tocamos estavam esgotados, todos esses dois mil assentos nos cinemas.
O que era interessante sobre a Grã-Bretanha era que eles nunca tinham realmente nos ouvido. Algumas das bandas de Nova Iorque tinham passado por lá antes de nós: os Ramones e Richard Hell e The Voidoids, e todos foram agredidos pelos punks. Quando saímos em turnê, decidimos: um maldito cuspe, um único cuspe e o show acabou. Fizemos um acordo, todos nós apenas paramos, instrumentos pra baixo, deixamos o palco, e seria isso. Mas o engraçado é que nunca fomos atacados, nem uma única vez. Havia algum tipo de respeito ou algo assim, e ninguém cuspiu na gente.
Embora tenhamos nos saído muito bem no Reino Unido, nos Esteites foi muito diferente. As pessoas esquecem que o Reino Unido é do tamanho de um estado nos Esteites. É tão grande. Você sabe, o Reino Unido tinha três revistas de música semanais naquela época. Nos Esteites, nós tivemos a Rolling Stone e algumas outras que só saíam uma vez por mês. Então, no Reino Unido, houve toda uma conversa sobre essa fabulosa cena de Nova Iorque. Mas nos Estados Unidos, fora de Nova Iorque, não rolou da mesma maneira.
Ainda assim, em trinta e cinco anos, “Marquee Moon” nunca parou de ser impresso. Ele se tornou um elemento permanente no rock’n’roll.
9. “ADVENTURE” E ROMPIMENTO
Muitas pessoas dizem que ficaram desapontadas com o segundo álbum do Television, “Adventure”. Eu sou um deles.
Em retrospecto, acho que seria uma boa idéia contratar Andy Johns novamente pra esse disco. Mas com suas travessuras, isso não ia acontecer. Essa não foi a coisa mais prejudicial, no entanto.
Quando fizemos “Marquee Moon”, desenhamos as músicas de um repertório que tocávamos ao vivo há anos. E, na verdade, nós ainda tínhamos um outro álbum inteiro de músicas daquele período – coisas como “Kingdom Come”, “Double Exposure”, “Breakin In In My Heart”, mas Tom, inconstante como ele é, não queria tocá-las. Não queria gravá-las. De todas as músicas do “Adventure”, apenas “Foxhole” e “Careful” estavam em nosso repertório.
E isso, pra mim, foi o fim. Quando você não faz o trabalho de antemão – quando você entra em um estúdio e você não tem as músicas; quando você não sabe o que vai fazer, e vai tentar inventar no estúdio… Isso custa dinheiro.
Em “Marquee Moon”, todo mundo sabia o que tinha que fazer. Em “Adventure”, ninguém sabia. Até Tom não sabia o que estava fazendo. Ele experimentava idéias e ia em frente. Sonoramente, o álbum tem um certo tipo de cor que “Marquee Moon” não tem. “Adventure” é um tipo de disco de cores saturadas. John Jansen, que veio para ajudar Tom a produzir, trabalhou muito em algumas das reedições de Hendrix, e ele trouxe isso.
Mas, pra mim, já era uma perspectiva perdida quando não estávamos ensaiando pro álbum. Entramos no estúdio e era apenas o mundo de Tom. Nós conversávamos sobre essas outras músicas que tínhamos deixado que podíamos gravar, e Tom apenas dizia: “não”.
Pra mim, aquilo era o fim do Television como eu conhecia. O disco saiu em abril de 1978. Não deu três meses e a banda se separou.
10. SE REUNINDO NOVAMENTE, O TERCEIRO DISCO E SEPARAÇÃO FINAL
No início dos anos 90, meu empresário conheceu o empresário de Tom em uma festa de Natal. E eles tiveram uma conversa que foi assim:
“Ei, o que Tom está fazendo?”.
“Bem, não muito. O que Richard está fazendo?”.
“Bem, não muito”.
E então eles decidiram ver se poderiam nos reunir novamente.
Nesse meio tempo, eu havia contratado um advogado, Fred Davis – o filho de Clive Davis, da Arista Records -, que pegava demos e conseguia as melhores ofertas, era o seu forte. Ele tinha pego uma demo que eu tinha feito, mas enquanto ele estava trabalhando nisso, o lance de reunir o Television voltou.
Nós reservamos duas horas de estúdio juntos, e nós entramos, e tocamos juntos, de A a D – e lá estava. Era o Television. Então, liguei pro advogado, Fred, e perguntei: “que tal você vender um novo disco do Television? Mas existem algumas regras: não haverá demo. Ninguém vai ouvir música alguma. O acordo vem primeiro”.
Fred disse: “eu adoraria, mas será difícil se eles não ouvirem nada”.
Tom disse: “não, eu não estou trabalho até que ser pago”. Tom é esse tipo de pessoa. As pessoas pedem que ele assine capas de discos e ele diz “não sei, você vai colocar isso no eBay e ganhar dinheiro comigo”.
Então, Fred começou a oferecer o Television por aí. E dezessete grandes gravadoras quiseram assinar com a banda. Dessas, cerca de sete estavam falando a sério. Então, a licitação começou e chegou a três, e depois a duas, e o dinheiro ficou ridículo.
Finalmente, foi entre a Capitol e a A&M, e os negócios foram espetaculares. Nós nos encontramos com o chefe da Capitol, um homem maravilhoso chamado Hale Milgrim. Este era um cara que pessoalmente possuía vinte e cinco mil discos de vinil em sua própria coleção. Quando ele tirou suas férias, saiu em turnê com Grateful Dead. Um cara de música de verdade que conseguiu se manter um cara de música de verdade na indústria da música. Então fomos com Hale. E, francamente, também porque ele ofereceu mais.
Começamos a conversar sobre esse álbum, sobre os estúdios e o tipo de disco que faríamos. Um dia, no almoço, Tom estava reclamando de estar com falta de ar enquanto cantava ao vivo. Claro, Tom fumava como uma chaminé e tomava café o dia todo. Isso é tudo que ele fazia. Mas eu disse: “talvez você possa tomar algumas aulas de canto, apenas pra algumas técnicas de respiração”.
E, meu deus, era isso. Só que, de repente, Tom estava explodindo pra mim. “Eu preciso de aulas de canto! Minha voz é única e é isso! Dylan vende assim!”.
Agora, esse é o mesmo cara que, quando eu disse a ele que achava que “Marquee Moon” seria um disco importante, disse: “ah… Meus vocais são muito estranhos”.
Tom levantou-se, inclinou-se e gritou comigo: “não estou fazendo um disco pop! E não estou fazendo um disco de rock!”. E eu estou sentado lá, pensando: “Jesus, em que tipo de negócio ele acha que está? Flamenco?”.
Mas isso é o mais próximo da maldita verdade.
Então, nós fomos fazer o terceiro disco, e a qualquer momento que fosse gravar minhas partes, Tom, na sala de controle, diria algo como “ouço o amplificador zumbindo, você poderia por favor ver isso?”. Várias vezes ele saiu e baixou o volume, até que era quase inaudível. De modo que nada sussurrava, nada se movia, nada tremia. E, pra mim, quando o terceiro disco do Television saiu, era um Television-lite. No som, quero dizer, sim, tem um som bonito e legal. Mas não é rock’n’roll.
Então, o que aconteceu foi: começamos a tocar juntos novamente.
É aí que a força genuína surgiu. Canções que soavam minúsculas naquele álbum realmente floresceram quando nós resolvemos tocar ao vivo. Nos anos que se seguiram, quando o Television não existia, eu não tinha feito nada, exceto lançar meus próprios discos e praticar. Eu treinava até minhas mãos doerem.
Mas Tom não praticou. Pra dar um exemplo, o pequeno solo da música “1880 Or So” ao vivo, eu chamei a responsabilidade. Tornou-se algo como “Marquee Moon” – o solo foi em seis, oito minutos ou mais. Era pra ser uma música na qual nós trocávamos solos, mas Tom disse: “porra, se você está tocando assim, apenas vá em frente”. Acho que ele deixou porque a diferença entre nós era extrema.
Isso é basicamente o que aconteceu no período final do Television, até eu desistir de vez. Continuamos tocando de vez em quando pelos próximos quinze anos. Acho que eu estava no meu melhor. Mas Tom estava apenas lá. Ele apenas vagou. E as pessoas notaram isso.
Nós ensaiamos e tocamos, e nós escrevíamos novas músicas – e Tom as jogava fora. Todos os anos, de 1993 a 2007, quando eu finalmente desisti, Tom falava sobre a gente fazer um novo disco. Mas nunca rolou. Em catorze anos, o Television havia escrito oito músicas. Tom, eu acho, já era. Acabado.
Ele fez a sua pequena música pra filmes mudos, com um dos seus melhores amigos, Jimmy Rip, e eles recebiam honorários ultrajantes dos museus pra tocar música nesses filmes mudos. E isso não tirou nada de Tom. Ele sentava numa cadeira e não precisava cantar. Ele podia apenas brincar na guitarra. Por que ele deveria ficar com o Television enquanto sua conta bancária estiver cheia?
Não gravamos nada. Tom estava cagando pra isso. “Ah, você não consegue um bom som de bateria aqui. Oh, precisamos ir a outro lugar”… Qualquer coisa pra evitar de fazer um disco. Nós tínhamos essa nova música que estávamos fazendo, “Balloon”. Tinha essa linha e, um dia, Tom anunciou: “Odeio essa frase de guitarra. Esqueça”. No ano seguinte, ele lançou dois discos-solo, um instrumental, um com canções – e adivinha no quê uma dessas músicas foi baseada? Essa linha, a linha que ele disse que odiava.
Era como se ele não quisesse deixar nada pro Television. Tom nunca quer realmente compartilhar crédito. Mas por catorze anos o Television falou sobre fazer um novo disco. Pense nisso assim: eu saí em 2007, e em seis meses, fiz meu álbum “The Radiant Monkey” (2007). Desde então, lancei mais dois álbuns e, enquanto isso, me juntei ao Rocket From The Tombs, fizemos turnê, lançamos o álbum “Rocket Redux” (2004), e então fizemos dois novos álbuns, “Barfly” (2011) e “Black Record” (2015).
Enquanto isso, em 2007, logo depois que saí, Jimmy Rip, que assumiu meu lugar no Television, colocou uma mensagem em sua página no Facebook, dizendo que estava ansioso pelo novo álbum do Television, que estava saindo.
Bem, adivinhe? Os anos passaram e isso ainda não aconteceu. Tom Verlaine é maravilhoso pra se divertir. Tom pode ser o cara mais engraçado da Terra. Só que eu nunca farei negócios com ele novamente.
Mas há sempre a “Marquee Moon”.
Não penso nesse álbum como apenas uma seleção de músicas. Eu penso em “Marquee Moon” como uma coisa: contém tantas músicas que te pegam de jeito, não há como separá-las. Você sabe, hoje em dia, as pessoas baixam uma música ou duas de um álbum. Bem, “Marquee Moon” não é pra isso.
“Marquee Moon” é a coisa toda. Uma Coisa. Como o Monte Everest.
O disco na íntegra: