Não há uma banda dos subterrâneos brasileiros que olhe a cena e não se veja. No Dia Da Música, que desde 2015, muitos palcos são montados nas ruas, por exemplo. Mas, mesmo na precariedade, ainda é difícil ver cenas como essa no Brasil, ou porque o poder público (polícia ou governantes) dificulta ou porque os comerciantes viram a cara pra possibilidade de ter uns moleques tocando uma música barulhenta na frente de seus estabelecimentos.
Nos Esteites e na Europa é um tanto corriqueira tal cena: a banda monta na calçada uma estrutura mínima e manda ver sua arte. Em muitos casos, o poder público organiza (no caso de estações de metrô, por exemplo) ou os comerciantes é que promovem o evento. Lojas de discos adoram o expediente pra chamar atenção dos transeuntes – e ganhar um mínimo de mídia.
Em Memphis, Tennessee, a Shangri-La Records é uma das muitas que acreditam no formato. Na larga calçada em frente, que, vale dizer, serve de estacionamento a uma agência dos correios vizinha, já recebeu Ike Turner, Guided By Voices, Pavement, The Black Lips, Calexico, Jello Biafra, Phantom Surfers e muito mais. A lista é enorme. Diz a lenda que o Nirvana tocaria ali dia 10 de julho de 1991, mas alguém na Geffen cancelou a apresentação um mês antes… com medo de que ninguém aparecesse pra vê-los!
No dia 19 de abril de 1992, entretanto, o Beat Happening do doidão Calvin Johnson (mais a baterista e vocalista Heather Lewis e o guitarrista e baterista Bret Lunsford, todos com trinta anos) compareceu e tocou pra quase ninguém, pra uns poucos felizardos, talvez umas vinte pessoas, durante uma hora. Era a turnê do seu quinto e até aqui último disco, “You Turn Me On”, lançado em 1992. O Beat Happening já tinha um bom nome na “cena alternativa” e nenhuma preocupação com “imagem”.
O ano de 1992 marcou o último – de novo, “até aqui” – da trajetória do Beat Happening nos palcos. Depois disso, a banda deu um tempo, embora oficialmente nunca tenha anunciado seu fim.
A Shangri-La é uma loja relativamente pequena. Fica no número 1916 da Avenida Madison, na região central da cidade. Foi escolhida pela Rolling Stone uma das melhores lojas de discos dos Esteites (leia aqui) e goza de boa reputação entre os artistas.
A qualidade desse show é baixa. Não há edição. O show mesmo começa aos quatro minutos e quarenta e cinco segundos. Foi gravado com uma câmera VHS estática na entrada da loja, poucos zooms e nenhuma movimentação. Volta e meia, as pessoas passam em frente e o som é terrível, por conta também pelas condições improvisadas da apresentação. O movimento da rua é tranquilo, na casa em frente um casal deita no telhado com o cachorro pra apreciar um pouco a banda e logo desiste, o sol é tímido. A banda pede que o público contribua com algum dinheiro, colocando num boné com um dos donos da loja.
É um dia comum em Memphis. É um dia comum pro Beat Happening, que parece em casa, na frente de sua própria casa. Sem estrutura, é sua rotina. Talvez sua inspiração.
01. Teenage Caveman
02. Tiger Trap
03. Sleepy Head
04. Look Around
05. Nancy Sin
06. Red Head Walking
07. Cast A Shadow
08. Other Side
09. Left Behind
10. Noise
11. Godsend
12. Bewitched
12. Cry For A Shadow