Sou um sujeito não curte muito essa onda tsunâmica de tributos que têm aparecido às pencas por aí. Prefiro ver o trabalho original das bandas. Por outro lado, empolga-me a inserção esporádica de coveres que certos grupos fazem em seus shows – talvez poucos consigam bater a forma natural com que o Echo & The Bunnymen homenageie ao vivo seus ídolos, ou como, mais recentemente, o Arcade Fire leve ao seu público jovem antigas canções de artistas de outrora: são exemplos de exceção.
Quando o baixista da Herod, Elson Barbosa, me contou que sua banda faria um trabalho (ainda não definido se virará um disco) só baseado em canções do Kraftwerk, espantei-me: o que tinha a ver, afinal? Tudo, oras.
“Estava ouvindo o ‘Autobahn’ (disco de 1974) e quando chegou em ‘Kometenmelodie 1’, pensei como isso ficaria bom numa versão doom metal, tipo Sunn O))), e porque ninguém nunca havia colocado essa ideia em prática”, disse.
Por que não a Herod, então? Isso foi em 2015. O projeto tomou corpo só agora, em 2016, e vai ganhar os palcos num final de semana de julho, começando aqui, passando por aqui e terminando aqui, com ideia de expandir pra novos palcos e, talvez, virar um disco.
A grande questão de desconfiança é que o Kraftwerk é daquelas bandas de clássicos aparentemente intocáveis. A identidade única de suas músicas, qual impressão digital, parece só funcionar de modo eficiente com os alemães. Mesmo assim, muita gente já se aventurou a fazer versões de músicas deles: Beck, Ride, Cardigans, Carter USM, Babasonicos, Luna, OMD, Simple Minds, Siouxsie & The Banshees, U2 etc. Os resultados variam de qualidade, mas a maioria vai no porto-seguro de “Das Modell”/”The Model”, “Neonlicht”/”Neon Lights” e “Spiegelsaal”/”The Hall Of Mirrors”, muitos pra aplaudir, como é o caso do Ride com “The Model” e da Siouxsie, com “The Hall Of Mirrors.
Especialmente destacado é o esforço do quarteto de cordas Balanescu Quartet em recriar as obras do Kraftwerk em “Possessed”, seu disco de 1992 (ouça um pedaço aqui). Uma sinfonia que tem muita proximidade com a ideia original harmônica dos alemães. Mas… post-rock-doom-metal? Será?
A Herod retrabalhou sete canções da banda. Entre elas, “Kometenmelodie 2”, “The Model”, “Antenna”, “Autobahn” e “Radioactivity”. Três guitarras, um baixo, uma bateria e algumas dezenas de brinquedinhos de distorção e efeitos pras cordas e vocais. A Herod acabou aplicando sua própria identidade à marca.
O Floga-se foi ao estúdio onde a banda ensaia e captou o trabalho ao vivo, sem mesa, sem técnica, tudo ao vivo. Duas delas, “Autobahn” e “Radioactivity”, estão aqui. Impressiona como a banda se aproxima das originais, ao mesmo tempo que procura pesar a mão em cima delas, aplicando sua forma de fazer música.
Aqui, a Herod consegue mostrar que o Kraftwerk tem uma música bem plural: os esqueletos das canções permitem tudo. Basta experimentar. E experimentar é o que a Herod vem fazendo desde sempre.