Era 5 de agosto de 2010. Trinta e três trabalhadores da mina de cobre San José, no Atacama, Chile, acabaram isolados a quase setecentos metros de profundidade. Um desmoronamento (mais um outro, dois dias depois) deixou-os isolados a ponto de só serem localizados quinze dias depois. O drama do resgate demorou quase setenta dias. O mundo acompanhou. Personalidades políticas, esportivas, artísticas, anônimos, todos de olho nos noticiários da televisão e Internet pra saber se as engenharias de resgate seriam bem sucedidas.
O primeiro mineiro a sair, Florencio Ávalos, de 31 anos, respirou aliviado no décimo minuto do dia 13 de outubro. Depois, em intervalos de quarenta minutos a uma hora, todos os trinta e três soterrados puderam sair, na minúscula e claustrofóbica cápsula “Fenix II”, com sessenta centímetros de diâmetro, atravessando uma interminável rocha maciça e quase impenetrável, que exigiu das equipes de salvamento mais inteligência, planejamento e paciência – além de muito investimento – do que suor.
Os trinta e três mineiros, mais os cinco socorristas que foram ao encontro deles, puderam comemorar juntos quando o relógio marcava trinta e três minutos do dia 14 de outubro, no que foi considerada a maior operação de salvamento deste tipo no mundo.
“Os 33” viraram filme, lançado em 2015, dirigido por Patricia Riggen, com Lou Diamond Phillips, Antonio Banderas, Rodrigo Santoro e Juliette Binoche. Um filme bem ruim, infelizmente.
Dentre milhares de homenagens que as vítimas receberam – de Barack Obama a Steve Jobs e Zack De La Rocha – uma aconteceu com uma legítima felicidade do destino, sem apelo de promoção pessoal ou nada do tipo. Em 2010, o Pixies desembarcaria pela primeira vez no Chile – no Brasil, havia se apresentado em 2004, sem que os chilenos fossem agraciados. O primeiro show seria no Maquinaria Festival, versão local do SWU que aconteceu em 2010 em Itu (a edição seguinte foi em Paulínia), dia 9 de outubro, no Club Hípico, em Santiago. Um segundo show foi marcado justamente pro dia 13 de outubro, no Teatro La Cupula, também na capital chilena.
Assim que a banda desembarcou novamente em Santiago, vinda do Brasil (o SWU aconteceu dia 11 de outubro), o drama dos mineiros estava bem perto do fim, mas ainda havia uma enorme apreensão. Nenhum deles havia sido resgatado na véspera do show e o quarteto, bem como todo o país, ficou em frente à televisão no hotel, grudado na esperança de que tudo desse certo.
Se a apresentação no Maquinaria havia sido a primeira do Pixies no Chile, a no Teatro La Cupula seria a primeira solo da banda. Duas mil pessoas entenderam a importância de ver o grupo num local fechado, com acústica apropriada e sem nenhuma outra atração a perturbar as expectativas. Era um show do Pixies e só do Pixies. Os ingressos se esgotaram como água no Atacama.
Quando o quarteto subiu ao palco, Black Francis já se mostrou o oposto do que havia sido no Maquinaria. Se no festival o grupo tocou suas músicas e saiu sem dar um mísero “olá” pra plateia, no Teatro La Cupula, emocionado com o sucesso da operação (àquela altura, os trinta e três já estavam a salvo e faltavam apenas o retorno de dois socorristas), Francis foi direto ao microfone avisar que aquele show seria especial: “oi, não sou de falar muito, mas creio que esta noite temos uma boa razão pra celebrar, hoje tocaremos trinta e três canções pra vocês”.
A plateia foi ao delírio. Na apresentação no Maquinaria, o Pixies não havia ido tão distante desse número: ali foram executadas vinte e seis músicas, sete a menos.
Como escreveu Laura Gamundía, pro site RocknVivo, “de fato, naquela noite, houve no mundo, e especialmente no Chile, uma grande razão pra celebração: minutos antes do Pixies oferecer seu primeiro concerto solo neste país do fim do mundo, a operação de resgate dos 33 homens que ficaram presos na mina de San José por 69 dias, e terminou com sucesso. Eis que Black Francis e companhia cumpriram sua promessa e interpretaram um tema pra cada um dos resgatados das entranhas da Terra, começando com sua versão de “Cecilia Ann” (original do The Surftones) e “Rock Music” (…)”.
Na verdade, a banda tocou trinta e cinco músicas, se contar também o bis de praxe, com “Where Is My Mind?” e “Gigantic”, transformando esse no show mais longo da carreira do Pixies.
Uma outra resenha, essa mais emotiva, de Paty Leiva, pro Zancada, diz: “quase morri. Todos pulavam ao meu redor e do meu lado um tipo soltou um grito do fundo da alma, ‘somos todos adolescentes!’. Saiu do mais profundo da alma, marcando com suas palavras o começo do que foi uma viagem no tempo pra muitos de nós, porque havia mais de quatro gerações presentes (…). Dos melhores e mais intensos shows da minha vida”.
Não foi uma hipérbole de fã. Por conta do contexto, um país comovido, um mundo aliviado, um drama com final feliz, a própria banda colocou na conta como esse sendo um dos shows mais importantes do Pixies.
Após a apresentação, a banda deu uma declaração oficial à imprensa: “ficamos bem comovidos com essa história, com quantas vidas foram afetadas por isso, e como o povo chileno se uniu pra apoiar o que só pode ser descrito como um milagre. Queríamos fazer algo pra mostrar o quão afetados estávamos. Então, tocamos um set especial no show de hoje, 33 músicas pros 33 mineiros, o maior show que já tocamos como banda. Descobrimos cinco minutos antes de entrarmos no palco que todos os mineiros haviam chegado à superfície com segurança. Este foi definitivamente um dos shows mais significativos que já fizemos”.
Infelizmente, não há um vídeo com o show completo, mas muitos, muitos fragmentos feitos por pessoas na plateia, com seus celulares de 2010 (que hoje nos parecem algo perto do pré-histórico). Abaixo, alguns exemplos, com qualidade de som e captação de imagem discutíveis e amadoras, mas que dão uma ideia de como a plateia vibrou nesse dia. Há também um áudio com a apresentação na íntegra, mas nenhum link pareceu confiável pra reproduzir aqui. Não é difícil achar um .rar ou .torrent por aí, mas fica com conta e risco do leitor.
Após os vídeos, você encontra o setlist completo, com as trinta e cinco músicas executadas (trinta e três mais as duas do bis).
“Cecilia Ann” e “Rock Music”:
“Bone Machine”:
“Debaser”:
“Hey”:
“Gouge Away”:
“Here Comes Your Man”:
“Where Is My Mind”:
01. Cecilia Ann (The Surftones cover)
02. Rock Music
03. Bone Machine
04. Crackity Jones
05. River Euphrates
06. Debaser
07. Wave Of Mutilation
08. Monkey Gone To Heaven
09. I Bleed
10. Caribou
11. Cactus
12. Broken Face
13. Something Against You
14. Isla De Encanta
15. Tame
16. The Sad Punk
17. Hey
18. No. 13 Baby
19. Gouge Away
20. Is She Weird
21. Dead
22. U-Mass
23. Break My Body
24. Velouria
25. Dig For Fire
26. Allison
27. Ed Is Dead
28. Mr. Grieves
29. Winterlong (Neil Young cover)
30. Here Comes Your Man
31. Head On (The Jesus And Mary Chain cover)
32. The Holiday Song
33. Vamos
BIS
34. Where Is My Mind?
35. Gigantic