O Bemônio mudou. Não é força de expressão: mudou mesmo, na sonoridade, de formação, de lugar, de visão da vida.
Paulo Caetano, o criador do projeto, teve um período “rejuvenescedor” após o lançamento do sangrento “Desgosto”, em 2015, um dos grandes discos do ano (veja aqui).
Ele foi à Europa pra tentar marcar uns shows, mas a tentativa não foi bem sucedida. “O intuito era tentar fazer uns shows, tentar divulgar o som de uma forma mais voltada às origens, pois nessa viagem só fui eu (em “Desgosto”, o Bemônio era Caetano, Eduardo Manso e Gustavo Matos, enquanto nos primeiros discos, era só Caetano). Mas os contatos e as oportunidades que possivelmente poderiam acontecer ou apenas a ajudar a divulgar o som, nos quarenta e sete do segundo tempo não rolaram. Como era verão lá e se torna um período complicado pra marcar shows, eu apenas consegui fazer uma apresentação, que foi muito prazerosa, em Copenhague, mas só consegui por conta própria. Além disso, fui por turismo, com a minha esposa, e ficamos três meses na Europa. Acabou que foi muito bom pra refletir em âmbitos gerais a minha vida”, disse Paulo numa conversa exclusiva com o Floga-se.
A experiência “mexeu total” com a visão de mundo e da própria vida que Caetano tinha: “tudo o que estou passando agora é um reflexo dessa viagem, o simples, paz de espírito e o lado rural se deram por ela; fui a capitais, grandes cidades, mas ter ido a Tromso, na Noruega, mexeu muito o meu modo de ser e da minha esposa, no sentido de dar valor à quietude, a apreciar lugares mais rurais, à simplicidade…”.
Tromso é a cidade mais cosmopolita ao norte da Noruega. Fica a mil e oitocentos quilômetros da capital Oslo, tem quase setenta mil habitantes e casa de uma renomada universidade, da “cervejaria mais ao norte do mundo” e o melhor lugar pra se ver a aurora boreal. No inverno, em Tromso, é capaz de você resolver ficar um pouco mais na cama, acordar às onze da manhã, abrir a janela e ainda estar de noite. O sol pode ficar um bom tempo sem dar as caras por lá.
O que era pra ser um cenário desalentador e um convite à depressão e ao suicídio, tornou-se marca registrada da cidade e atrativo turístico. No caso de Paulo, tornou-se o estopim pra ver a vida de uma outra maneira.
“Sair do caos, procurar viver com menos informação do caos vindo da cidade. Sei que passei por grandes cidades onde viver se dá de uma forma mais justa e digna do que no Rio de Janeiro, mas a quantidade de coisas me deu uma mexida de querer menos e mesmo nas cidades grandes as coisas mais simples são as coisas que me chamaram atenção, na Europa”, diz.
Quando voltou ao Brasil, Paulo Caetano mudou-se do Rio de Janeiro pra bucólica Teresópolis, a cem quilômetros da capital fluminense, e decretou a si mesmo um novo modo de levar a vida. Um dos resultados foi a mudança do seu alter-ego musical, o Bemônio. O que antes era agressivo, sangrento, inescrupuloso e sombrio, agora mostra-se contemplativo, misterioso – embora ainda sombrio.
“Vão”, o disco que saiu dia 21 de fevereiro de 2017, via QTV, é o resultado dessa nova cara do Bemônio. São três faixas se interligando numa orquestra de guitarras e poucos ruídos e efeitos.
Ouça na íntegra:
“Foi algo vindo da base mesmo, víamos que necessitava apenas de uma guitarra ilustrando. O Eduardo Manso estava mais se utilizando de ruídos na base e, de repente, num momento, eu falei que ele poderia ir direcionando o álbum com uns rifes sem muito peso, num clima mais ambient, menos ruidosos”, contou.
O Bemônio desse disco é uma dupla – Gustavo Matos teve que se ausentar por motivos particulares e não participou da obra. “A minha sorte é ter como amigo e companheiro de banda o Manso. Ele tem uma sintonia com o projeto que muitas vezes parece até que ele que criou (ri), não só musicalmente falando mas esteticamente também”, diz Paulo, que ressalta também que as máscaras caíram – a banda já não usa mais aquelas que caracterizaram as fotos e apresentações nos primeiros trabalhos.
Junto com as máscaras, caiu também o tema principal do grupo: o sacro, o religioso. “Agora o lado religioso tá sendo e aplicado na minha vida como exercício e não mais de forma musical ou teatral. Resumindo: aquilo morreu. A mascara caiu de vez. Consegui lidar comigo, num processo de reflexão e aquela revolta ou vontade de lidar com tais temas evoluíram. Não cuspo jamais no que foi feito – respeito e muito. Mas como sempre disse, o Bemônio é um projeto que exalta meu estado de espírito, uma válvula de escape. Não que eu fosse satanista (ri), nunca isso, mas o rancor, a raiva e a culpa eram em demasia na minha vida”, revela.
A temática está no título e “tem muito a ver com duas coisas que se interligam: o ‘vão’ que acabei criando após ter me ausentado do país e indo morar na serra (em Teresópolis)… E no processo de gravação, que rolou em cada faixa uma vontade ou a sensação de que faltava algo mais, uma voz, bateria… Criando um vão, um espaço vazio. Por isso, ‘Vão’, simples assim. E os nomes das faixas são ícones de ‘vazio’, ‘círculo denotando um buraco’ e ‘ponto'”.
“Ao meu ver, esse é o álbum mais sucinto do Bemônio. Foram duas sessões de aproximadamente cinco horas cada e as coisas casaram como nunca. Ainda mais que hoje em dia possuo a limitação do tempo pois estou morando fora do Rio de Janeiro, no meio do mato (ri)”. As tais sessões foram “improvisos ao vivo” e “Vão”, por conta disso, é quase “um álbum ao vivo”.
A produção é da dupla e a mixagem e masterização, por conta de Manso. As duas sessões de “improviso ao vivo” aconteceram no estúdio de Eduardo Manso, no Rio.
1. O
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